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    Como a filha de Bob Marley ajudou a salvar o time de futebol feminino da Jamaica

    "Eu cresci vendo ele jogar, e também via meus irmãos, Ziggy e Steve. Eles também cresceram jogando futebol, e era algo que eu adorava", disse

    Matias Grezda CNN

    O futebol tem consumido boa parte da vida de Cedella Marley. Mas isso não é de surpreender.

    Filha do ícone mundial do reggae Bob Marley, que era um famoso amante do esporte, Cedella nunca ficou longe de uma bola de futebol quando criança. Ela se lembra do pai lhe dizer que, se não fosse músico, gostaria de ter sido jogador de futebol.

    “Papai jogava todos os dias”, contou Marley ao CNN Sport. “Ele jogava onde quer que estivesse: em turnê, ele encontrava um campo, achava um time”.

    “Às vezes, eram os fotógrafos que jogavam; outras vezes, os repórteres, e aí era a banda contra os jornalistas”.

    “Eu cresci vendo ele jogar, e também via meus irmãos, Ziggy e Steve. Eles também cresceram jogando futebol, e era algo que eu adorava. Adoro chutar uma bola e era muito competitiva quando meus irmãos me desafiavam.”

    Relembrando o conselho dado a ela por Pelé, Cedella abriu um sorriso largo ao repetir as palavras que o maior jogador brasileiro de todos os tempos lhe disse: “A bola é redonda e sempre bata o pênalti”.

    “Então, tudo para mim era pênalti”, riu Marley. “Eu pensava: ‘vou só mirar o gol’, e esse amor é algo que está no meu DNA. E não trocaria isso por nada neste mundo”.

    ‘Peraí, a Jamaica tem um time de futebol feminino?’

    Apesar de gostar de futebol desde sempre, por muito tempo o envolvimento de Cedella Marley com o esporte não ia além de bater uma bolinha com o pai e os irmãos.

    Mas isso tudo mudou em 2014, quando um dia seu filho chegou da escola e lhe deu um pedaço de papel, dizendo que seu técnico de futebol tinha pedido para entregar.

    “Eu li e pensei: ‘peraí, a Jamaica tem um time de futebol feminino’? De onde veio isso?”, questionou.

    Seis anos antes, em 2008, o subfinanciamento levou a Federação Jamaicana de Futebol (JFF) a dissolver o programa da seleção feminina. O panfleto que o filho de Marley trouxe para casa era um pedido de arrecadação de fundos da JFF para ajudar a reiniciar o programa.

    Marley começou a trabalhar quase que imediatamente, e ligou para a federação na manhã seguinte para perguntar do que precisavam.

    “As necessidades eram muitas”, relatou Marley, repetindo a frase como se quisesse enfatizar a gravidade da situação.

    De viagens e alimentação a alojamento e campos de treinamento, todas as áreas da organização da equipe nacional precisavam de financiamento.

    Cedella Marley
    “Papai jogava todos os dias”, contou Marley / Instagram/Reprodução

    Artista talentosa e vencedora de vários Grammys com a banda Ziggy Marley and the Melody Makers, Marley colocou seus talentos musicais em prática.

    “Minha família se uniu a mim e meus irmãos, Damien e Steve, e gravamos uma música chamada ‘Strike Hard’ para arrecadar recursos”, contou.

    Com a junção de diversos fatores, como os royalties obtidos com ‘Strike Hard’, uma página do GoFundMe e ter se tornado embaixadora e patrocinadora da seleção feminina com a Bob Marley Foundation, Marley disse que conseguiram arrecadar US$ 300 mil no primeiro ano.

    A equipe feminina voltou a ser dissolvida em 2016, mas Marley nunca deixou de se empenhar no programa. Em 2019, seus esforços – e o trabalho de inúmeras outras pessoas igualmente dedicadas à causa – culminaram com a seleção se tornando o primeiro país caribenho a se classificar para uma Copa do Mundo Feminina.

    O trabalho de Marley ajudou não só a melhorar os padrões e as condições das jogadoras, mas também a mudar a atitude do país em relação à equipe nacional feminina.

    “Durante muito tempo, foi dito a essas meninas que as mulheres nos esportes, especialmente no futebol da Jamaica, não eram assim tão importantes”, relatou Marley. “Tipo, não interessa. ‘Vocês não ganham dinheiro. Não trazem multidões. Não fazem isso, não fazem aquilo'”.

