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    “Quero ser como a Marta”: como a maior artilheira do Brasil se tornou a maior de todos os tempos

    Genialidade em campo e força fora dele. As armas de Marta para se tornar uma referência do futebol feminino

    Marta é uma das artilheiras da Copa
    Marta é uma das artilheiras da Copa Imagem: Shutterstock

    Matias Grezda CNN

    “As defensoras sempre ficavam bravas com ela”, lembra Sissi aos risos. “A gente se perguntava: ‘Como vamos parar essa garota?'”

    Dos milhares de treinos que a ex-jogadora da Seleção Brasileira fez ao longo de seus 13 anos de carreira, um se destaca. No ano 2000, quando Sissi jogava no Vasco da Gama, a equipe sub-15 foi convocada para um jogo-treino contra a equipe adulta. Entre elas estava uma pequena atacante de nome Marta Vieira da Silva, a quem inicialmente ninguém deu muita atenção – até que foi preciso.

    “Naquela época, eu já sabia que ela tinha um dom e era difícil [enfrentá-la]”, diz Sissi à CNN. “Toda vez que fazíamos treinos, as meninas tinham que pará-la, chegando duro nela. Ela era muito especial”, relembra.

    “Marta era tão boa com a bola. Era quase como se, perto do gol, ela sempre esperasse a zagueira vir para ela fazer uma jogada diferente e deixar a adversária no chão”, se diverte Sissi ao contar. “Isso nos fez rir. Ela era muito especial, muito rápida, muito criativa, mas foi difícil. Foi difícil para nós.”

    Ex-atacante, Sissi diz que ficou feliz por nunca ter que marcar a Marta de 15 anos, já que as zagueiras sempre sofriam ao enfrentá-la. Ela ri novamente com a lembrança.

    Se defender não era o forte de Sissi, atacar certamente era. Na Copa do Mundo de 1999, nos Estados Unidos, Sissi ganhou a Chuteira de Ouro pela artilharia do torneio. Sua impressionante cobrança de falta contra a Nigéria nas quartas de final é um dos grandes gols da história da Copa do Mundo Feminina.

    Aquele torneio definiria sua carreira e Sissi continua sendo uma figura muito querida no Brasil por suas façanhas com a seleção, mesmo sob a pressão de jogar com a famosa camisa 10, de Pelé.

    Sissi estava no auge quando a jovem Marta surpreendeu a ela e suas companheiras. Ela diz que ficou evidente muito rapidamente – talvez já naquele primeiro treino – que a adolescente se tornaria uma estrela da Seleção Brasileira Feminina. “Fala-se do Pelé, fala-se da Marta”, pontua.

    Mas mesmo que Sissi previsse o caminho de Marta na equipe nacional, com certeza não poderia imaginar que aquela garotinha chegaria a alcançar tudo o que conquistou.

    Marta, agora com 37 anos e jogando sua sexta e última Copa do Mundo, é considerada por muitos a maior jogadora de futebol de todos os tempos.

    Sem precedentes

    Marta venceu o prêmio de melhor do mundo da Fifa seis vezes — incluindo cinco anos consecutivos de 2006 a 2010 e é a maior artilheira de todos os tempos do Brasil, masculino ou feminino, com 115 gols. Nenhuma outra jogadora ganhou mais de três vezes a premiação.

    Ela também conquistou a Champions League, a Copa Libertadores e foi premiada com a Chuteira de Ouro e a Bola de Ouro como artilheira e melhor jogadora da Copa do Mundo de 2007.

    Em 2019, Marta se tornou o primeiro jogador ou jogadora da história a marcar em cinco Copas e seus 17 gols em Mundiais são um recorde histórico entre homens e mulheres.

    A única conquista que falta em um currículo brilhante é um título importante com a seleção. Por três vezes, Marta esteve perto da glória com o Brasil: quando a equipe perdeu a final da Copa do Mundo de 2007 para a Alemanha, e as duas derrotas na disputa pela medalha de ouro olímpica.

    Sissi diz que Marta significou tudo para a seleção durante seus 21 anos de carreira internacional, levando o país a novos patamares e se tornando uma referência para pessoas de todo o país. “Ela é um ícone”, diz Sissi. “Marta tem sido uma mentora para muitas crianças.”

    “Na minha geração, não tínhamos jogadoras para admirar, então agora ter jogadoras como ela, especialmente com o que ela conquistou e quem ela se tornou, é muito importante. Você já viu o quanto o jogo mudou no Brasil. Agora, as pessoas podem dizer: ‘Quero ser como a Marta'”.

    Sissi, ex-jogadora da seleção

    “Temos de a aproveitar ao máximo… porque acho que não vai haver outra Marta, com certeza. Ela já causou um grande impacto, não só no Brasil, mas acho que no mundo todo. Todo mundo sabe quem ela é, então tenho muito orgulho de ser brasileira. Muito orgulhosa.”

    Jogadora ‘completa’

    Quando Marta começou a emergir como uma verdadeira estrela do futebol feminino no início dos anos 2000, a seleção masculina do Brasil estava repleta de talentos superlativos: Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo, Cafu e Roberto Carlos foram apenas alguns dos nomes de classe mundial que conquistaram a Copa do Mundo em 2002.

