Talento precoce, Ana Marcela sofreu todo tipo de frustração olímpica até o ouro
Brasileira é considerada a maior nadadora de águas abertas do mundo, mas só em Tóquio conquistou a medalha de ouro nas Olimpíadas
“Ninguém sabe o que é ser quinta, ninguém sabe o que é estar fora e ninguém sabe o que é ser décimo na Olimpíada anterior sendo cotada como uma das principais atletas. Eu tinha um diferencial que foi aquele meio corpo.”
Ana Marcela Cunha tinha acabado de fazer 16 anos quando foi para o Mundial de Águas Abertas em Sevilha, em maio de 2008. Na maratona aquática de 10km, as dez primeiras colocadas garantiriam vaga para a estreia da modalidade nos Jogos Olímpicos, três meses depois, em Pequim. Quando ela bateu na placa, as duas horas nadando na Espanha tinham lhe garantido uma ida aos jogos, no décimo e último lugar, por dois segundos. Na China, um impressionante quinto lugar, até então a melhor posição de uma mulher da natação brasileira.
“Sou nova, tenho certeza que em Londres será diferente”, disse à época. Mas não teve Londres. No Mundial de Esportes Aquáticos de 2011, novamente a linha de corte era o décimo lugar. E dessa vez a batida foi também no limite, mas não da classificação. Na 11ª posição nos 10km, ela precisou se recompor rapidamente, e quatro dias depois voltava à água para seu primeiro título mundial, o ouro na distância de 25km.
Na sequência, Ana Marcela se consolidou como uma das melhores do mundo. Foram mais dois pódios em 2013 e outros dois em 2015, incluindo outro título. O momento garantia a nadadora como uma das candidatas da delegação brasileira ao pódio nos Jogos do Rio de Janeiro, mas não foi dessa vez que as águas olímpicas viram sua melhor versão. Ela não conseguiu repor energia de forma adequada durante a prova — a segunda alimentação fornecida durante a prova caiu, a terceira ela não pegou para não perder o pelotão de frente. Sem gás, terminou no décimo lugar e saiu muito frustrada, dizendo não ter sido digna de uma campeã do mundo.
Um quinto lugar como novata, uma vaga escapando no momento da consolidação e uma décima posição muito frustrante. Somam-se a isso mais três pódios no Mundial de 2017, outros dois em 2019. Ana Marcela, o talento precoce lá de Pequim e única remanescente daquela edição na prova, chegou às Olimpíadas de 2020 pronta para finalmente levar a medalha olímpica.
“Eu queria mais que todo mundo. Eu vim para a guerra para sair campeã olímpica. Se eu não tivesse conquistado isso hoje eu estaria muito frustrada”. Conquistou.
Prateleira cheia, mas ainda falta um ouro a Ana
Os Mundiais de Esportes Aquáticos têm as três provas para as maratonistas — 5km, 10km e 25km –, mas a Olimpíada possui apenas a distância intermediária. Das 11 medalhas mundiais que Ana Marcela têm, um recorde estabelecido na última década, a única que não é de ouro é exatamente a que ela acaba de vencer nos Jogos Olímpicos.
“Falta só [vencer] os 10km no Mundial”, disse o técnico Fernando Possenti depois de cumprimentá-la após a conquista do título em Tóquio.
É inegável que o grande peso nas costas de Ana Marcela encontrou o esperado alívio no beijo na placa da Odaiba Marine Park, na capital japonesa, na manhã desta quarta-feira (4) no horário local. Por outro lado, se a motivação por feitos inéditos é o que move as braçadas por quilômetros e mais quilômetros por aí, falta um ouro na coleção daquela que é considerada por muitos, aos 29 anos, a maior nadadora de águas abertas da história. E tem Mundial no ano que vem.