Alguém pode imaginar uma caixa personalizada forrada de veludo como um lugar seguro e digno para guardar uma primeira medalha olímpica, mas não Kim Ye-ji. A atiradora desenterrou aleatoriamente sua medalha de prata do fundo de sua mochila.
“Oh, aqui está a medalha”, diz Kim. “Não é de se espantar que minha bolsa estivesse tão pesada!”
A jovem de 32 anos exibiu casualmente o brilhante prêmio à CNNem seu campo de tiro, aninhado entre inúmeras árvores na encosta da província de Jeolla do Norte, mais de 200 quilômetros ao sul da capital Seul.
Faixas nas ruas do Condado de Imsil parabenizando Kim pela glória olímpica são lembretes silenciosos da fama viral que ela ganhou neste verão. Muito mais barulhentas são as sessões de fotos com marcas de luxo e inúmeras aparições na TV coreana.
Mas quando ela abaixa a pistola, sua expressão severa se transforma em um comportamento mais relaxado, e ela costuma levantar a sobrancelha direita enquanto fala, revelando um lado desconhecido pelas pessoas. “Nada mudou muito depois das Olimpíadas”, ela disse à CNN.
Nascida para ser atiradora
A carreira esportiva de Kim começou quando ela levantou a mão para responder à pergunta simples de um professor de educação física de uma escola primária: “Quem quer praticar tiro?”.
Na época, o tiro não era um esporte popular na Coreia do Sul, e o país havia conquistado apenas um total de sete medalhas — duas de ouro, quatro de prata e uma de bronze — em quatro Olimpíadas quando Kim começou a praticar o esporte em 2005.
“Eu era tão jovem naquela época, e eu simplesmente pensei que seria divertido”, ela diz. “Eu não pensei em levar isso a sério e me tornar uma atleta de classe mundial desde o começo, era apenas diversão”.
Kim pode ter começado sem nenhum sonho de grandeza, mas ela era talentosa o suficiente para seguir essa carreira como um trabalho e meio de renda.
“No começo, eu só continuei para ganhar dinheiro. Se eu fazia isso por diversão como estudante, eu tentava ganhar dinheiro em uma equipe de negócios”, ela diz.
O tiro não passava de um trabalho para Kim até 2019, quando ela conheceu seu atual treinador, Kwak Min-su, no time do Imsil County Office. “Comecei a trabalhar duro depois de conhecer o treinador Kwak. Ele tem sido um treinador muito confiável, então eu queria trabalhar duro e retribuí-lo”, contou.
Trabalho duro além de seu talento natural apenas elevou a carreira de Kim, ajudando a aumentar sua precisão com a pistola.
Em abril deste ano, ela se tornou a única atiradora sul-coreana a se classificar em dois eventos para as Olimpíadas de Paris – pistola de ar de 10 metros e pistola de 25 metros – após terminar em segundo em ambos os eventos nas seletivas nacionais coreanas.
Em maio, ela estabeleceu o recorde mundial feminino de pistola 25 metros em Baku, onde o vídeo de sua concentração e “aura” de alto nível se tornou viral no X.
Emoções nas Olimpíadas de Paris 2024
A enorme escala do palco olímpico pode frequentemente deixar os atletas nervosos, especialmente aqueles que participam dos Jogos pela primeira vez. Mas esse não foi o caso de Kim.
“Não senti muita emoção durante a prova de 10m, estava realmente me divertindo durante os Jogos”, diz ela, com sua companheira de equipe sul-coreana Oh Ye-jin a apenas duas raias de distância entre os oito atletas competindo.
Enquanto os atiradores atiravam simultaneamente em seus alvos, aqueles com os pontos mais baixos saíram até que Kim e Oh foram as duas últimas disputando a medalha de ouro. Kim terminou com 241,3 pontos, ficando 1,9 pontos atrás de Oh, mas ela se lembra disso como um momento feliz.
“Houve alguns arrependimentos, mas esse é um arrependimento que vem depois de cada partida. Não é porque não ganhei uma medalha de ouro, mas porque não fiz meu trabalho direito”, diz Kim.
Poucos dias depois de subir ao pódio, Kim passou por um “drama emocional” na rodada de qualificação da pistola 25m feminina, embora ainda tenha conseguido manter a compostura.
Ela não marcou pontos na 11ª rodada de qualificação após não conseguir atirar nos três segundos estipulados, o que prejudicou suas chances de avançar para as finais.
“Aquele erro não foi o fim dos Jogos, então me acalmei pensando na próxima rodada de tacadas”, diz Kim. Apesar de se concentrar novamente e marcar 10 pontos 16 vezes nos 19 arremessos restantes, ela não conseguiu se classificar para a final.
Ícone de carisma e estilo
Não foi apenas o carisma de Kim que chamou a atenção dos espectadores dos Jogos, mas também seu estilo: uma toalha de pelúcia em forma de elefante com seu crachá, um boné virado para trás e óculos de tiro futuristas.
Apesar de exibir um visual que não pareceria distante de um filme Blade Runner durante as competições, Kim se define como uma pessoa “simples” que gosta de usar tops curtos e jeans branco em dias de folga e seu uniforme de equipe em dias de treinamento ou eventos.
“Eu me visto super simples, simples. Mas as pessoas me dizem que estou bonita”, comenta.
Apesar de às vezes se vestir de forma simples, Kim diz que a toalha de pelúcia de elefante pendurada em seu quadril é essencial em todas as competições, assim como seu boné, óculos e sapatos para tiro. “Quando atiro, a pólvora cai na minha mão, então uso uma toalha para limpar a pólvora”, explica.
Embora ela permaneça humilde sobre ser chamada de “ícone da moda”, Kim fez inúmeras sessões de fotos com marcas renomadas, incluindo Louis Vuitton e Givenchy, roubando os corações de seus fãs.
“Sou uma atleta, então nunca pensei em estrelar filmes, mas se eu for rotulada como uma atiradora e se for uma oportunidade para mais pessoas aprenderem sobre tiro, acho que participaria com prazer”, conta Kim sobre sua participação especial antes de ser anunciada publicamente.
“A mamãe vai ganhar a medalha de ouro”
Ao participar de sessões de fotos, entrevistas e comerciais, Kim não esquece que, antes de tudo, ela é uma atiradora.
“Sou grata que as pessoas me chamem de ícone da moda. Mas sou uma atleta, então atirar faz parte da minha vida”, ela diz.
Desde que Kim começou a atirar, a Coreia do Sul viu vários heróis no esporte, como Jin Jong-oh, que ganhou quatro ouros e duas pratas em cinco Olimpíadas, e Kim Jang-mi, que ganhou uma medalha de ouro nas Olimpíadas de Londres de 2012.
Em Paris 2024, a Coreia do Sul ganhou o maior número de medalhas de tiro nos Jogos na história do país, com três ouros e três pratas. E, conforme o país melhora gradualmente, Kim espera popularizar o esporte.
Para isso, ela já está de olho nas Olimpíadas de Los Angeles 2028, se preparando passo a passo, começando com a final da Copa do Mundo da ISSF (Federação Internacional de Esportes de Tiro), que acontecerá na Índia no final deste mês.
Se a automotivação não fosse o suficiente, Kim prometeu à sua filha de seis anos que ela se tornaria uma campeã olímpica na próxima edição.
Quando ela ganhou a prata em Paris, sua filha exclamou: “Mamãe, você ganhou uma prata!”, mas rapidamente acrescentou que ela deveria ganhar um ouro na próxima vez.
“Espere só, a mamãe vai ganhar o ouro”, prometeu Kim.