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    Simone Biles volta a competir após dois anos de pausa para cuidar da saúde mental

    Atleta americana colocou em destaque os desafios e abusos no esporte durante Jogos Olímpicos de Tóquio

    Savanna Stewartda CNN

    Depois de documentar as práticas de treinamento – agora vistas como abusivas – da ginástica de elite em seu livro de 1995, “Little Girls in Pretty Boxes” (“Menininhas em caixas bonitas”, sem edição no Brasil), a jornalista especializada em esportes Joan Ryan não conseguiu mais assistir ao esporte.

    “Quando você sabe o que está acontecendo, não dá para ignorar”, comentou a autora à CNN. “Não dá para ignorar”.

    Mas, quase 30 anos depois e com a Olimpíada de 2024 no horizonte, Ryan diz que “está de volta depois de não querer assistir ginástica por um longo, longo tempo”. Simone Biles, pelo menos em parte, é a razão dessa mudança.

    Dois anos atrás, a ginasta americana surpreendeu fãs ao redor do mundo quando se retirou de cinco finais do evento nos Jogos Olímpicos de Tóquio de 2020. Ela voltou só para ganhar o bronze na trave olímpica – foi a sua 32a medalha entre os Jogos Olímpicos e os Campeonatos Mundiais. Em seguida, ela desapareceu da ginástica competitiva.

    Agora, a sete vezes medalhista olímpica está de volta, programada para competir no US Classic em Hoffman Estates, Illinois, no sábado (5). Desta vez, Biles, 26 anos, aparece não apenas como o ginasta mais condecorada da história dos EUA, mas também como um modelo de atuação nos esforços para chamar a atenção para a saúde mental dos atletas.

    “Nunca vimos um atleta como Simone Biles”, disse Ryan. “O fato de ela se afastar por causa da ginástica, por causa do que ela passou, da cultura de sua modalidade, mostrou a grande questão desse esporte”.

    “Aqui está esta mulher incrível que parecia que poder fazer qualquer coisa, uma super-heroína. No entanto, a ginástica era corrosiva e abusiva o suficiente para fazer com ela se afastasse pelo bem de sua saúde mental”, acrescentou Ryan.

    Biles optou por sair da final da competição por equipes em Tóquio ao sofrer com os chamados “twisties”, um bloqueio mental que faz com que os ginastas percam o controle de sua posição enquanto estão no ar. Mais tarde, a USA Gymnastics anunciou que ela havia se retirado da final individual, citando a necessidade de priorizar sua saúde mental, bem como as finais de salto, solo e barras assimétricas.

    “Sempre que você entrar em uma situação de alto estresse, dá uma surtada”, contou Biles a repórteres na época. “Eu tenho que me concentrar na minha saúde mental e não colocar em risco minha saúde e bem-estar”.

    Biles foi substituída na final geral por Jade Carey, que tinha acabado em nono na pré-eliminatória. Carey, agora caloura na Oregon State University, encarou a decisão de Biles com admiração.

    “Quando Simone se retirou da final da equipe nos Jogos Olímpicos, eu vi força pura”, disse Carey à CNN. “É difícil dar um passo para trás para realmente cuidar de si mesmo em nosso esporte e é isso que ela mostrou ao mundo”.

    Para os fãs acostumados a ver Biles dominando as competições com facilidade, sua saída em 2021 foi um lance inesperado. Ela havia deslumbrado multidões nos Jogos Olímpicos do Rio de 2016, ganhando cinco medalhas, incluindo quatro ouros. Muitos esperavam que ela tivesse o mesmo desempenho – ou melhor – em Tóquio.

    Mas, para pessoas mais familiarizadas com as intensas exigências físicas e psicológicas do esporte, a decisão de Biles de optar por não participar da competição foi mais inédita do que surpreendente.

    “A partida de Biles foi chocante, pois ninguém jamais na ginástica havia dito ‘Chega. Já deu. Preciso cuidar de mim, não importa o que todo mundo queira, no maior palco do planeta”, lembrou Ryan.

    O livro de Ryan criticou a USA Gymnastics (antes conhecida como US Gymnastics Federation) por ter relevado o treinamento abusivo ao longo dos anos 1980 e 1990 e por priorizar o sucesso sobre a saúde, ignorando consequências devastadoras: transtornos alimentares, depressão e outros problemas de saúde mental, bem como lesões debilitantes e às vezes fatais.

    “Acho que foi ótimo o que Biles fez. É exatamente isso o que se deve fazer, cuidar de si mesmo e não apenas fazer o que todo mundo quer que você faça”, comentou a jornalista e autora.

    Biles enfrentou uma reação negativa por sua decisão nas redes sociais. Alguns usuários argumentaram que sua retirada foi um momento de fraqueza ou abandono de sua equipe. Outros, como a jornalista Ryan, viram como uma prova de como as demandas da ginástica de elite podem desgastar até mesmo os atletas mais talentosos.

