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      Adrianno Lorenzon - diretor de Gás Natural da Abrace

      Adrianno Lorenzon é formado em engenharia elétrica pela Universidade Federal do Espirito Santo, pós-graduado em gestão de energia pela COPPEAD/UFRJ e tem especialização em regulação de gás natural na Florence School of Regulation.

      Atuou durante dez anos na aquisição e gestão de insumos energéticos em mineradora de grande porte.

      Desde 2017 na Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (ABRACE), onde atua como diretor de gás natural, representando os interesses dos consumidores industriais de energia nas esferas federal e estadual.

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    Barrados no baile do mercado de gás e pagando a conta

    O ‘Novo Mercado de Gás’ começou? Inauguramos o mercado de gás natural em 2022. Pelas informações divulgadas pela Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP) e contabilizadas pela Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres foram firmados, no decorrer desse ano, 22 contratos de comercialização de gás entre 11 produtores alternativos e as distribuidoras. Ainda, segundo último relatório do Comitê de Monitoramento da Abertura do Mercado de Gás Natural (CMGN) havia, entre março e maio, 25 contratos com consumidores livres.

    Apesar da euforia, esses contratos que trazem a tão esperada diversificação da oferta, representam apenas 8% da oferta total. E do ponto de vista da demanda não é diferente. O mercado livre representa apenas 9,6% de todo o gás comercializado. Ainda, dentre este montante, não é possível distinguir, pelas informações disponibilizadas, quais desses consumidores livres são termelétricos e quais são industriais. Informações divulgadas pela mídia setorial apontam para a existência de somente dois usuários livres industriais em 2022.

    Então, qual a dificuldade para os consumidores livres industriais? Pela experiência com os associados da Abrace, não há falta de interesse dos consumidores em desbravar o livre mercado. Confronta-se, porém, com barreiras que tolhem o aumento da migração.

    É preciso, primeiramente, observar que nem todo o sistema de transporte está acessível em base firme. O sistema sudeste, operado pela NTS, ainda está congestionado. Ou seja, toda capacidade firme está contratada pela Petrobras. De acordo com notícias veiculadas recentemente, esse nó deve ser desatado nas próximas semanas. A expectativa é grande, já que todo o mercado aguarda a oferta de capacidade pelo transportador há pelo menos dois anos.

    Em segundo lugar, há forte concentração na oferta. A Petrobras, considerando produção própria, aquisição de terceiros, importação da Bolívia e GNL, ainda detém cerca de 85% da oferta na malha integrada. Além disso, o gás disponível dos produtores alternativos (ex-Petrobras) já foram, em boa parte, contratados em longo prazo pelas distribuidoras. A mudança deste cenário depende da decisão de investimento de produtores, que podem escolher não assumir os riscos de trazer o gás diretamente para o mercado, por não ter condições de competir em igualdade de condições com o incumbente.

    Além disso, as regulações estaduais não ajudam. Via de regra, dificultam a saída do consumidor do mercado cativo e oneram a comercialização por esses supridores independentes. Pelas notícias veiculadas na mídia não houve ainda sequer uma migração de consumidor industrial cativo para o ambiente livre fora do portfólio da Petrobras. Dentre os principais problemas, elenca-se: inexistência de modelo contratual da distribuidora com consumidor livre, inflexibilidade para efetuar migração a qualquer tempo, imposição de múltiplas penalidades e opacidade da tarifa que o consumidor pagaria no mercado livre.

    Temos uma única certeza: estamos bancando a festa! Como citado, poucas indústrias foram “convidadas para o baile”, apesar de permanecerem de fora, é o segmento que paga a conta. Explica-se. Há uma diferença relevante na formação do custo final do gás para as indústrias em relação às térmicas.

    Como pode ser observado no gráfico abaixo, o preço do gás vendido às térmicas é mais baixo do que o vendido às indústrias. Essa diferença de preço se acentuou em 2022, que indica que a flexibilidade requerida pelas térmicas está sendo precificada às avessas. Ou melhor, parece haver subsídio do mercado firme ao mercado térmico, flexível, na precificação da molécula. O preço é livremente negociado, mas os números incomodam por serem contraintuitivos.

    Na distribuição há também uma clara distorção do custo de atendimento às indústrias e térmicas. Observemos, como exemplo, três Estados relevantes: SP, RJ e BA. Em média, a tarifa de distribuição para uma indústria que consome 1 milhão m³/dia é 4 vezes maior que uma termelétrica com o mesmo consumo.

    Mas os subsídios vão além do setor térmico. Com o intuito de capturar novos mercados as distribuidoras alteram sua estrutura tarifária, privilegiando determinados segmentos de menor consumo em detrimento do industrial que permanece na base, garantindo a sustentabilidade de toda cadeia. A expansão para atender novos mercado não observa a razoabilidade econômica. O resultado é que, ao longo do tempo, o aumento da rede e de clientes não gera ganhos de escala como era de se esperar de um monopólio natural. Dessa forma, a busca artificial por novos mercados, buscando a universalização do serviço canalizado de gás, ou a concessão de privilégio para segmentos específicos, pode matar o alicerce do mercado de gás brasileiro: a indústria.

    Esse castelo de cartas se torna ainda mais frágil em um cenário de descarbonização, onde o custo final do gás (e sua emissão) se torna pouco competitivo frente a fontes alternativas, como a biomassa e a energia elétrica de fonte renovável.

    E a descarbonização? Pode-se argumentar que a abertura é gradual e leva tempo, vide à experiência de outros países. Mas é imprescindível questionarmos se teremos esse tempo disponível. A descarbonização bate à porta das indústrias. Muitas têm que tomar decisões importantes de investimentos hoje para cumprir as metas de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) para os próximos 20 anos.

    Estas decisões levam em conta a economicidade das alternativas para reduzir as emissões. Pelos custos de hoje, o gás natural é pouco competitivo na relação custo x emissão com seus concorrentes nos processos industriais. Dessa forma, o gás natural pode ser o energético escolhido para ser substituído e iniciar a redução de emissão de GEE. Ou seja, se o gás for competitivo, ele é o último da fila a ser substituído, mas no cenário atual, ele está no início.  Eletrificação, biogás e biomassa já vêm sendo usados para este fim.  Hidrogênio verde pode ser uma alternativa. Consumidores industriais imbuídos da necessidade de redução de emissão reduziriam o consumo de gás natural. Se o ambiente em que o gás natural está inserido não for propício à competitividade, a base do consumo firme – a indústria brasileira – pode minguar. O castelo de cartas, então, desmoronará.

    E como fica a nova lei do gás, aprovada em 2021, tão defendida pelo mercado e alardeada como a solução para todos os nossos problemas?  Mantenho a defesa do texto aprovado. Foi um grande avanço, que iniciou, já neste ano, mudanças concretas citadas anteriormente.

    Mas a lei por si só não traz as transformações estruturais almejadas. É necessário a implementação de suas diretrizes. A ANP deve estabelecer as regulações para garantir o acesso não discriminatório às infraestruturas e avaliar medidas de desconcentração de mercado, fomentando a competição, a liquidez e, consequentemente, o sinal econômico correto para o preço do gás.

    Além disso, as regulações estaduais devem ser estabelecidas de forma a facilitar a migração do mercado cativo ao livre, mantendo a isonomia entre estes ambientes. Hoje, preponderam-se as barreiras.

    O tempo é curto. Nos próximos meses serão tomadas decisões de investimentos de produtores para aumentar a oferta de gás (ou reinjetá-lo). Se os consumidores não entrarem na festa vão desistir de bancá-la, optando por outras soluções para chegar à emissão zero de carbono.

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