Surpresa e glória: mistura de erudito com funk embalou prata de Rebeca Andrade
Se a apresentação da brasileira tivesse público nas Olimpíadas, o ginásio iria abaixo, diz o coreógrafo que escolheu músicas usadas pela ginasta no solo
Uma fusão inusitada empolgou quem estava no Centro de Ginástica Ariake assistindo a final do individual geral da ginástica artística nas Olimpíadas de 2020 na quinta-feira (29).
Com a proibição de público por causa da pandemia de Covid-19, juízes, atletas, membros das comissões técnicas e imprensa estavam entre os poucos privilegiados que viram quando a ginasta brasileira Rebeca Andrade começou a apresentação do solo ao som de “Tocata e Fuga”, do compositor alemão Johann Sebastian Bach.
Enquanto Rebeca fazia os movimentos ao som de Bach, a pequena plateia acompanhava com atenção e aplaudia pontualmente.
Mas tudo mudou na metade da apresentação, quando as primeiras notas de cordas sintetizadas começaram a tocar “Baile de favela”, funk do paulistano MC João. Palmas constantes e até gritos foram ouvidos na arena.

Em entrevista à CNN, o coreógrafo e treinador artístico da seleção brasileira de ginástica, Rhony Ferreira, contou como surgiu a ideia de misturar música erudita com funk.
“Eu estava no ginásio durante as apresentações da ginástica artística na Olimpíada do Rio em 2016. Durante os intervalos, músicas eram tocadas para animar o público. Quando o DJ tocou ‘Baile de favela’, fiquei impressionado que a galera vibrou, todo mundo sabia cantar. Gostei da música, da batida e fui ao DJ perguntar que música era, e ele me falou que era ‘Baile de Favela’”.
“Achei que não ia dar certo”, diz produtor
Em princípio, a ideia do coreógrafo era juntar o hit do MC João com alguma música das cantoras Anitta, Ludmilla ou até outro funk, mas não encontrou nenhuma que “casava” bem com “Baile de favela”.
A partir daí, começou a pesquisar composições eruditas, músicas tocadas em apresentações de balé, até que chegou em “Tocata e Fuga”, de Bach. “Quando ouvi, sabia que era a combinação perfeita. Uma música sóbria, forte, com órgão e outra com apelo popular, inclusive, para agradar os juízes, afinal, eles também querem ser surpreendidos, são humanos, se emocionam. Se essa apresentação fosse com público, o ginásio iria abaixo”, disse.
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A brasileira Rebeca Andrade conquistou a prata na ginástica artística individual geral; veja como foi a apresentação dela em cada um dos aparelhos • Gregory Bull - 29.jul.2021/AP
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Rebeca foi à decisão do individual geral com a melhor marca entre as 24 finalistas, após a desistência de Simone Biles, dona da maior pontuação no classificatório • Ashley Landis - 29.jul.2021/AP
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A primeira prova das seis principais finalistas foi no salto, uma das provas mais fortes de Rebeca - e onde ela também disputará a decisão, no domingo (1º) • Morry Gash - 29.jul.2021/AP
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Ela cravou 15.300 e saiu da prova do salto na primeira posição • Ashley Landis - 29.jul.2021/AP
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A segunda prova da brasileira foi nas barras assimétricas • Morry Gash - 29.jul.2021/AP
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O aparelho não é uma das especialidades de Rebeca Andrade - duas competidoras que estavam em seu grupo tiraram notas maiores • Gregory Bull - 29.kul.2021/AP
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Mesmo assim, a brasileira conseguiu 14.666, quatro décimos melhor do que havia conquistado na classificatória • Natacha Pisarenko - 29.jul.2021/AP
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Rebeca terminou sua performance e manteve a primeira colocação no geral, mas viu a norte-americana Sunisa Lee, com a marca de 15.300 neste aparelho, encostar • Gregory Bull - 29.jul.2021/AP
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A terceira rotação das seis finalistas foi na trave de equilíbrio, apontada como a prova mais técnica da ginástica artística feminina • Morry Gash - 29.jul.2021/AP
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Essa também não é uma das especialidades de Rebeca Andrade. Mesmo assim, a brasileira fez uma boa performance • Natacha Pisarenko - 29.jul.2021/AP
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Sua nota foi 13.666, após pedido de revisão para os juízes. A nota preliminar havia sido de 13.266 • Natacha Pisarenko - 29.jul.2021/AP
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Apesar do aumento na pontuação, Rebeca foi ultrapassada no geral por Sunisa Lee, que conseguiu 13.700 neste aparelho • Natacha Pisarenko - 29.jul.2021/AP
