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    • Marcelo Ramos
      Marcelo Ramos

      Marcelo Ramos é advogado, consultor e ex-deputado federal. Foi vice-presidente e presidente, em exercício, da Câmara dos Deputados e do Congresso Nacional.

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    Energia no Brasil: quando os ricos passam sem pagar

    Dia desses um amigo relatou que, em viagem a um país nórdico, percebeu que no metrô, ao lado das catracas de controle de acesso, havia uma cancela livre por onde as pessoas podiam passar sem pagar.

    O inusitado, para ele, é que as filas eram enormes nas catracas, mas ninguém passava pela cancela livre.

    Surpreso, perguntou ao seu acompanhante nativo o porquê daquela cancela livre e por que, curiosamente, ninguém passava.

    A resposta foi imediata. E veio acompanhada de uma indagação. Aquela cancela existia para o simples caso de alguém esquecer o cartão ou mesmo para alguém que não tivesse o valor necessário para pagar. Ele concluiu questionando a razão de alguém, podendo pagar, passar sem pagar.

    Ao ouvir o relato, fiquei a imaginar o que aconteceria com a implantação de um sistema idêntico no metrô de uma cidade do Brasil.

    Emendamos a conversa falando sobre o sistema energético brasileiro e suas inconsistências e concluímos que, por aqui, quando se trata de energia, os mais ricos criam cancelas livres para os seus setores. Já os pobres ficam na fila, esperando para pagar na catraca.

    E mais. No setor elétrico, a ousadia e a injustiça, por vezes, tomam versões inimagináveis, quando setores pretendem receber valores dos que esperam na fila da catraca para passar faceiros na cancela liberada.

    Vejamos o que aconteceu no projeto de lei das eólicas offshore (PL 11.247/2018), aprovado pela Câmara dos Deputados e deturpado por jabutis que desnaturaram em absoluto a acertada e meritória agenda das eólicas offshores – claro, sem qualquer discussão prévia desses quelônios.

    Sem qualquer pertinência temática, incluiu-se: 1) a obrigação da contratação compulsória de térmicas a gás inflexíveis “a preços que se encaixam” (R$ 155 bi); 2) a postergação do prazo para renováveis entrarem em operação com subsídios (R$ 113 bi); 3) a postergação do prazo para micro e minigeração distribuída entrarem em operação com subsídio (R$ 101 bi); 4) a contratação compulsória de Pequenas Centrais Hidrelétricas (R$ 140 bi); 5) a extensão dos contratos do Proinfra (R$ 24 bi); 6) a construção de plantas de hidrogênio (R$ 28 bi); 7) a manutenção da operação de térmicas a carvão nacional (R$ 92 bi); e, por fim, 8) a contratação compulsória de eólicas no Sul (R$ 5 bi).

    Assim, alguém monta um negócio e outro é obrigado a contratá-lo, mesmo que não precise e nem mesmo use.

    A questão é: quem paga a conta? E a resposta é angustiante: quem paga é o usuário cativo da energia, aquele cidadão que não pode pagar por um sistema de geração solar distribuída ou qualquer outra “cancela livre” e aquele empresário que depende de energia para o seu negócio.

    Mas não estamos falando de um impacto qualquer, estamos falando de uma conta de luz que, só com os jabutis inseridos no PL 11.347/2018, custará aproximadamente R$ 25 bilhões por ano até 2050, totalizando R$ 658 bilhões. Em valores atuais, são R$ 287 bilhões, representando um aumento de 11% na fatura de energia – ou seja, inflação com aumento de desigualdade.

    Às vezes é importante traduzir certas coisas de forma simplória para que ela fique mais compreensiva.

    Se você paga uma conta de energia de R$ 1.000, pagará 1.110 até 2050. Esses R$ 110/mês, ou R$ 35.640 até 2050 em valores atuais, você pagará para financiar o negócio de um empresário que vende energia a gás, a carvão, eólica ou solar.

    Ou seja, você, cidadão assalariado ou empresário de setores sem subsídios, ficará na fila da catraca e, além do seu bilhete, ainda dará uma mesada para alguém muito mais rico que você e que passará na cancela liberada.

    São exemplos como esse que ressaltam a importância da aprovação do Projeto de Lei 3412/21, de minha autoria, que cria a Política Nacional de Responsabilidade Econômica, a fim de proteger as atividades empresariais na eventual imposição de custos e despesas pelo poder público.

    Os jabutis inseridos no PL 11.347/2018 criam uma política de Robin Hood às avessas onde os mais pobres financiam os mais ricos, promovendo injustiça e aprofundando as desigualdades sociais no nosso país.

    Na mesma linha é o que ocorre com a chamada abertura de mercado de energia, mercado livre ou portabilidade da conta de luz, que permite que o consumidor migre do ambiente regulado e passe a adquirir a sua energia com qualquer gerador ou comercializador. E nesse sentido, cito a recente, corajosa e, sobretudo, acertada fala do Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, ao comentar sobre as distorções entre o mercado livre e o regulado “Nós seremos extremamente rigorosos em proteger principalmente os consumidores cativos, a população mais pobre do País”.

    O problema da cancela livre é que ela está sendo usada em benefício de quem pode para penalizar a quem não pode e é obrigado, diariamente, a passar na roleta.
    A transição energética e as soluções da economia precisam servir ao Brasil para a tão desejada prosperidade com redução das desigualdades sociais. Caso contrário, continuaremos como a promessa do futuro.

    Quem fica na fila e paga o bilhete não pode ser obrigado a financiar o “esperto” que, autorizado por lei, passa na cancela aberta ao prejuízo daqueles que, verdadeiramente, não podem pagar.

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