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      Jaqueline Ferreira Gerente de Portfólio do Instituto Escolhas

      Jaqueline Ferreira trabalha com projetos sobre Bioeconomia e Sistemas Alimentares. Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre e doutora em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

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    Crise climática e o setor de alimentos: qual a parte do Brasil nesse debate?

    O Brasil está entre os 134 países signatários de declaração inédita apresentada na COP28 sobre adoção de políticas e financiamento para a transformação e adaptação dos sistemas alimentares. Fonte de um terço das emissões globais de gases de feito estufa, segundo as Nações Unidas, os sistemas alimentares foram tratados de forma secundária nas edições anteriores da COP voltadas para os combustíveis fósseis.

    Igualmente importante, os sistemas alimentares são, ao mesmo tempo, vilão e vítima da crise climática. De um lado, os processos de produção de alimentos são fonte de emissão de gases de efeito estufa, degradação e perda de biodiversidade e desperdício de alimentos. De outro lado, são também altamente vulneráveis aos efeitos da crise climática. Secas, inundações, alterações drásticas da temperatura impactam diretamente a produção de alimentos.

    Qual a parte do Brasil nesse debate? Há muito a fazer para reduzir as emissões do setor. O desmatamento, que tem como sua principal causa a expansão da agropecuária, é a principal fonte de emissão do país. O país também pode contribuir de forma relevante com os esforços globais de combate à fome. Em um passado recente, já demonstramos ser possível alcançar tal objetivo internamente, o qual precisa ser novamente perseguido hoje. De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar, 33 milhões de brasileiros não tinham o que comer em 2022.

    O combate à fome, ao lado do combate à pobreza, à desigualdade e da promoção do desenvolvimento sustentável foram colocados como prioridades da agenda interna e externa do presidente Lula. Em seu discurso de abertura da COP 28, o presidente afirmou que, para os mais vulneráveis, não existe escolha entre combater a mudança do clima e a pobreza, é preciso investir em ambos.

    Com o tamanho e importância do seu setor agroalimentar, cabe ao Brasil ter metas nacionais ambiciosas – como o desmatamento zero e a promoção da segurança alimentar – de adaptação e transição para sistemas alimentares mais sustentáveis. Para isso, todos os produtores devem ser alvo de políticas diversas em prol da transição: desde pecuaristas, produtores de soja e milho, grandes, médios e pequenos produtores, sendo estes os que mais sofrem com os efeitos da crise climática. É urgente escalar medidas de regulação e incentivo para agricultores promoverem a transição para sistemas produtivos de base ecológica, com diversificação da produção, regeneração e conservação dos ecossistemas e baixa emissão de gases de efeito estufa.

    Nesse contexto, cabe destacar as potenciais contribuições para a mitigação e adaptação aos efeitos da crise do clima de um grupo específico de produtores normalmente invisibilizado: os agricultores urbanos e periurbanos.

    A agricultura urbana pode contribuir significativamente com o desafio de alimentar as pessoas que passam fome nas cidades (82% dos 33 milhões de pessoas que não tinham o que comer no Brasil de 2022) ao proporcionar o aumento da disponibilidade física e acessibilidade financeira a alimentos frescos e saudáveis nos centros urbanos e promover geração de renda para os agricultores – em sua maioria, pequenos produtores.

    O diferencial é que a agricultura urbana pode também fortalecer os mercados locais diante de crises de abastecimento, reduzir o desperdício e os custos de distribuição e comercialização; contribuir para a gestão dos resíduos sólidos orgânicos urbanos, que podem ser utilizados no processo produtivo; e conservar e aumentar as áreas verdes urbanas, que são essenciais para a mitigação dos efeitos da crise climática – por exemplo, ao diminuir a temperatura local e aumentar a capacidade de absorção de água pelo solo. Trata-se de uma atividade econômica que responde a diferentes desafios.

    Em setembro, o Governo Federal lançou o Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana, cujas ações estão sendo desenhadas por um grupo de trabalho interministerial. Para contribuir com esse esforço, o Instituto Escolhas acaba de publicar o estudo “Como o governo federal pode apoiar os municípios no fomento a produção local de alimentos?”,  que traz recomendações para um apoio federal efetivo às estratégias municipais de fomento à agricultura, uma vez que os municípios são a unidade administrativa mais próxima do território onde a agricultura urbana ocorre e onde se realiza a gestão do recurso mais importante para a atividade: a terra.

    O estudo recomenda ao Governo Federal a criação de um pacto nacional em favor da agenda que envolva todos os níveis de governos, instituições públicas, privadas e sociedade civil em prol do fomento agricultura urbana, além de disponibilizar recursos e orientar os municípios. Essas recomendações vieram da análise de programas municipais voltados para a agricultura das cidades de Curitiba, Recife e Rio de Janeiro.

    A pesquisa também mapeou a agricultura existente e seu potencial de expansão nessas cidades, identificando áreas ociosas, subutilizadas que poderiam ter a capacidade de produção de alimentos: 1.506 hectares em Curitiba, 404 hectares no Recife e 842 hectares no Rio de Janeiro.

    Se apenas 5% desses espaços fossem utilizados para aumentar a produção de alimentos, Curitiba conseguiria produzir 4.859 toneladas de alimentos e abastecer 137 mil pessoas por ano. Recife produziria 1.303 toneladas e abasteceria 63 mil pessoas por ano, o Rio de Janeiro produziria 2.718 toneladas e atenderia 93 mil pessoas por ano.

    O plano Brasil sem Fome lançado recentemente pelo Governo Federal estabeleceu o objetivo de tirar o país do mapa da fome até 2030. Temos sete anos para isso. Se assumíssemos a meta, nessas três cidades de implantar novas unidades de produção de alimentos nesses 5% de espaços potenciais, para obter os benefícios citados, o investimento anual necessário para tanto até 2030 seria de R$ 2.7 milhões em Curitiba, 745 mil em Recife e 1.5 milhão no Rio de Janeiro. Ou seja, é possível fomentar a agricultura urbana e contribuir significativamente para o combate à fome e a resiliência climática das cidades.

    As ações que o Brasil desenhará para alcançar o compromisso assumido na COP28 de promover a transformação e adaptação dos sistemas alimentares deve, portanto, incluir a produção de alimentos dentro e ao redor das cidades.

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