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    Protagonista de filmes e cantor, Pelé também era destaque fora dos campos

    Rei do futebol flertava com o cinema e a música; craque tinha prazer em atuar, afirma diretor de documentário

    Adriana Del Récolaboração para a CNN

    Se Pelé brilhava nos campos de futebol, fora deles, o craque, que faleceu nesta quinta-feira (29) após um mês internado, flertava com as artes, atuando e cantando. Um dos momentos mais lembrados de sua carreira como ator foi no filme ‘Fuga Para a Vitória’, de 1981, dirigido pelo consagrado John Huston, em que contracenava com Sylvester Stallone, Max von Sydow e Michael Caine.

    Em um campo alemão de prisioneiros de guerra, um major decide realizar um jogo entre a Alemanha e uma seleção formada por prisioneiros.

    É onde entra Luis Fernandez, personagem de Pelé, que se torna herói do filme ao fazer um gol de bicicleta contra os alemães – o protagonista dessa cena deveria ser Stallone, mas o ator americano era considerado perna de pau demais para fazê-la.

    No Brasil, seu primeiro filme foi ‘O Rei Pelé’, em 1962. Em 1979, estava no elenco do longa ‘Os Trombadinhas’, dirigido por Anselmo Duarte. Na história, ele é um instrutor da equipe juvenil dos Santos que recebe a missão de mudar a vida de menores abandonados que se tornaram delinquentes.

    Protagonizou ainda filmes como ‘A Marcha’ (1972), de Oswaldo Sampaio (e com produção de Paulo Goulart), em que vivia um escravo; e ‘Pedro Mico’ (1985), de Ipojuca Pontes, interpretando um malandro carioca. Em 1986, foi estrela do filme ‘Os Trapalhões e o Rei do Futebol’.

    Também cantor e compositor, Pelé fez dueto com Elis Regina no compacto ‘Tabelinha Pelé x Elis’, em 1969; lançou LP com Sergio Mendes & Brasil ’66, em 1977, que fez parte da trilha sonora de um documentário francês sobre sua história; lançou o álbum ‘Peléginga’, em 2006. Em 1981, a música ‘Cidade Grande’, de sua autoria, foi lançada por Jair Rodrigues no disco ‘Alegria de um Povo’.

    Aliás, esse lado artístico do Rei foi tema do documentário de Evaldo Mocarzel, ‘Cine Pelé’, em 2011. Em depoimento ao diretor, Pelé relembra de cada trabalho que fez no cinema e as experiências nos bastidores.

    Para Mocarzel, Pelé se dedicou à carreira de ator por prazer.

    “Na entrevista, ele falou que adorava receber convites para atuar. Por exemplo, perguntei: em ‘Fuga Para a Vitória’, você contracenou com Max von Sydow, que é um dos maiores atores do cinema, o que você aprendeu? Segundo ele, Max falou: ‘ator de cinema precisa aprender a contracenar com a luz’. Pelé gostava de estar no set de filmagem, de atuar, de estar diante das câmeras”, afirma Mocarzel, que dirigiu outros documentários como ‘À Margem da Imagem’ e ‘Do Luto À Luta’.

    Além de atuar, Pelé adorava compor e cantar. No ‘Cine Pelé’, entre uma lembrança cinematográfica e outra, ele toca algumas de suas canções. “Futebol é uma arte também, mas acho que Pelé tinha uma vocação artística que ele canalizava para a música, para o cinema e para a publicidade”, observa o diretor.

    “E ele não tinha uma cobrança, um rigor artístico, era mais o prazer lúdico de dar vazão a essa vocação artística que encontrou seu apogeu no campo, nos gols arquitetônicos e esculturais que ele fazia.”

    Para Ugo Giorgetti, diretor de filmes como ‘Os Boleiros 1 e 2’, essa incursão de Pelé nas artes poderia estar relacionada a uma vaidade intelectual.

    “Talvez ele achasse que o futebol era pouco, que ele devia ser celebrado em outras atividades mais valorizadas pela cultura, como ser ator, por exemplo. Por outro lado, os produtores achavam que ele levava público para o cinema, mas constataram que não levava. Talvez o filme do Stallone tenha levado bem mais (público), porque o Pelé joga, faz gol”, opina.

    Elenco de “Fuga Para a Vitória”, com Pelé, Sylvester Stallone e Michael Caine / Divulgação

    Os filmes que iam bem nas bilheterias eram, na verdade, os documentários sobre o Rei, aponta Giorgetti. “No documentário, Pelé era ele mesmo, o maior jogador que vi na minha vida. Se o talento dele fosse para ser ator, ele seria o maior ator da história do mundo.”