    Marta certamente se encaixava no estereótipo do futebolista brasileiro da época: habilidosa e tecnicamente próximo da perfeição. Ela é tão hábil em dar passes para gols quanto em marcá-los, uma jogadora genuinamente versátil, com pouquíssimas fraquezas em seu jogo.

    Embora Marta tenha marcado incontáveis gols memoráveis ao longo de sua ilustre carreira, aquele que talvez sintetiza seu talento melhor do que qualquer outro veio durante a goleada por 4 a 0 sobre a Seleção Feminina dos Estados Unidos, que estava invicta havia 51 jogos (quase três anos), nas semifinais da Copa do Mundo de 2007.

    A mistura de ingenuidade instintiva, equilíbrio, controle e implacabilidade na frente do gol foi uma maravilha de se assistir e esse domínio completo da bola e do corpo é uma visão rara no futebol.

    Juca Kfouri, comentarista esportivo, diz que o jogo de Marta era inigualável no futebol brasileiro, mesmo em uma época em que o país era especialmente abençoado com alguns dos maiores jogadores masculinos de sua história.

    “Houve um momento no Brasil da primeira década do século 21 em que, apesar de o Brasil ter jogadores como Ronaldo Fenômeno e Ronaldinho Gaúcho, Marta era a pessoa nascida no Brasil que tinha o melhor controle de todos os fundamentos do jogo”, diz Kfouri à CNN.

    “Passe, chute, cabeceio, visão de jogo, chute de esquerda e de direita. Ela era mais completa como jogadora de futebol do que gênios como os dois Ronaldos ou Rivaldo, que também eram eleitos os melhores jogadores do mundo na época”, avalia ele.

    “A gente acha difícil comparar o Pelé com qualquer outro jogador de futebol, independentemente do gênero, mas acho que a comparação da Marta com os Ronaldos, com o Rivaldo se encaixa nesse aspecto. Se você olhar para o domínio de Marta sobre os fundamentos do jogo, ela estava mais perto da perfeição do que aqueles jogadores”.

    Mas até mesmo Pelé gostou das comparações. Ele apelidou Marta de “Pelé de saias”.

    Mudando o jogo

    No entanto, o impacto de Marta não se limitou apenas ao campo. Na verdade, ela aproveitou suas façanhas em campo para ajudar a criar melhores condições para as jogadoras de futebol feminino em todo o país.

    De 1941 a 1979, era ilegal para as mulheres jogar futebol no Brasil. Uma lei que Sissi ignorou quando criança para brincar com os meninos nas ruas de sua cidade natal. Na época em que Marta emergia como uma das maiores promessas do mundo, o futebol feminino no Brasil ainda era incipiente, após anos de negligência.

    O perfil de Marta como a melhor jogadora do planeta durante grande parte de sua carreira obrigou as autoridades do país a levar o jogo das mulheres mais a sério, investindo tempo e recursos tanto na seleção quanto no campeonato nacional.

    Sissi diz que a “força de falar” de Marta foi fundamental para que o futebol feminino no Brasil tivesse a estrutura que tem hoje. “Isso é algo pelo qual ela ainda está lutando”, diz Sissi.

    A marta mania no Brasil talvez tenha atingido seu auge durante os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. Enquanto a seleção masculina, comandada por Neymar, sofria no torneio, a seleção feminina e sua capitã Marta começaram bem.

    Ambos usam o famoso número 10 do Brasil, mas os fãs rapidamente perceberam que apenas a camisa de Neymar estava facilmente disponível para compra nas lojas brasileiras. E isso levou inúmeros torcedores a resolverem o problema com as próprias mãos, riscando o nome de Neymar e escrevendo “Marta” com caneta nas costas das camisas.

    Ainda naquele ano, um projeto foi aprovado em Alagoas, estado natal de Marta, para mudar o nome do “Estádio Rei Pelé” para “Estádio Rainha Marta”, mas a mudança ainda não foi sancionada.

    Depois que o Brasil foi eliminado da Copa do Mundo de 2019, Marta — usando batom vermelho escuro, que ela disse ser para mostrar sua disposição de “deixar sangue no campo” — fez um discurso apaixonado para as câmeras. Ela pediu às jovens no Brasil que assumissem o manto, dizendo que não haverá “uma Marta para sempre”.

    “O futebol feminino depende de você para sobreviver. Pense nisso, valorize mais. Chorar no começo para sorrir no final”, disse Marta.

    Juca Kfouri diz que momentos como esse exemplificam como Marta carregou nas costas a “fragilidade do futebol feminino no Brasil” quase sozinha ao longo de sua carreira.

    “Marta é algo fenomenal”, acrescenta Kfouri. “Porque você pensa em alguém que foi eleito o melhor jogador do mundo seis vezes, em um país onde o futebol feminino nunca teve apoio e, pelo contrário, por muitos anos foi proibido que as mulheres jogassem futebol. É espantoso que existisse uma Marta no Brasil.”

    Marta foi fundamental para a existência de um time de futebol brasileiro e para que ele acabasse tendo o reconhecimento que tem hoje. Se não fosse Marta, provavelmente o futebol feminino no Brasil ainda seria uma coisa muito incipiente. “Ela foi e é uma figura muito valiosa, não tenho dúvidas em dizer isso, como atleta e como cidadã”, conclui.


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    Este conteúdo foi criado originalmente em espanhol.

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