Processo constituinte no Chile: entre a fadiga e a saturação
Todos nós vivenciamos a fadiga pandêmica. E nós, chilenos, também conhecemos a fadiga constitucional. Após o despertar social de outubro de 2019, 80% dos eleitores decidiram iniciar o processo para uma nova Constituição, agora redigida em um regime democrático, para substituir a de 1980, escrita durante a ditadura de Pinochet e reformada em 2005 durante o governo de Ricardo Lagos.
Já estamos na segunda tentativa. A primeira fracassou quando, em setembro do ano passado, 62% dos eleitores decidiram rejeitar a proposta elaborada pela Convenção Constitucional. Assim, o Chile se juntou ao pequeno grupo de 6% dos países que rejeitaram uma proposta de Constituição em um referendo democrático.
A partir de então, teve início uma árdua e frágil negociação que culminou com um novo processo. O anterior fracassou por vários motivos e um deles é central: o caráter partidário de sua proposta e o distanciamento de seu conteúdo do senso comum do corpo político chileno.
Todos os chilenos agora se perguntam se teremos sucesso na nova rodada. As regras do novo processo parecem dar garantias suficientes para chegar a um texto apartidário e de aprovação ampla e massiva, não estivéssemos sofrendo de uma fadiga constitucional.
O resultado é um alto nível de desconfiança e baixa crença no futuro do processo. Uma combinação arriscada, que se traduz em desinteresse cético. Acrescente-se a isso que o Conselho Constitucional ficou sob o controle de um único setor político, como no processo anterior, só que agora de lado contrário, à direita. Além disso, um novo partido de extrema-direita ganhou assentos suficientes para ter poder de veto. Se o próximo texto também for partidário, corre o risco de ser rejeitado novamente.
O novo processo foi definido sob regras muito diferentes do anterior. A primeira diferença é que o órgão eleito, o Conselho Constitucional, não trabalhará sobre uma folha em branco, mas sobre um projeto elaborado por uma Comissão de Especialistas indicada pelo Congresso. Essa etapa foi concluída no último 6 de junho.
A segunda, é que o quórum para aprovação de normas constitucionais caiu de 2/3 para 3/5.
A terceira, é que haverá uma votação final em cada etapa da redação do texto integral e não apenas das regras individuais.
A quarta, é que a Constituição deve conter alguns elementos mínimos, chamados bases constitucionais, cuja ausência pode ser alegada perante uma entidade externa de natureza técnica.
A quinta e última diferença, é que, face a divergências de opinião entre o Conselho Constitucional e a Comissão de Especialistas, a balança pende ligeiramente a favor desta última.
O trabalho da Comissão foi excepcional em termos de forma e substância. Houve arestas, mas sem perder o espírito cívico, resultando em um texto acordado que gera um consenso político transversal.
Entretanto, as forças do Conselho Constitucional manifestaram interesse em confrontar o texto e como seu trabalho apenas começou, ainda não sabemos ao certo se prevalecerá o espírito de acordos amplos ou a tensão de convicções irreconciliáveis. Eles só têm até 17 de novembro para processar suas diferenças e apresentar uma nova proposta para ser votada em 17 de dezembro.
O Conselho tem o desafio de não aumentar a fadiga constitucional, regenerar o interesse positivo dos chilenos no processo e propor um texto que gere amplo apoio da população, que nos permita sair da disputa constitucional. Se não der certo, entraremos em um caminho que poucos hoje ousam traçar: da fadiga podemos ir para a saturação.
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