A vida de quem compra arte para os bilionários
Ter um diploma em história da arte, experiência em casas de leilão e conhecimento sobre onde as obras podem ser encontradas certamente aumenta seu valor
“Eu sempre faço as coisas por impulso”, diz Lisa Schiff com uma honestidade cativante e, creio eu, característica. “Eu nunca sei quanto vamos ganhar a cada mês — cinco dólares ou um milhão!”
Ela trabalha principalmente por comissão. Na carreira acadêmica em arte até os 30 anos, a primeira ambição de Schiff era ser professora de arte. Mas aí, como conta ela, seus pais pararam de sustentá-la e ela teve que encontrar um meio de vida.
Ela é consultora de arte profissional desde 2002 e agora tem sua própria empresa, a SFA Advisory, com sede em Nova York. “É o que eu amo fazer, o dia todo, todo dia”, diz ela. “Você quer fazer parte da história da arte.”
Por telefone, de Nova York, ela ainda está radiante pelas emoções da abertura da noite anterior no novo espaço grandioso da Pace Gallery em Chelsea. “E o The Who tocou!” exclama Schiff.
Depois disso, ela mandou uma mensagem brincalhona para o CEO da Pace, Marc Glimcher, um dos marchands mais experientes e poderosos do mundo, se oferecendo para ser sua consultora de arte.
Então, o quê, exatamente, faz um consultor de arte? Em termos simples, aconselha um colecionador sobre o que comprar e onde encontrar. Ajuda a negociar e dá lances em nome de seus clientes em leilões. Mas, ao mesmo tempo, ajuda a administrar coleções, empréstimos, exposições e patrimônios, apresentando colecionadores a galerias e artistas.
Susannah Pollen, consultora de arte em Londres desde 2004, ainda considera o mundo da arte — mesmo o internacional — relativamente pequeno. Mas se tornou um grande negócio, com vendas de arte globais chegando a estimados US$ 67,4 bilhões em 2018, de acordo com o relatório anual de Clare McAndrew da Arts Economics.
Tecnologia democratizou o acesso
Como aponta o empresário e agora consultor norte-americano Steven Murphy: o acesso à arte se tornou “tão onipresente quanto à música; a internet virou o jogo”. Nos últimos 20 anos, as grandes feiras de arte se multiplicaram. Os chamados grandes negociantes — Gagosian, David Zwirner, Hauser & Wirth e Pace — agora têm galerias espalhadas pelo mundo inteiro. Como resultado, uma “nova espécie” de consultores de arte proliferou. Um consultor de arte sugeriu que pode haver cerca de 100 apenas em Londres.
Schiff diz que quando ela estava começando, quase não havia consultores de arte. Agora, ela encontra novos profissionais todos os dias. De modo interessante, parece que a maioria é de mulheres, incluindo aproximadamente 80% do diretório da Associação de Consultores de Arte Profissionais.
Ter um diploma em história da arte, experiência em casas de leilão e, talvez o mais importante de tudo, conhecimento sobre onde as coisas podem ser encontradas (como quem tem este Picasso ou aquele tríptico de Francis Bacon) certamente aumenta seu valor.
Um momento crucial para o setor aconteceu em 2016: a Sotheby’s adquiriu a Art Agency, Partners, uma pequena consultoria privada de Nova York. A agência tinha sido fundada apenas dois anos antes por Amy Cappellazzo e Allan Schwartzmann, ambos admirados por seu conhecimento e experiência em negócios. A Sotheby’s pagou um preço espantoso — US$ 50 milhões, mais US$ 35 milhões em incentivos por desempenho. A Art Agency, Partners, aparentemente, tinha uma lista de clientes irresistível.
Schiff se lembra de acordar naquela manhã ouvindo a notícia. “C***! Eu quero ser Amy Cappellazzo!”
“Que transação do c***,” diz, exultante na linha. “Então consultores de arte têm valor. Que tremendo aval — US$ 85 milhões!” Ela ligou imediatamente para Cappellazzo para parabenizá-la.
Um serviço particular e sob medida
Murphy, que atuou como CEO da Christie’s entre 2010 e 2015 e agora chefia sua própria consultoria de arte, Murphy & Partners, diz que você deve ser tão criterioso ao escolher um consultor de arte quanto ao escolher “seu consultor de investimentos, advogado, médico ou psicanalista”. Um de seus clientes se refere à agência como seu “terapeuta artístico”.
“O mundo da arte se expandiu e, como qualquer outro empreendimento, por que não ter um guia de confiança para te ajudar?” diz Murphy, arriscando uma metáfora. “Você faria um safári a cavalo em Botswana sem alguém na sua frente que não apenas já conhece o caminho, mas que também ama o lugar?”
“Então é uma selva?”, arrisco. Ele balança a cabeça, concordando sorridente.
