100 anos de Flavio Cavalcanti: um legado eterno para a TV brasileira
Na galeria de imortais da televisão brasileira, acredito que meu pai, Flavio Cavalcanti, esteja entre os mais corajosos e polêmicos, entre os que brilharam pela competência, irreverência e sagacidade. Sua trajetória está gravada na história de diversas emissoras e faz parte da memória de quem teve o privilégio de vê-lo em ação. Quando nos deixou precocemente, aos 63 anos, o SBT, sua última casa, interrompeu a programação durante 24h, em sinal de respeito e admiração. A homenagem partiu de Silvio Santos, com quem tinha uma suposta “rivalidade” que, sabemos, mascarava a mútua admiração.
Nascido em 1923, Flavio Cavalcanti, repórter, colunista e apresentador, coleciona momentos que rendem gargalhadas. No entanto, tudo em sua carreira demonstra determinação e foco para largar a entediante vida de bancário e mergulhar de cabeça na aventura do jornalismo. Essa palavra, “aventura”, define episódios como a entrevista com o Getúlio Vargas, em 1948. Meu pai fez malabarismos e, por fim, invadiu pela janela o quarto de hotel onde estava o ex-presidente. Uma manobra de risco, eu sei, mas assim era “o velho”, um homem apaixonado pelo ofício.
Ao longo da carreira, fosse em bate-papo com o presidente dos Estados Unidos John Kennedy, a quem lembrou de colocar a aliança de casamento antes da entrevista, ou entre os reis Pelé, Roberto Carlos e Chico Anysio, ele dava um jeito de tornar o momento memorável ou engraçado. Era autêntico, defendia aquilo que acreditava e tinha compromisso com seu público.
Foram muitos discos rejeitados e quebrados na mesa do estúdio, críticas ao rock e desaprovação de artistas – e o tiro, muitas vezes, saiu pela culatra, e fez com que a venda deles estourasse. Por outro lado, era um homem sensível, bom e generoso. Ajudava com palavras, roupas, comida ou dinheiro quem encontrasse pela frente. Em diversas oportunidades levou pessoas que precisavam de ajuda para morar conosco.
Para exaltar a memória desta figura que, ao lado de Chacrinha e Silvio Santos, consagrou-se como uma das lendas da mídia brasileira e virou símbolo de uma época, escrevi Senhor TV – A vida com meu pai, Flavio Cavalcanti (Matrix Editora). O livro é o relato do que vi e vivi ao lado dele e tem como missão homenagear a mente brilhante, criativa, batalhadora e controversa que comandou programas de rádio e de televisão entre as décadas de 1950 e 1980. É, como gosto de dizer, uma biografia de filho para pai.
Por todo o legado que ele deixou, seu centenário de vida, celebrado em 2023, é motivo de grande alegria para a televisão, para os telespectadores brasileiros e, especialmente, para mim. Ao herdar seu nome, seus valores, seu amor pela televisão, carreira que também abracei, tive o privilégio de acompanhá-lo na atividade desempenhada com tanto amor: dedicar todo o talento nato a informar, divertir e encantar os brasileiros. Não posso me despedir aqui de outra forma, como dizia papai: “Nossos comerciais, por favor!”.
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