Mais um marco populacional se aproxima, em um mundo marcado pela fome e a desnutrição
Em 15 de novembro de 2022, a população global deverá ultrapassar os 8 bilhões de pessoas, segundo estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU), um crescimento acelerado e que não é acompanhado, na mesma medida, pela oferta de um dos direitos básicos do cidadão: o acesso à alimentação. O relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo” (SOFI), elaborado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), aponta que cerca de 2,3 bilhões de pessoas passaram por situação de insegurança alimentar moderada ou grave em 2021 e que, um ano antes, em 2020, mais de 3 bilhões de pessoas já não conseguiam pagar por uma dieta saudável – quase 40% da população.
O número de pessoas com pouco acesso a alimentos nutritivos tem mantido uma crescente e, de 2019 para 2020, afetou 112 milhões de pessoas a mais, refletindo os efeitos da inflação e da pandemia de Covid-19 em 2020, em que o índice dos preços dos alimentos atingiu a maior alta em três anos, de 3,1%. No entanto, os reflexos posteriores da pandemia na economia global, acrescido do conflito entre Rússia e Ucrânia e de diversos outros fatores, fez tornar o cenário ainda mais impactante. O índice global de preços atingiu, em março de 2022, o maior patamar em 61 anos, uma alta que chega a superar o período da Segunda Guerra Mundial. O último recorde foi em 1974, com 137 pontos, de acordo com o cálculo da ONU, e no início desse ano chegamos a 145. Se a situação já parecia alarmante até aquele momento, o que dirá nos próximos balanços.
Segundo a ONU, o custo de uma dieta saudável aumentou em 3,3% naquele período, sendo que o valor mais elevado foi encontrado nos países da América Latina e Caribe em 2020, em comparação ao resto do mundo – um índice elevado mais pelo Caribe, cujo valor médio diário por pessoa chegou aos USD 4,23, que pela América do Sul, com USD 3,61. Conhecemos a nossa realidade e temos visto o quanto isso é impactante no nosso dia a dia, com cada vez mais pessoas migrando para essa estatística, sem poder ofertar a mesma qualidade de alimentos para sua família. Mas se olharmos para a África, isso fica ainda mais surpreendente. Mesmo tendo um custo geral relativamente menor, 79,9% da população não pode pagar por uma alimentação nutritiva. Ao puxarmos “na lupa”, vemos o Malawi, com 96,6% da população nessa situação. Aqui, estamos em 21% e em países da América do Norte e Europa, apenas 1,9%.
Esta é uma realidade com a qual não podemos nos acostumar. Todos sabemos a importância de uma alimentação adequada para a saúde e o bem-estar, e mais que isso, para os primeiros mil dias de vida. Crianças bem nutridas nos primeiros anos têm 33% mais chances de escapar do círculo vicioso da pobreza quando crescem, e se isso não acontece, pode ainda haver consequências irreversíveis para seu desenvolvimento. Elas, que são o nosso futuro, estão sofrendo fortemente esse impacto. Tivemos 45 milhões de crianças com menos de 5 anos em fase aguda de desnutrição em 2021, a forma mais severa e que aumenta o risco de morte em até 12 vezes. Além disso, 149 milhões de crianças com menos de 5 anos tiveram atraso no crescimento e desenvolvimento devido à falta crônica de nutrientes essenciais, enquanto 39 milhões estavam acima do peso.
A data limite para a mudança da situação de insegurança alimentar era 2030, daqui a oito anos, mas chegamos a 2022 com bilhões de pessoas sem comer ou comendo mal, com projeção de piora até o final desta década. Para a ONU, esse rápido crescimento populacional que estamos acompanhando torna mais difícil combater a fome e a desnutrição, e é por isso que representantes de órgãos ligados à alimentação global afirmam que a segurança alimentar importa agora mais do que nunca. Este foi um dos temas centrais durante o Fórum Econômico Mundial, que participei em maio, tendo um chamado claro: precisamos parar de discutir, temos que agir. Quem tem fome, não pode esperar, e quem está sofrendo os efeitos da má alimentação, também não pode seguir como está.
O Dia Mundial da Alimentação deste ano, comemorado no último 16 de outubro, teve como tema: Não deixe ninguém para trás. A FAO complementa ainda essa problemática, ao afirmar que “o acesso e a disponibilidade de alimentos nutritivos estão cada vez mais impedidos pelos atuais desafios globais” e que soluções são necessárias no mundo todo, começando agora. “Ao buscar uma melhor produção, melhor nutrição, um ambiente melhor e uma vida melhor, podemos transformar os sistemas agroalimentares”, diz o órgão.
Um caminho é reforçar as parcerias público-privadas, com soluções que geram resultados imediatos e também a médio e longo prazos, unindo forças que podem fazer a diferença. Há muitos anos trabalhando com o fortalecimento de parcerias globais, pude observar quantos milhões de pessoas foram impactadas por ações que trabalham desde a correta produção e distribuição de alimentos, até programas de fortificação para os mais vulneráveis.
Sabemos que esses são temas muito complexos, mas temos muitos atores nessa cadeia e todos devem estar nos planos. O investimento nos pequenos agricultores, por exemplo, para que eles otimizem a produtividade, tenham acesso a melhores condições de compra de insumos e possam distribuir de maneira mais assertiva seus produtos pode garantir que mais e mais pessoas tenham acesso aos alimentos por eles produzidos. Essa é, inclusive, uma saída apontada pela ONU e que deve ser mais bem tratada em todas as regiões do mundo, tanto pelo poder público, quanto pela iniciativa privada, que pode e deve ajudar nessa missão.
Em conversas com grandes líderes empresariais, vejo bons exemplos nesse sentido. Pessoalmente, posso citar uma iniciativa focada no produtor rural, da qual pude acompanhar a condução e seus impactos no Brasil e no Peru. Ao apoiar pequenos granjeiros, da gestão de seu negócio, à negociação da compra de grãos e abertura de novos mercados, só na fase piloto, houve um incremento de duas vezes a renda média desses trabalhadores rurais, impactando 50 mil pessoas com o acesso a uma proteína barata e que se caracteriza por ser o segundo alimento mais nutritivo do mundo, perdendo só para o leite materno. Além de gerar renda para famílias carentes, a meta é erradicar a desnutrição de 2 milhões de pessoas com nível de desnutrição acima de 30% e de mulheres com nível de anemia acima de 50% em dez anos. Ações com esse resultado, se multiplicadas, imaginem onde podemos chegar.
A fortificação de alimentos também é outra frente que precisa ser ampliada. Isso porque a melhor forma de prevenir a desnutrição de micronutrientes é garantir o consumo de uma dieta balanceada. O arroz, por exemplo, com a adição de micronutrientes pós-colheita para restaurar micronutrientes perdidos durante o processamento e preparação dos alimentos, oferece um veículo promissor para contribuir para preencher essa lacuna.
Não é só comida, não é qualquer comida, é preciso ofertar todos os nutrientes necessários para que o ser humano consiga se desenvolver e viver bem. É possível, há planos nesse sentido, mas precisa ser rápido e precisa ser integrado. Convido a todos a se engajarem nesse tema e ficarem atentos às discussões globais nesse sentido, pois juntas, as bilhões de pessoas que habitam nesta Terra podem fazer muita coisa.
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