    “Ninguém queria negociar acordos de marca conosco porque é a equipe feminina, mas é engraçado ver agora como tudo mudou drasticamente, não só para nossas mulheres, mas em todo o mundo… e isso me empolga muito.”

    Seleção da Jamaica de futebol feminino
    Seleção da Jamaica empatou por 0 a 0 com a seleção da França / Instagram/JFF/Juliandonaldson

    ‘Modo guerreira ativado’

    Marley estava falando sobre o treinamento da Jamaica pré-Copa do Mundo em Amsterdã, na Holanda, organizado pelo Ajax e pela Adidas. As jogadoras tiveram todas as suas necessidades satisfeitas com as instalações “fantásticas” que foram oferecidas, prosseguiu.

    Com campos de treinamento de primeira, academia, piscina e quadra de basquete, o Friendship Sports Centre (Centro Esportivo da Amizade, em tradução livre) tem “tudo” que as jogadoras jamaicanas precisam para se preparar melhor para a Copa do Mundo, afirmou Marley.

    “Lembro-me da época em que era só um salão escuro, em um porão ou algo assim”, recordou Marley com uma risada meio sem graça.

    “É uma grande diferença ver como elas estão treinando agora.”

    Onze das jogadoras que estiveram na última Copa do Mundo também fazem parte da seleção da Jamaica para o torneio na Austrália e Nova Zelândia, e essa experiência adicional significa que as expectativas são ainda maiores desta vez.

    Em 2019, na França, a Jamaica caiu num grupo difícil, com Itália, Austrália e Brasil. As “Reggae Girlz” perderam as três partidas, mas fizeram história ao marcar o primeiro gol do país em uma Copa do Mundo Feminina, quando Havana Solaun balançou as redes na derrota por 4 a 1 para a Austrália.

    A equipe deste ano conta com várias jogadoras que atuam no mais alto nível em todo o mundo, com destaque para a atacante do Manchester City, Khadija “Bunny” Shaw, que marcou impressionantes 20 gols – além de sete assistências – durante a campanha da Superliga Feminina da última temporada.

    O fato de a Jamaica ter tantas jogadoras talentosas para convocar se deve, em parte, ao ex-técnico Hue Menzies, que teve a visão de enviar as melhores promessas do país para escolas nos Estados Unidos quando a liga feminina do país foi dissolvida em 2015 e a seleção ficou inativa.

    O crescimento individual e coletivo da equipe nos últimos quatro anos deu à Jamaica uma confiança renovada de que pode melhorar o desempenho visto na França em 2019.

    “Queremos ir para lá e queremos ganhar”, afirmou Marley com convicção, sendo que, desta vez, a Jamaica vai enfrentar o Brasil, a França e o Panamá. A classificação para as oitavas de final será difícil, mas a equipe fez história no jogo de abertura contra a França, conquistando o primeiro ponto no torneio após um heroico empate por 0 a 0.

    “É simplesmente lindo assistir ao jogo e ver nossas meninas. Elas estão muito concentradas, isso é algo que posso dizer com certeza, e estão entrando em campo com o modo guerreira ativado”.

    Porém, nem todos os preparativos para o torneio foram fáceis.

    No mês passado, muitas das jogadoras da equipe principal escreveram uma carta aberta à JFF expressando sua “maior decepção” com o que descreveram como condições “inferiores” durante a preparação para a Copa do Mundo.

    A carta também alegava que a JFF não cumpriu com os “pagamentos acordados contratualmente”.

    A CNN entrou em contato com a JFF para comentar o assunto, mas ainda não obteve resposta. Numa declaração publicada em seu site, a JFF reconheceu que “as coisas não foram feitas com perfeição”, mas que está “trabalhando assiduamente para resolver” as preocupações das jogadoras.

    Além disso, o presidente da JFF, Michael Ricketts, disse no mês passado que a federação queria “garantir o máximo possível para as meninas”, informou a Reuters.

    Chinyelu Asher, que jogou pela Jamaica na última Copa do Mundo, disse à CNN que o objetivo da declaração era “envolver” a federação e fazê-la levar a equipe feminina mais a sério.