Murphy não se deixa envolver em conversas sobre dinheiro. Bem, não muito, de qualquer forma. O serviço “é realmente sob medida” e “os honorários são extremamente variáveis”. Um terço de seus clientes é norte-americano, um terço é europeu e um terço, asiático. O que fica claro é que alguns deles têm dezenas de milhões de dólares para gastar. “Ah, sim,” diz Murphy, “somos abençoados por alguns de nossos clientes estarem colecionando obras-primas.”
Quando o pressiono, ele menciona ter negociado a venda privada de uma paisagem de Monet de US$ 25 milhões para um colecionador asiático. E uma venda rápida de um pequeno retrato de Francis Bacon, por US$ 4 milhões, para outro comprador. No caso do Bacon, o cliente queria vender “muito rápido por motivos pessoais.” A negociação foi concluída em duas semanas.
Os bastidores do mercado
O fato é que raramente temos um vislumbre dos bastidores do mercado de arte. Pollen, que tem dado consultoria em arte há mais tempo que a maioria, diz que é “um setor altamente não regulado”. Ela acredita em mais transparência e em um código de ética.
Pollen faz trabalhos autônomos a partir de sua casa em Notting Hill, Londres, majoritariamente mediante uma taxa anual. Sua clientela atual é seleta — menos de 20, diz ela, negando-se a revelar seus nomes. “A discrição é 100% fundamental”, acrescenta. Mas Pollen ainda consegue transmitir a emoção da caçada — descobrir obras de arte e consegui-las por um bom preço.
Pollen está “sempre a postos” para um pequeno grupo de clientes de longa data; “tem que haver um diálogo; eles precisam amar arte”. E, o que é crítico para ela, “eles têm compromisso real. Eles reagem!”, diz ela, enfaticamente. Uma parte também importante do trabalho, diz ela, é impedir que clientes paguem demais e aconselhá-los sobre “o que não comprar.”
Pollen passou quase 22 anos na Sotheby’s, chegando a diretora sênior da Sotheby’s Europe e chefe de Arte Britânica do século XX. Um destaque do início da carreira foi a venda, em 1990, de “The Crucifixion”, de Stanley Spencer, por 1,3 milhão de libras (US$ 1,6 milhão) — na época um recorde para um artista moderno britânico (embora desde então ele tenha sido eclipsado por Lucian Freud, Francis Bacon e outros).
Como consultora de arte, Pollen deu um lance de 5 milhões de libras (US$ 6,1 milhões) por uma pintura de Peter Doig em leilão para um cliente, mas perdeu o lance por uma margem estreita. Ela não revela o nome da pintura, mas diz, um tanto triste, que agora, provavelmente, vale 25 milhões de libras (US$ 31 milhões).
Pollen está animada com um projeto novo em particular. Ela acaba de ganhar acesso preferencial a uma extraordinária coleção privada de arte britânica dos anos 1930 aos 1950, incluindo obras do pintor inglês Ben Nicholson, da escultora Barbara Hepworth e outros, algumas das quais não são vistas há 80 anos ou mais. Ela estima o valor em 20 milhões de libras (US$ 25 milhões) e aconselhará o cliente sobre como melhor vendê-las — privadamente, através de uma casa de leilões ou doando algumas obras ao Estado em troca de uma redução de impostos.
Jo Baring, ex-diretora da Christie’s, também trabalha de casa em Notting Hill. Ela é consultora autônoma desde 2013 e também tem “poucos clientes de longa data.”
“Eles não querem quem só obedece, querem sua opinião” diz, acrescentando com certa sutileza inglesa: “Colecionadores sérios podem ser um tanto exigentes.”
Adquirindo novos clientes
Algo incomum para uma consultora de arte, Baring se sente à vontade para falar sobre um de seus clientes — um que ela herdou de Pollen.
Ela descreve Chris Ingram, um dos principais colecionadores britânicos de arte moderna e contemporânea britânica, como um homem de negócios sagaz e um colecionador apaixonado e obsessivo. “Ele achava, para começar, que era divertido”, diz ela. “Não se deu conta de que estava nadando com tubarões.”
Ingram admitiu a Baring que se deixou levar dando lances em leilões. Houve uma “caçada apaixonada” pela “Walking Madonna”, uma obra prima em bronze de Elizabeth Frink. Primeiro, ele deu um lance em uma (da tiragem de três esculturas) na Christie’s em 2002, mas não conseguiu; saiu por 182 mil libras. Teve mais sorte na segunda vez, em 2006, mas pagou 377 mil libras, um tanto acima do que esperava. Desde então ele deixa os lances para seus consultores de arte.
Baring sempre dá lances discretamente em leilões. “Eu nunca o faço pessoalmente na sala. Estou na sala, mas por telefone, então ninguém pode ver que estou dando lances”, comenta. Desse jeito, ela pode ver “quem mais está lá, quem está dando lances, ter um gostinho da sala e da venda”. Ela também pode proteger seu cliente e ficar “a um passo de distância da fofoca.”
