Economia circular, rastreabilidade e o papel dos grandes eventos
A pauta de sustentabilidade já não é a mesma de 20 anos atrás. Nessa trajetória, avançamos pouco, muito?
A resposta depende do ponto de vista e da realidade de cada sociedade. Uma coisa, no entanto, é consenso: ainda precisamos e podemos fazer mais. Por exemplo, na coleta seletiva. O Brasil tem leis municipais que determinam a coleta, mas, as ações são ainda díspares e pulverizadas aqui e ali. É hora de irmos além: dados. Ou seja, precisamos de informação qualitativa.
Hoje, o debate é pela transparência. A coleta seletiva deveria ser praticada e fiscalizada. A provocação atual é pela rastreabilidade de todo o processo. Desde o descarte ao transporte, ao manuseio dos materiais até a devolução para as indústrias. Ela é a ferramenta propulsora da governança e da circularidade da economia.
A nova bandeira é a da logística reversa com rastreabilidade. Esta pode ser aplicada às pilhas, produtos eletroeletrônicos e seus componentes, baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; além de plásticos, metais, papel e vidro.
Todos eles podem passar por processo de captura, pós-consumo e retornar à (re) industrialização. Aliás, eles podem ser pensados e manufaturados com a consciência da funcionalidade para usos posteriores, aumentando o tempo de vida útil na mão do consumidor.
Independentemente dos governos, as empresas –de todos os tamanhos– podem ficar responsáveis pela articulação, tendo como parceiros ativos associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis, seguindo as orientações e regulamentações públicas de limpeza urbana.
De modo prático, o desafio não é pequeno. Mas, também não é impossível e há inúmeros casos sendo aplicados tanto na iniciativa privada, como na pública. Por exemplo, ano passado, um dos maiores eventos de música e entretenimento –o Rock in Rio Brasil 2022– fez uma grande operação de sustentabilidade com rastreamento do material reciclável. No total, foram recolhidas mais de 250 toneladas de resíduos potencialmente recicláveis, equivalente a mais de 40 caminhões.
Mais recentemente, as prefeituras de Recife e São Paulo realizaram seus carnavais de rua adotando a coleta seletiva com rastreabilidade. Tomando como parâmetro o potencial de geração de recicláveis em grandes eventos a atuação na capital pernambucana, revelou que 21,4% dos metais e 4,18% dos plásticos foram recuperados. Essa mesma festa teve o envolvimento de 237 catadores autônomos e 81 cooperados. Já na capital paulista, foram rastreados e recuperados 2,58% dos metais e 0,5% de plástico. A ação contou com a participação de 415 catadores, sendo 258 autônomos e 157 cooperados.
Através de um exercício de equação e estatística do manuseio dos resíduos gerados em eventos populacionais como estes, é possível apurar o total dos materiais recuperados e fazer um cálculo de quanto se economizaria em MWh de energia, m³ de água, árvores salvas, redução das emissões de gases de efeito estufa (CO2e) e transferência de renda para as pessoas que estão na linha de pobreza com a destinação apropriada dos resíduos.
Desta maneira, os grandes eventos têm um papel central na política ESG e na economia circular pela transferência de renda para os catadores, valorização dos recicláveis coletados, transparência de todos os envolvidos na operação e destinação dos resíduos. E por que não também em partidas de futebol nos estádios?
Medir e rastrear os resíduos descartados possibilitam métricas que vão permitir a transparência. Com isso em mãos, com essa rastreabilidade documental, os produtos ganham valor e assim aumentam a renda dos catadores, atendendo ainda mais as exigências de sustentabilidade das marcas. Ainda com a transparência do negócio podemos combater, com mais eficiência, ao greenwash.
Sendo assim, a economia circular aparece como uma forma alternativa ao modelo tradicional que consiste em produção, consumo e descarte e substitui para uma nova concepção de produto (inovabilidade), compartilhamento, manutenção, reutilização, remanufatura e reciclagem dos materiais. E para que esse ciclo se feche é necessária a logística reversa, com apoio da tecnologia (rastreabilidade).
Os benefícios sociais, ambientais e econômicos são altamente significativos – e porque não dizer revolucionários –, tomando por base que ainda estamos engatinhando nessa engenharia. Fato é, que a qualidade de dados promove ganhos às empresas, ao ambiente, enfim, à sociedade, como um todo.
Lixo é matéria prima fora de lugar.
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