A dualidade em tudo que existe: lições do taoísmo para o mercado financeiro
O ano de 2022 está sendo um período de embates (e olha que nem estou falando da Copa do Mundo). Na guerra na Ucrânia, foi o Ocidente contra o Oriente. Nas eleições, direita x esquerda. Nas discussões climáticas da COP27, países desenvolvidos versus emergentes. E, agora, na economia, discute-se responsabilidade fiscal em oposição à preocupação com o social.
Todas essas categorias são colocadas como contradições intransponíveis, e há pouco, ou nenhum, diálogo sincero entre as partes. A tão falada “polarização” corrobora a ideia de afastamento e de aglutinação dos “iguais” em lados extremos – não gosto dessa palavra.
A dualidade é a noção de que a existência de algo implica na existência do seu oposto. Uma das figuras representativas do Taoísmo e que nos ajuda a compreender esse conceito abstrato é o yin-yang. Ou seja, não existe luz sem sombra, positivo sem negativo, quente sem frio. A contradição não é uma incompatibilidade lógica. A palavra-chave é harmonia – um equilíbrio dinâmico entre contrários complementares.
Quando passamos a olhar para o diferente, não mais como inimigo a ser exterminado, mas como um contraponto que também adiciona, ficamos mais próximos do “tao”. O “caminho” – uma das traduções possíveis do “tao” – é um processo de reconhecimento de virtudes no outro lado. Nada é unicamente bom ou ruim. Nenhum político, política ou lei – nem o mercado. Ao entendermos que a existência é dual por natureza, a polarização perde o sentido.
Em geral, no mercado financeiro, colocam-se em polos opostos as demandas por mais gastos governamentais e a sustentabilidade do endividamento público. Porém, são as duas faces da mesma moeda (ou o yin e o yang do taoísmo). A condução da política fiscal nada mais é que a busca por esse difícil equilíbrio.
O que dificulta a modelagem fiscal é que os parâmetros de gasto são decisões de política pública, de congressistas eleitos pelo povo. E é aí que entra a importância de compreender essa dualidade: a política fiscal é uma prerrogativa constitucional do Congresso.
Está na nossa Constituição Federal, na seção II, o Art. 48., inciso II que deputados e senadores são os responsáveis pelo “plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado”. É a dinâmica de incentivos, interesses e restrições de Brasília que vai determinar se vamos ter taxas maiores ou menores para descontar os valuations. Sem olhar para a política, não há como estimar o principal input dos modelos no mercado financeiro: os juros de longo prazo.
A política fiscal contempla o atendimento das demandas do Congresso em um ambiente de restrição orçamentária. Se pensarmos em termos de “polarização”, o conflito é interminável, e não vamos conseguir traçar os rumos do país nem mesmo dos investimentos. A dualidade nos permite entender que da articulação e do diálogo entre Executivo e Legislativo emerge um novo equilíbrio, que pode ter uma multiplicidade de combinações. É só a partir desse novo “estado de coisas” que saberemos se foi adicionado ou reduzido o “risco fiscal” do sistema como um todo. Não é um julgamento pessoal sobre ser “bom” ou “ruim”. É sempre bom e ruim ao mesmo tempo. É uma questão de compreender o patamar e o impacto dessa resultante sobre a situação atual das expectativas dos agentes.
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