Após um ano de uma guerra sangrenta, a Ucrânia precisa do apoio do Brasil para pôr fim à catástrofe global
Há exatamente um ano, ocorria a brutal e não provocada invasão total da Rússia à minha pátria, a Ucrânia. Ao longo dos últimos 365 dias, as forças russas torturaram, violaram e assassinaram milhares de compatriotas ucranianos. Bombardearam inúmeras cidades, reduzindo muitas delas a escombros. Alvejaram deliberadamente as infra-estruturas civis da Ucrânia, deixando milhões sem aquecimento, eletricidade e água durante um inverno gelado. Hospitais, escolas e igrejas foram destruídos. Mais de um terço da população foi forçada a fugir de suas casas.
Ao longo desta guerra, a Rússia violou repetidamente a lei do conflito armado. Uma das violações mais flagrantes e, talvez a mais aterrorizante para o mundo, é a ocupação russa da central nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa. Nunca na história uma força militar ocupou uma instalação nuclear e agora um desastre iminente ameaça devastar não só a região, assim como todo o planeta.
E o horror do conflito não fica restrito apenas às fronteiras da Ucrânia. A guerra ilegal da Rússia tem repercussões na economia global e empurram centenas de milhões de pessoas para a pobreza.
O Brasil não tem sido poupado à devastação da guerra do presidente Putin, que provocou uma crise alimentar global. O preço de itens essenciais como a farinha, o feijão, o arroz, o óleo e o leite estão mais caros para muitos dos brasileiros. Mais de um terço não tem sequer o suficiente para comer uma refeição por dia, apesar do Brasil estar entre os maiores produtores agrícolas do mundo. Não se enganem, a principal causa disto é a invasão russa da Ucrânia. Não só cortou o abastecimento de cereais da Ucrânia, como também duplicou o custo do fertilizante. Consequentemente, os custos foram repassados à população brasileira. A resposta para a crise é pôr fim à invasão da Rússia.
A propaganda russa dissemina mentiras pelo mundo, justificando a invasão da Ucrânia como um ato de defesa em resposta à agressiva expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) pelo leste europeu. Mas esse argumento russo não resiste nem ao mais simples exame. Vamos direto aos fatos. Após o desmembramento da União Soviética, a Ucrânia tornou-se independente novamente e, em 1994, renunciou voluntariamente ao terceiro maior arsenal nuclear do mundo em troca de garantias de segurança por parte dos EUA, do Reino Unido e da própria Rússia. Estas garantias foram estabelecidas no Memorando de Budapeste e todas as partes prometeram respeitar a independência e soberania da Ucrânia dentro das fronteiras existentes; abster-se da ameaça ou do uso da força contra a Ucrânia; abster-se da coerção econômica destinada a subordinar a Ucrânia do exercício dos direitos inerentes à sua soberania; e requisitar uma ação imediata do conselho de segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para prestar assistência ao signatário se este “se tornar vítima de um ato de agressão ou objeto de uma ameaça de agressão em que sejam utilizadas armas nucleares; e abster-se do uso de armas nucleares contra o signatário”.
A estratégia de política externa da Ucrânia segue um status de neutralidade, assim como o Brasil, evitando alianças com qualquer uma das potências mundiais. Em um referendo feito em 2013, apenas 12% da população da Ucrânia demonstrou apoio para o país aderir à OTAN. Mesmo assim, em fevereiro de 2014, a Rússia invadiu a região da Crimeia, que faz parte do território da Ucrânia, iniciando assim uma guerra que perdura até hoje.
A invasão russa traiu a maior parte das promessas que fez no Memorando de Budapeste, e, com as ameaças de ataques nucleares de Putin contra a Ucrânia, pode aumentar ainda mais a lista de crimes cometidos pelo estado russo. A atitude da Rússia fere a Carta das Nações Unidas e ridiculariza o direito internacional.
Mas não é preciso ver a devastação da minha pátria para compreender a traição de Putin. Basta olhar para a companhia que ele mantém, a nova cabala de nações que ele construiu como um “contrapeso” à hegemonia americana: Coreia do Norte, Irã, Síria e Eritreia. Esta é a sua visão de uma ordem mundial alternativa.
Veja os seus dois aliados mais próximos na América Latina. Quem foi o primeiro líder mundial a chamar Daniel Ortega após a sua falsa vitória na Nicarágua no ano passado, quando todas as nações livres a condenaram? Quem apoia Nicolás Maduro, ajudando-o a contornar as sanções petrolíferas da Venezuela?
E por que Moscou ofereceu apoio financeiro a dois países falidos a mais de 11 mil quilômetros de distância, sem recursos de que a Rússia necessite? Basta olhar para as ações de Putin em dezenas de países africanos recentemente, onde os seus mercenários têm estado fortemente implicados em quase todos os golpes de estados, guerras civis e eleições manipuladas durante a última década. O seu súbito interesse na Nicarágua e na Venezuela deve aterrorizar todos os brasileiros: é evidente que ele agora quer começar esse jogo na América Latina.
Agora que completa um ano da invasão russa, o povo ucraniano continua a resistir. Os nossos soldados são na sua maioria civis comuns forçados, por necessidade, a pegar em armas. Mostrando grande bravura, estes soldados amadores derrotaram o exército russo e retomaram as cidades e vilas ucranianas. Mais do que ninguém, os ucranianos querem que esta guerra termine. Mas para alcançar uma paz duradoura e garantir a nossa segurança contra uma futura agressão russa, precisamos da ajuda da comunidade internacional.
O apoio diplomático é tão importante como a ajuda no campo de batalha, para fazer com que a Rússia respeite o direito internacional e garantir a soberania da Ucrânia nos próximos anos. O Brasil, no seu papel de líder na América Latina, pode desempenhar um enorme papel, dando a sua voz e apelando à Rússia para que retire imediatamente as suas tropas da Ucrânia. É por isso que venho ao Brasil em março, como parte de uma delegação da sociedade civil ucraniana, para me encontrar com políticos, acadêmicos, líderes empresariais e ativistas para convocar todos a permanecerem do lado da Ucrânia, nos ajudando a pôr fim à guerra e apaziguar o sofrimento causado.
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