Baring enfatiza a necessidade de fazer a lição de casa. “Os negociantes têm de saber que você é séria — que não está brincando”, diz ela. E como regra de ouro, ela acredita que você deve “não confiar em ninguém” no mercado contemporâneo. Às vezes os negociantes tentam “te deixar de fora” e ir diretamente ao colecionador. Ingram, diz ela, sempre os redireciona para ela.
Tanto Pollen quanto Baring se preocupam com a maneira como consultoras de arte são percebidas, às vezes — como jovens arrivistas formadas em arte com Louboutins e bolsas grandes, vagando vorazmente pelos corredores das feiras de arte.
Pollen diz que muitas pessoas pensam que consultoria de arte é “uma profissão fácil e descolada.”
“Mas qual é o treinamento ou profundidade de conhecimento que eles (seu consultor) têm?” disse. “Não basta ter uma assinatura da Artnet (a base de dados de preços) e um celular.”
A consultora de David Bowie
Outra consultora de arte baseada em Londres, Beth Greenacre trabalhou com David Bowie por 16 anos, até sua morte em 2016. “Aprendi tanto”, diz ela. “David era incrível, apaixonado por tudo. Acho que ele nunca dormia, sempre coletando informações.”
Bowie colecionava arte moderna britânica do pós-guerra, incluindo obras de Peter Lanyon, Alan Davie e David Bomberg. Ele dava lances pessoalmente em leilões. Greenacre diz que Bowie visitava artistas britânicos — incluindo Eduardo Paolozzi e John Bellany — em seus ateliês, e era amigo de Damien Hirst.
Bowie tinha uma biblioteca de arte enorme em sua casa em Nova York e devorava livros onivoramente. “Ele pesquisava e pesquisava”, diz Greenacre, que regularmente dava lances anonimamente em leilões em nome dele.
Depois da morte de Bowie, ela ajudou a preparar parte de sua coleção de arte para venda na Sotheby’s de Londres.
Um dos lotes principais foi a pintura de Frank Auerbach de 1965, “Head of Gerda Boehm”, que foi vendida por quase 3,8 milhões de libras (US$ 4,7 milhões). Tomando chá de menta em um clube londrino privado exclusivo para mulheres no bairro de Mayfair, em Londres, Greenacre relembra as palavras memoráveis de Bowie sobre a pintura: “Eu quero soar como isto.”
Greenacre diz ter testemunhado mudanças dramáticas no mercado de arte desde que ela começou, há 20 anos. Naquela época era “incrivelmente diferente — homens brancos de meia idade controlando tudo de Cork Street” (uma zona de galerias de arte perto de Piccadilly, em Londres). As coisas estão mudando. Alguns artistas estão simplesmente abrindo mão de terem uma galeria. O modelo de negócio está mudando, resultando na redução da presença de estabelecimentos pequenos e médios, espremidos pelas mega galerias.
“Por que há tantas mulheres trabalhando como consultoras de arte?” pergunto a Greenacre. Ela faz uma pausa por um momento e então responde: “Nós escutamos. Somos ótimas com pessoas. Colaboramos. Vamos fundo. Somos persistentes”. E então ri alto.
Em um movimento que despertou muito interesse no mundo da arte, o mega negociante Larry Gagosian acaba de estabelecer um novo braço separado de consultoria, em Nova York. Está sendo dirigido pela ex-executiva da Christie’s Laura Paulson. Ao mesmo tempo, o marido dela, Andrew Fabricant, supervisiona os 17 espaços expositivos de Gagosian.
Mas como, exatamente, a Gagosian Art Advisory vai operar? Estão sendo borrados os limites entre os papeis de um consultor de arte independente, que não deveria reter qualquer estoque, e um negociante de arte ou galerista, que frequentemente retém muito? O mercado de arte está curioso para ver como isso irá funcionar.
Schiff vê o mercado de arte como “um ecossistema muito frágil — os bons, os maus e os feios — as casas de leilão, as galerias, os museus, os artistas. Todos devem se unir para fazer a mágica acontecer”. Mas “algumas das maquinações por trás das cenas são asquerosas”, declara ela sem entrar em detalhes. Ela tenta proteger seus clientes “para poupá-los um pouco”, não revelando a eles o “lado feio”, o negociante-tratante.
Schiff vê seu papel como o de, ativamente “entrar na cabeça de meus clientes, ajudando-os a encontrarem o melhor do que amam.”
Seu cliente mais famoso até agora foi Leonardo DiCaprio. Ela não trabalha mais com ele. “Ele era um pouco diferente. Chegou com uma coleção”, diz. Mas ela não economiza elogios. “Ele tem um ótimo olho. Sempre foi o melhor artista no ambiente. Apenas atuava. Um excelente contador de histórias. Me ensinou o que é parceria.”
Por telefone de Nova York, Schiff soa quase como uma tiete. ‘”Adorei trabalhar com Leo. Sinto falta de Leo”, diz ela, queixosa.
Se estiver lendo esta matéria, sr. DiCaprio, por que não entra em contato de novo?