    Na época dos Jogos Olímpicos de Tóquio, Biles estava se preparando para testemunhar em uma audiência no Senado dos EUA sobre suspeita de manipulação indevida pelo FBI durante a investigação de abuso sexual de Larry Nassar. Mais de 150 atletas, incluindo Biles, disseram que o ex-médico da equipe de ginástica dos EUA abusou sexualmente delas sob o pretexto de fornecer tratamento médico. As alegações contra Nassar foram apresentadas pela primeira vez em julho de 2015, mas nenhuma prisão foi feita até dezembro de 2016.

    Diante do Comitê Judiciário do Senado em agosto de 2021, Biles criticou “todo um sistema que permitiu e perpetuou o abuso”, incluindo a USA Gymnastics e o Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos. Mais tarde, ela disse à revista “New York” que “deveria ter saído muito antes de Tóquio, quando Larry Nassar já estava na mídia há dois anos”.

    Simone Biles presta depoimento no Senado dos EUA, em Washington / 15/09/2021 Graeme Jennings/Pool via REUTERS

    O caso reforçou o que Ryan tinha observado através de entrevistas com cerca de 100 atletas, treinadores, psicólogos esportivos e outros especialistas ao escrever seu livro: “toda a estrutura da ginástica realmente se concentrou em não se preocupar com o que acontece com essas meninas”.

    “A medalha de ouro pendurada no final de sua carreira, ou durante suas carreiras, era o que importava. E elas precisavam chegar lá de qualquer jeito”, lembrou Ryan.

    Falando com Jake Tapper, da CNN, sobre Biles em 2021, a ex-companheira de equipe e três vezes medalhista de ouro olímpico Aly Raisman também criticou a USA Gymnastics por não ter apoiado adequadamente os atletas.

    “A USA Gymnastics é um desastre absoluto há anos e, infelizmente, não mudou o suficiente para que acreditemos em um futuro mais seguro”, acusou Raisman. “O caso mostra a falta de liderança da USA Gymnastics e do Comitê Olímpico dos Estados Unidos”.

    No entanto, há esperança de que um futuro mais brilhante esteja disponível para a federação. Uma nova declaração de missão e valores organizacionais e uma Declaração dos Direitos do Atleta foram adotados no final de 2020. Mais de dois terços dos colaboradores entraram na organização a partir de 2018.

    “Desde então, nossa principal prioridade tem sido transformar nossa cultura em uma que prioriza a saúde e o bem-estar dos atletas em todas as nossas decisões, políticas e ações”, disse a porta-voz da USA Gymnastics, Jill Geer, à CNN. “Não há dúvida de que a cultura anterior do esporte foi prejudicial para muitos indivíduos”.

    “É extremamente gratificante ver atletas como Simone Biles, Gabby Douglas e Suni Lee estarem empolgadas e felizes em voltar ao esporte”, continuou a porta-voz. “A ginástica de elite pode voltar a reforçar que a USA Gymnastics está no caminho certo com nossa transformação cultural. É algo com o qual trabalhamos todos os dias”.

    Em outubro de 2022, a USA Gymnastics anunciou uma nova política que permite que todos os membros do National Team recebam até oito consultas de cuidados de saúde mental por ano, reembolsáveis a US$ 125 por consulta pela federação.

    Desde então, a política foi revisada, de acordo com Geer, e a USA Gymnastics cobrirá mais de oito consultas de cuidados de saúde mental por ano para atletas da equipe nacional “se houver um excedente de recursos projetados para o ano”.

    A organização já havia implementado um plano de ação de emergência de saúde mental para todos os campos e competições do National Team. Ela também fornecia um “provedor de serviços psicológicos” no local em “quase todos” os campos da ginástica artística da seleção nacional.

    Quanto ao retorno de Biles (e de Douglas, medalhista de ouro olímpico em 2012), Ryan está otimista de que ele é a prova da mudança positiva dentro da ginástica de elite, incluindo um desvio da ideia de que jovens, muitas vezes pré-adolescentes, estão na idade ideal para a ginástica competitiva, e que aqueles que entram na idade adulta estão se aproximando da aposentadoria.

    “Isso vai mostrar que não é preciso ter 14 anos, que você pode ser o melhor do mundo aos 27 anos”, disse Ryan. “É importante mostrar que você pode ficar e permanecer saudável nesse esporte, porque você não pode competir aos 27 a menos que você tenha cuidado de si mesmo”.

    “Não consigo imaginar que ainda haja apodrecimento no centro da USA Gymnastics”, acrescentou Ryan. “Essas mulheres não vão deixar isso acontecer”.

    Fãs e colegas atletas também estão animados para testemunhar o grande retorno da ginástica no sábado. Biles liderou a pontuação geral da equipe feminina dos EUA em julho, vencendo o evento com uma pontuação de 57.650.

    “O retorno de Simone é muito emocionante, e estou ansiosa para voltar à competição e ver até onde essa jornada a leva”, escreveu Carey por e-mail.

    Com a cerimônia de abertura de Paris 2024 agora a menos de um ano de distância, o que há no horizonte para a ginasta americana mais premiada da história?

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