Garigatos(as) e o excesso de pessoas negras no Brasil
Toda vez que alguém tecer algum conteúdo ou argumento sobre meritocracia no Brasil, lembrem -se que a analogia mais legítima e honesta intelectualmente a ser citada é a clássica e corriqueira história dos mendigatos(as). Ultimamente estas narrativas perversas tem se aperfeiçoado e se expandido para seguranças, motoristas e até garis. Essa é a prova viva de como a branquitude se organiza em um pacto perverso de autoproteção, o chamado “Pacto Narciso da Branquitude”, conceito elaborado por nossa doutora Cida Bento.
Se estas histórias nunca te incomodaram profundamente é porque provável que você seja uma pessoa branca, cisgênera e heterossexual.
Brancos não podem estar em sistemas de precariedade ou vulnerabilidade social que as estruturas de poder rapidamente alavancam e resgatam a sua humanidade e as alçam ao estrelado e segurança capital. São retirados da Cracolândia como aquelas máquinas de alçar ursinhos de pelúcia aos olhos nus de corpos negros animalizados e exaustos por serem tratados piores que animais de estimação.
Brancos têm um lugar de destaque na estrutura social brasileira que se assemelha ao sistema de castas onde (diferente de preceitos religiosos) a sua cor garante a mobilidade social – e tem todo uma sistema muito sofisticado para que isso aconteça. Tudo esta aparelhado: a grande mídia, o poder e a sociedade.
A “invenção do branco pobre”, concebido pelos brancos acríticos brasileiros, é uma reposta reacionária a luta do movimento negro ante a conquista do acesso (ainda reprimido) à universidade pública mediante a política de cotas, na perversa e clássica: “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Como cita a professora Lia Vainer Schucman “existem registros da mídia impressa brasileira com as primeiras aparições do branco pobre”.
Essa articulação não é uma exclusividade da branquitude brasileira e é recorrente na história do mundo. Essa estratégia também é parte da história do feminismo branco norte-americano que, como algumas pensadoras negras americanas defendem, nascem da reposta ao acesso de homens negros ao voto.
Qual a justificativa de assistirmos todos apáticos a estes espetáculos midiáticos da exaltação de pessoas brancas exercendo profissões historicamente destinadas aos corpos racializados? Por que seguranças brancos ganham contratos instantâneos de modelo? Como programas de TV pagam procedimentos de recuperação de pessoas brancas envolvidas com droga? Oferecem emprego, encontram pares afetivos enquanto chacinas de corpos negros se materializam nos mesmos programas separados apenas por um intervalo comercial. Comerciais onde pessoas brancas fazem propagandas e margarina no país mais negro do mundo depois da Nigéria.
Um dos maiores símbolos da problemática ideia de meritocracia brasileira, o Roberto Justos, entrevistou o “mendigato” em seu programa. Você já se perguntou o porquê?
A única justifica plausível de um país construído pelo racismo como o Brasil, que teve como proposta política um projeto eugenista de sociedade, ainda continuar discriminando a sua real identidade é que país acredita que ainda possui um excesso de pessoas negras. E, digo mais, esse mesmo país construiria propostas dignas de ressocialização caso os cárceres fossem preenchidos de pessoas brancas.
Você, que está lendo este texto até aqui, imaginaria que existiria um debate tensionado como temos a respeito da garantia alimentar de metade do Brasil, se esta mesma metade fosse loira, de cabelos lisos e olhos claros? Logo este país que hoje é o segundo, e que se tornara em breve (2025) o maior produtor de alimentos do mundo?
Se o Movimento Sem Terra fosse composto por descendente de alemães, quais seriam a suas perspectivas? Os descendentes de uma cultura que criou o nazismo só não têm movimento de luta por moradia e terra porque os mesmos direitos foram oferecidos em um programa internacional de embranquecimento de uma população negra que esse país já considerava excessiva desde sempre.
Eu pergunto: até quando?
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