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A decisão na disputa pelo ouro ficou para a última prova, o solo • Jonne Roriz - 29.jul.2021/COB
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É uma das provas mais fortes de Rebeca, que também se classificou para essa final • Natacha Pisarenko - 29.jul.2021/AP
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O solo era a principal aposta da brasileira para garantir o ouro, após se qualificar com a terceira melhor marca (14.066) • Natacha Pisarenko - 29.jul.2021/AP
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Mas ela pisou fora da área delimitada, o que rendeu um desconto em sua nota final • Ashley Landis - 29.jul.2021/AP
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Mesmo assim, ao som de “Baile de Favela”, ela conseguiu fazer uma boa apresentação • Ashley Landis - 29.jul.2021/AP
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A nota de 13.666 foi suficiente para manter o segundo lugar, mas não para ultrapassar a líder Sunisa Lee • Natacha Pisarenko - 29.jul.2021/AP
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A equipe brasileira comemorou bastante a apresentação e o resultado de Rebeca • Gregory Bull- 29.jul.2021/AP
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A brasileira terminou com a pontuação geral de 57.298, pouco atrás da norte-americana, que somou 57.433 • Natacha Pisarenko - 29.jul.2021/AP
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No fim, ela pegou a bandeira do Brasil para uma foto com Francisco Porath Neto, seu técnico na seleção • Natacha Pisarenko - 29.jul.2021/AP
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Após várias tentativas de grandes ginastas mulheres como Daiane dos Santos, Daniele Hypólito e Laís Souza, Rebeca Andrade finalmente conseguiu levar o Brasil ao pódio das Olimpíadas • Natacha Pisarenko - 29.jul.2021/AP
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Além da brasileira, o pódio ficou completo com a norte-americana Sunisa Lee (centro) e a russa Angelina Melnikova (à esquerda) • Natacha Pisarenko - 29.jul.2021/AP
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Rebeca comemorou muito ao se consagrar a primeira ginasta mulher brasileira a subir no pódio olímpico • Gregory Bull - 29.jul.2021/AP
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Ela também fez história ao ser a primeira atleta, entre mulheres e homens, a ganhar uma medalha na tradicional prova do individual geral • Gregory Bull - 29.jul.2021/AP
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A medalha de prata de Rebeca Andrade foi a sétima do Brasil nas Olimpíadas 2020 • Natacha Pisarenko - 29.jul.2021/AP
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Agora, a brasileira ainda tentará mais dois pódios, nas finais do salto e do solo • Jonne Roriz - 29.jul.2021/COB
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Em janeiro de 2018, Ferreira mostrou as duas músicas para os produtores Misa Junior e Angela Molteni e pediu que a fusão fosse criada.
“Achei que não ia dar certo, que não teria combinação rítmica e melódica. Minha ideia era terminar a trilha e mostrar para o Rhony que não funcionou. Mas à medida que ia fazendo quase não acreditava que estava ficando legal. Quando terminei, gostei muito do resultado”, explicou Misa Junior.
Rebeca Andrade dançou ao ouvir pela primeira vez
A trilha levou três meses para ficar pronta. Quando o coreógrafo apresentou para Rebeca Andrade, a reação da atleta foi de surpresa e empolgação.
“Coloquei para ela ouvir nos fones de ouvido. Quando começou tocar Bach, a Rebeca arregalou os olhos e disse que não conseguiria fazer os movimentos com aquela música. Falei para ela ficar calma e terminar de ouvir. Assim que começou ‘Baile de Favela’ ela se animou, gostou e começou a dançar”, contou.
Rhony Ferreira criou toda a coreografia apresentada por Rebeca no solo e sofreu muito vendo, pela televisão, a disputa por medalha.

“Minha mão ficou suada, meu coração estava saindo pela boca, fiquei muito apreensivo. É muito ruim estar longe, não poder dar um incentivo. Mas quando ela terminou, foi muito gratificante. Foi o fechamento de um ciclo de muito trabalho, de muitos detalhes, que começou em 2016”, disse.
Com a prata conquistada em Tóquio, Rebeca Andrade se tornou a primeira mulher brasileira a ganhar medalha na ginástica artística em Olimpíadas.
Misa Junior, que também foi responsável por adaptar “Brasileirinho” para a apresentação da ex-ginasta Daiane dos Santos, campeã mundial, disse que em 20 anos como produtor musical o trabalho com a trilha para Rebeca foi uma das experiências mais especiais que teve.
“Foi uma sensação extraordinária. O resultado de um trabalho meticuloso. Estou muito feliz.”