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    Por que o terno branco de Kamala Harris diz muito

    Traje usado durante discurso de aceitação é simbólico

    Oscar Holland, da CNN

    Assim que Kamala Harris subiu ao palco em Wilmington, Delaware, no sábado (7) à noite, as redes sociais lotaram de pessoas falavam de sua roupa. Foi um sinal revelador, para melhor ou pior, do olhar atento do público sobre suas escolhas de vestimentas nos próximos anos.

    No entanto, embora o discurso de aceitação da vice-presidente eleita seja lembrado com certeza (e com razão) pelas palavras de inspiração oferecidas às mulheres nos Estados Unidos e em todo o mundo, o comentário sobre seu guarda-roupa não foi tão trivial quanto pode parecer. Porque, ao invés de desviar a atenção de suas palavras, o terninho branco e a blusa com arco serviram para reforçar sua mensagem de unidade e emancipação.

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    Em uma noite que Harris creditou às mulheres antes dela – “eu me ergo sobre seus ombros”, disse para se referir aos que lutaram pelo direito de voto no início do século 20 e sobre a “nova geração” que exerceu esses direitos semana passada – ela também canalizou o simbolismo delas.

    O branco tem sido associado ao movimento sufragista feminino, adotado como um símbolo de pureza moral ao lado do verde para esperança e roxo para dignidade. Também sinalizou uma mensagem de não violência, com um ramo de oliveira para aqueles ameaçados por seus apelos então radicais por igualdade política.

    Mas a noite de sábado não era apenas sobre as sufragistas. Primeira negra e primeira descendente de indianos eleita vice-presidente, Harris ergueu-se sobre os ombros de Shirley Chisholm, que se vestiu de branco ao se tornar a primeira mulher afro-americana eleita para o Congresso em 1968. Ela se ergueu sobre os ombros de Geraldine Ferraro, que se vestiu toda de branco para aceitar o papel de companheira de chapa de Walter Mondale em sua campanha presidencial de 1984. Sobre os ombros de Hillary Clinton, que usava um terninho branco típico para aceitar a indicação presidencial democrata em 2016.

    A escolha deliberada de roupa de Harris foi um gesto de solidariedade com a longa linha de mulheres que desafiaram as expectativas na política norte-americana. Demonstrou que a vice-presidente eleita não se considera uma exceção à regra, mas sim parte de um contínuo – do lento “arco do universo moral”, como disse o presidente eleito Joe Biden em seu próprio discurso, citando Martin Luther King Jr.

    A camisa com laço também tinha um peso histórico. Evocou o poder de vestir de Margaret Thatcher, que usava o dela da mesma forma que seus colegas homens usavam gravata, uma metáfora adequada para como a ex-primeira-ministra do Reino Unido cooptou e reformulou as regras do clube do bolinha da política britânica dos anos 1980. Mais recentemente, a escolha de Melania Trump pela roupa clássica em momentos muito particulares – ou seja, uma cúpula anti-cyberbullying e um debate presidencial logo após a escandalosa gravação do “Access Hollywood” vir à tona – foram, alguns especularam (ou torceram, talvez), sutis farpas dirigidas à fanfarronice infame de seu marido.

    A vice-presidente eleita estava claramente olhando para além da era Trump, para algo mais universal. Mas sua roupa, aparentemente criada pelo estilista americano Wes Gordon para Carolina Herrera, também falava da história recente de outras maneiras.

    Kamala Harris ao lado do marido, Douglas Emhoff
    Kamala Harris ao lado do marido, Douglas Emhoff
    Foto: Reprodução/Instagram (9.nov.2020)

    As mulheres do Partido Democrata têm usado continuamente o branco em um protesto silencioso contra um presidente que consideram uma ameaça aos seus direitos. Durante a fala de Trump para o Congresso em 2017, um grupo de legisladoras sincronizou suas roupas para aumentar a conscientização sobre as questões das mulheres, incluindo direitos reprodutivos e igualdade de remuneração.

    Fizeram-no novamente em sucessivos discursos do Estado da União, mais recentemente em fevereiro deste ano, com as deputadas marcando um século desde que a 19ª Emenda deu às mulheres o direito de votar nos EUA (embora as mulheres negras tenham enfrentado barreiras de voto por mais décadas). A visão de Nancy Pelosi toda de branco batendo palmas sarcasticamente atrás do presidente um ano antes, enquanto um grande bloco de congressistas vestidas de branco sentava-se diante dele, também vai viver muito na memória. Harris estava sobre esses ombros também.

    Ao assumir o cargo – a vice-presidência – que se vestiu de trajes formais masculinos por mais de 230 anos, as escolhas de guarda-roupa de Harris continuarão a gerar discussão. A atenção pode ser indesejada, mas a falta de precedentes também pode ser libertadora. Ela tem a oportunidade de refazer o papel à sua própria imagem, criando um ponto de referência para as muitas mulheres que, inevitavelmente, seguirão seus passos. Como ela disse à multidão em Delaware: “Eu posso ser a primeira mulher nesta posição, mas certamente não serei a última.”

    Harris já ofereceu algumas fotos de seu lado mais casual, notadamente sua aparente preferência por tênis Converse. Embora seu feed do Instagram seja amplamente preenchido com os terninhos escuros que ela tradicionalmente prefere, um vídeo postado logo depois que a vitória projetada foi anunciada a mostra com roupas esportivas enquanto ela comemora com Biden no telefone (“Conseguimos, Joe!”). Esse tipo de momento de descuido é uma exigência da era da mídia social, mas ofereceu algo renovador e despojado no lugar da formalidade usual.

    Muitas líderes femininas, compreensivelmente, condenaram o questionamento público de suas escolhas de moda. A chanceler alemã, Angela Merkel, se irritou com os dois pesos e duas medidas, denunciando o excesso de textos instigado por roupas aparentemente selecionadas para desviar a atenção. A ex-primeira-ministra britânica Theresa May, por sua vez, passou grande parte de seu cargo de premiê submetida a críticas injustificadas dos tabloides sobre escolhas de moda improvisadas que teriam sido ignoradas se fossem feitas por uma contraparte masculina.

    No entanto, apenas os observadores políticos mais cegos podem negar o poder das roupas, caso os líderes decidam explorá-lo.

    Nos maiores palcos e nos momentos mais cruciais, as mulheres políticas abraçaram o simbolismo implícito – seja Jacinda Ardern adotando um hijab em um ato de união com os muçulmanos na sequência do ataque terrorista de Christchurch ou a deputada Alexandria Ocasio-Cortez usando batom vermelho como “pintura de guerra” ao desafiar um colega deputado por suposto sexismo.

    Na noite de sábado, Harris não apenas mostrou que está ciente desse poder, mas que não tem medo de controlá-lo.

    (Texto traduzido, leia o original em inglês)

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