OPINIÃO
Entre o digital e o real: como a proibição do deep fake e da Inteligência Artificial redefiniu as estratégias eleitorais
A proibição do uso de deepfakes e inteligência artificial (IA) nas eleições de 2024 pelo TSE trouxe um desafio importante para a dinâmica das campanhas políticas no Brasil. Agora que o primeiro turno já passou, o segundo se aproxima e revela como essa mudança impactou a narrativa política, especialmente na forma de se conectar com os eleitores. Nesse contexto, duas realidades se desenham e abrem espaço para um debate sobre a necessidade de criar abordagens autênticas e adaptáveis, que falem com diferentes públicos de forma consistente e verdadeira.
A grande massa votante brasileira é composta de eleitores conectados, mas com baixo nível educacional: 23% do eleitorado possui ensino fundamental incompleto e 17% o ensino médio incompleto, somando 40% do total. Há também desinteresse crescente pelo voto, fenômeno classificado pelos especialistas como alienação eleitoral, quando o cidadão deixa de comparecer às urnas ou votar branco e nulo. Soma-se a isso uma não identificação dos brasileiros pela política, visto que uma pesquisa recente mostrou que 40% não se identificam nem com a direita nem com a esquerda.
Diante desse cenário, o eleitor brasileiro tem buscado, em geral, informações rápidas, fáceis e palatáveis, o mesmo comportamento de consumo que têm ao escolher marcas e produtos no seu dia-a-dia. Não há uma busca aprofundada e sim uma necessidade de simplificação. Isso faz com que discursos fáceis e mensagens curtas ganhem espaço e isso deve permanecer neste segundo turno, promovendo um consumo sem grande senso crítico ou análise, mas que “resolve” a questão de tomada de decisão mais rápida e com menos gasto de energia e tempo da parte deste eleitor-consumidor.
Paralelamente, há a presença de uma geração nativa digital que, mesmo com uma relação mais superficial com conteúdo, demonstra ser mais investigativa e ativa nas redes sociais. Eles têm olhos atentos às narrativas dos candidatos, e, embora possam se deixar seduzir pelo consumo rápido e instantâneo de informação, não deixam de avaliar criticamente as histórias que lhes são contadas. Jovens adultos entre 18 e 24 anos representam cerca de 20 milhões de pessoas, segundo dados do TSE.
Essa dualidade de perfis eleitorais impõe aos candidatos um desafio crucial: como criar uma narrativa que fale com esses dois públicos ao mesmo tempo? A estratégia clássica de “humanizar” o político, de torná-lo próximo ao eleitor e “falar a língua do povo”, não é novidade. Mas, neste cenário, ganha uma nova roupagem. Candidatos não precisam apenas parecer genuínos; precisam ser críveis. E crível, hoje, significa expor vulnerabilidades reais: dores do passado, preocupações com o presente e dúvidas sobre o futuro. A abertura sincera de suas experiências pode construir uma ponte emocional e ganhar a confiança do eleitorado — especialmente daqueles que anseiam por figuras públicas que tragam uma narrativa verdadeira.
Nesse sentido, as redes sociais e ambientes como podcasts e lives têm desempenhado um papel-chave. Eles oferecem oportunidades para que candidatos se aprofundem em discussões. Toda participação nesses espaços digitais fica registrada e pode ser reutilizada, fora de contexto. Não é necessário deepfake ou IA para manipular uma fala: uma edição bem-feita, um corte fora de contexto, pode ter um impacto tão poderoso quanto a manipulação digital mais sofisticada.
Para além do segundo turno deste ano, o que se desenha é um novo caminho para o storytelling político: um caminho que busca a transparência, a verdade, mas que também enfrenta as armadilhas de um ambiente digital propício à manipulação. Uma vez que os mecanismos tecnológicos outrora usados foram barrados, surge a necessidade de criar histórias que brilhem por sua autenticidade e capacidade de ressoar com os diferentes contextos e públicos. Afinal, se as ferramentas mudam, a essência do jogo é a mesma: conquistar a narrativa é conquistar votos. E, nesse cenário onde a proibição do deepfake e da IA traz novos desafios, os candidatos precisam encontrar meios de construir histórias que se mantenham firmes diante de uma população desconfiada e polarizada.
Como essas novas táticas irão se traduzir em votos e confiança no segundo turno ainda é uma pergunta aberta, mas uma coisa é certa: a narrativa precisa ser mais forte que o ruído. E, ao mesmo tempo, precisa ser capaz de sobreviver ao teste do tempo, da verdade e do escrutínio de uma sociedade que, embora diversa em seus hábitos de consumo de informação, anseia por algo que seja, acima de tudo, verdadeiro, relevante e que promova mudanças.
Fórum CNN
Os artigos publicados pelo Fórum CNN buscam estimular o debate, a reflexão e dar luz a visões sobre os principais desafios, problemas e soluções enfrentados pelo Brasil e por outros países do mundo.
Os textos publicados no Fórum CNN não refletem, necessariamente, a opinião da CNN.