    “As pessoas querem saber qual foi o progresso em relação à última Copa do Mundo e eu digo: ‘Bom, aqui estamos nós fazendo tudo de novo'”, disse Asher, referindo-se aos problemas anteriores que a equipe enfrentou.

    Segundo Asher, as Reggae Girlz agora têm um acordo contratual com a federação nacional, mas mesmo assim tiveram de fazer uma declaração pública para garantir que recebessem o melhor apoio possível para uma Copa do Mundo.

    Marley afirma que não entrou em contato com a federação desde a carta aberta das jogadoras, preferindo focar apenas em como ela pode ajudar diretamente a equipe feminina. Mesmo quando se envolveu pela primeira vez com o time em 2014, Marley diz que teve pouco contato com a JFF.

    “Eu falei com as meninas para saber quais eram as suas necessidades, porque não podia ser eficaz só sabendo qual é o problema da JFF”, esclareceu. “Prefiro saber quais são as necessidades da equipe feminina”. “Não me preocupo com assuntos que não me dizem respeito. As meninas falaram; espero que a federação tenha ouvido.”

    “Mas o que faço primeiro é ter conversas diretas com as meninas, para ver como posso ajudá-las depois, porque não acho que a federação jamaicana seja diferente de qualquer outra federação”, acrescentou Marley, mencionando a disputa em andamento entre as “Lionesses” da Inglaterra e a federação sobre o pagamento de bônus.

    Mulheres da Jamaica visitando o Estádio Ajax em 4 de julho de 2023 em Amsterdã, Holanda. / Eric Verhoeven/Soccrates/Getty Images

    ‘Futebol é liberdade’

    Mesmo com tudo o que conquistou ao lado da seleção feminina, talvez o maior feito de Marley no futebol seja a fundação de sua iniciativa “Futebol é liberdade” (“Football is Freedom”, no original em inglês).

    O nome foi tirado de uma das célebres citações de seu pai e, em outubro de 2021, a iniciativa foi lançada com um treinamento de uma semana em Fort Lauderdale, Flórida, proporcionando às seleções femininas da Jamaica e da Costa Rica instalações de treino antes de se enfrentarem em um amistoso.

    Desde então, a iniciativa se expandiu. Em fevereiro do ano passado – no que seria o 77º aniversário de seu pai – a “Football is Freedom” organizou a primeira clínica de futebol feminino na Jamaica, com foco no desenvolvimento das jovens como jogadoras e como pessoas.

    Marley explica que sua iniciativa visa ajudar as meninas a desenvolver habilidades para a vida, oferecendo-lhes mentoria e oportunidades de educação superior.

    “Peguei tudo o que aprendi nos últimos nove anos e apliquei na construção do que espero ser um futuro melhor, não apenas para meu país; e espero que a ‘Football is Freedom’ seja uma iniciativa que o mundo irá adotar”, declarou Marley.

    “Estamos começando com a base na Jamaica agora… e estamos dando a todas as meninas a oportunidade de virarem o jogo, não apenas no campo, mas em suas casas, em suas comunidades e na vida como um todo.”

    Marley admite que nunca entendeu a citação do pai quando era mais nova, mas agora ela bate profundamente com tudo aquilo que viveu nos últimos nove anos.

    “É como se eu estivesse vivendo isso”, refletiu.

    O futebol pode ser uma saída para as meninas que vivem em “comunidades difíceis” na Jamaica, comentou Marley. Algumas jogadoras já ganharam bolsas de estudo, e o sucesso da “Football is Freedom” fez com que a iniciativa fechasse parcerias com a Adidas e a “Common Goal”.

    Ela viu em primeira mão como algumas das meninas são talentosas e diz que esse talento natural para o futebol “pode mudar suas vidas”. Tudo o que elas precisam, segundo ela, é receber a “estrutura adequada”.

    “Sinto que tive sorte até agora, mas sei que não é fácil fazer o que estou tentando fazer”, ponderou Marley. “Será necessário um grupo de pessoas que acreditam na mesma coisa para fazer a diferença.

    “Por isso, estou buscando aqueles que acreditam que, de alguma forma, podem mudar a mentalidade das pessoas, porque essas meninas merecem essa oportunidade.

    “Toda e qualquer oportunidade que pudermos dar a elas.”

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