Por uma Agenda da Abundância para o Brasil
Há um aspecto subestimado nos nossos hábitos de pensar o Brasil. A maneira que abordamos a solução para os grandes problemas sociais envolve, em geral, alguma maneira de fazer menos e controlar mais. A resposta nos parece ser sempre uma questão de limitação. Estamos viciados em pensar que resolver desafios é buscar alguma solução de menos.
Pegue a maneira como pensamos a pauta ambiental para o Brasil. A solução para as mudanças climáticas é apresentada como solução de menos. Imaginamos empresas e pessoas fazendo coisa demais: construindo demais, criando gados demais, sendo transportados pelo ar e pela terra em excesso. As soluções envolvem uma cobrança dos órgãos de controle para que as pessoas façam menos coisas. Precisamos reduzir nosso consumo de energia, comer menos carne, fabricar e utilizar menos veículos, fazer menos viagens, permitir menos construções. Empoderamos nossas agências de governo com poder de veto e exigências de licenças para que as pessoas façam menos.
Essa visão de mundo estacionária, ou até reacionária, de que precisamos colocar freios e contrapesos na humanidade, encontra sua síntese máxima nos degrowthers, os apóstolos do decrescimento. Como movimento político e social, seus apoiadores buscam uma redução planejada da produção e do consumo de bens e serviços. Acreditam que o crescimento econômico constante é insustentável e que a busca incessante por mais produção e consumo está levando a graves problemas ambientais, sociais e econômicos, como a mudança climática, a degradação dos ecossistemas e a desigualdade econômica. A solução iria interromper toda a inovação ligada ao crescimento econômico.
Há, pelos últimos dez anos, um crescente corpo de literatura sobre essa cultura de estagnação, esse estacionamento do progresso humano. Tyler Cowen começou a chamar esse período de desaceleração das inovações no início do século 21 de A Grande Estagnação. Uma estagnação tecnológica que está no cerne do livro The Rise and Fall of American Growth, de Robert Gordon. É também a pauta dos cientistas políticos. Francis Fukuyama chama de vetocracia o excesso de pontos de veto na tomada de decisões. Steve Telles chama de kludgeocracia o excesso de gambiarras político-normativas que criamos porque o caminho para as soluções reais é custoso e engarrafado demais.
Talvez a crise de confiança nos agentes de transformação social nos tenha levado a uma confiança residual nos agentes de controle. Aqueles que fazem – empreendedores e gestores, públicos e privados – passaram a habitar um espaço de status reduzido em relação aos que vetam e licenciam, que fiscalizam e julgam. A crise de confiança gera uma crise de criação e produção.
Mas não só de pessimismo vivem os comentaristas sociais de nossos tempos. Há também uma nova geração de pensadores – Jerusalem Densas, Dereck Thompson, Eli Dourado, Ezra Klein, Tamara Winter, entre outros – que se encontra em torno de uma “agenda de abundância”. São os apóstolos das soluções de mais.
A premissa por trás da agenda de abundância é que, em vez de restringir e controlar, devemos encontrar maneiras de aproveitar as oportunidades de resolver problemas por meio da ampliação da criação e construção humanas.
Dizemos que queremos salvar o planeta do aquecimento global – mas na prática, políticos e tribunais são basicamente contra a revolução de energias limpas, impedindo e judicializando a construção de novas usinas solares e eólicas, inviabilizando em definitivo a construção de novas usinas nucleares de zero carbono e protestando contra projetos de hidroenergia. Uma agenda de transição energética para produção mais limpa exige um ambiente de negócios que favoreça o investimento estrangeiro, exige uma facilitação do licenciamento para que mais usinas solares e eólicas sejam construídas, exige a construção de um grid elétrico que permita que nossas cidades melhor armazenem energia, exige permitirmos que veículos elétricos e autônomos substituam veículos a combustão tradicionais, exige que alteremos nosso urbanismo em favor de maior sustentabilidade e eficiência.
Dizemos que queremos reduzir desigualdades e eliminar a pobreza. Mas temos uma política de escassez para com o componente que mais compromete a renda dos mais pobres, a moradia. É cada vez mais complicada e morosa a construção de novas casas e projetos de infraestrutura em nossas cidades. De acordo com o Índice do Déficit imobiliário no Brasil, mais de 3 milhões de famílias pagam aluguéis excessivos, e quase 1,5 milhão vive em moradias precárias.
Ou veja o descompasso entre discurso e prática na saúde. Falamos de compromisso com resultados, mas toleramos uma lentidão excessiva entre o que sai do laboratório e o que chega nos hospitais e farmácias. Aliás, não só toleram, como muitas vezes criam regulações que alongam este caminho. Nós vimos a velocidade que o mundo pode impor a soluções concretas durante a pandemia, quando o licenciamento de vacinas e aprovações de pacotes emergenciais foram acelerados por todo o mundo. Por que não temos o mesmo senso de urgência para solucionar a pobreza, a desigualdade ou as externalidades ambientais negativas?
Avançar uma agenda de abundância implica em aumentar a agilidade institucional, reduzindo o excesso de pontos de veto e controle em processos de tomada de decisão, apostando em tecnologias e inovações que possam ajudar a resolver problemas ambientais, sociais e econômicos, em vez de simplesmente limitar o crescimento econômico.
Em suma, a agenda de abundância é uma visão otimista e proativa do futuro, que busca encontrar soluções para os desafios do mundo, em vez de simplesmente limitar o crescimento e o progresso.
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