    Pelé estrelou também muitos comerciais. Segundo Anibal Massaini Neto, que foi amigo do craque desde os anos 1960 e diretor do documentário ‘Pelé Eterno’, as motivações do Rei para cada tipo de trabalho foram diferentes.

    “Os filmes publicitários foram feitos em função da remuneração, de critério de identificação com o produto; já os filmes, não acredito que tenham sido por remuneração, mas, sim, pelo prazer mesmo”, afirma. “Quem formulou os convites tinha a certeza da capacitação dele para desenvolver esses trabalhos. E para ele, era um desafio: se correspondo, se convenço, se levo jeito para a coisa.”

    A crítica torcia o nariz para suas interpretações. Isso preocupava um pouco o jogador e, por vezes, o fazia recusar papéis. Para Massaini, as pessoas achavam que ele era o Pelé em tudo, que ele tinha que ser o melhor de todos.

    “Por trás dos personagens está sempre o Pelé. Você imagina assistir a uma cena do Pelé fazendo o papel de um padre? Você ia rir num primeiro momento. Era uma dificuldade de se fazer personagens comuns. A tendência maior era que a figura pública se sobrepusesse ao ator.”

    Pelé em livros, documentários e músicas

    Fonte inesgotável de interesse para o público, Pelé também foi tema de muitos documentários, livros e canções. Mais recente produção sobre o Rei, o documentário ‘Pelé’, disponível na Netflix, concentra-se na participação do ídolo em Copas do Mundo, sendo a de 1970 a mais aclamada e também a mais controversa, já que o Brasil passava pela fase mais endurecida da ditadura.

    Com tantos filmes já produzidos sobre o Rei, o documentário dirigido por Ben Nicholas e David Tryhorn tenta dar um novo recorte à sua trajetória.

    Ao relembrar as Copas de 1958, 1962, 1966 e 1970, ‘Pelé’ acompanha a ascensão do craque, que participou de seu primeiro Mundial, na Suécia, com apenas 17 anos, mas também expõe os ‘fantasmas’ que ele enfrentou, como a perda da Copa de 1966, na Inglaterra, que quase o fez se despedir dos Mundiais.

    Os diretores também tocam num assunto delicado não apenas conversando com o próprio Pelé, como ainda com outros entrevistados do documentário, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o jornalista e amigo Juca Kfouri e o músico Gilberto Gil: o craque não se posicionou politicamente na ditadura.

    Não existe um consenso sobre sua postura: há quem opine que a importância dele no futebol esteja acima disso; há que cobre até hoje essa ausência de posicionamento. O Brasil foi campeão da Copa de 1970, no México, o que viraria uma espécie de bandeira nacionalista de Médici, no auge da ditadura.

    No entanto, o primeiro filme sobre o Rei é de 1962. Baseado na autobiografia ‘Eu Sou Pelé’, escrito por Benedito Ruy Barbosa a partir de uma entrevista com o craque, o filme ‘O Rei Pelé’ conta a história de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, desde a infância, quando nasce a paixão pelo futebol, até conquistar a fama no time dos Santos e na seleção.

    Com roteiro assinado pelo próprio Ruy Barbosa, diálogos escritos por Nelson Rodrigues e direção de Carlos Hugo Christensen, o longa conta com a participação do próprio Pelé e de Lima Duarte. Pode ser visto no YouTube.

    Outro documentário sobre ele, esse considerado definitivo, ‘Pelé Eterno’ (2004), dirigido por Massaini, reconstitui a carreira do eterno camisa 10 da seleção de forma mais abrangente, através dos depoimentos dele, de amigos, família e ex-jogadores e também de imagens de arquivo.

    No catálogo do Globoplay, o documentário ‘Isto é Pelé’, de 1974, mostra momentos importantes na carreira do jogador, passando por alguns de seus gols mais marcantes, pelo seu êxito nas Copas de 58 e 70 e também pela despedida dos gramados. A produção é dirigida por Eduardo Escorel e Luiz Carlos Barreto.

    No filme ‘Pelé: O Nascimento de Uma Lenda’, de 2017, que tem direção dos irmãos americanos Jeff e Michael Zimbalist, Pelé é interpretado pelos atores Leonardo Lima Carvalho e Kevin de Paula em diferentes fases da vida do Rei.

    Também com foco na escalada do jogador ao posto de ídolo do futebol, a produção retrata essa trajetória entre a infância de Pelé e sua primeira Copa do Mundo, em 1958. Seu Jorge interpreta Dondinho, o pai do jogador.

    A história do Rei Pelé também foi contada em livros, entre eles: ‘Pelé: A Autobiografia’ (2006); ‘Pelé: Minha Vida Em Imagens (2009); ‘1283’ (2013); e ‘Pelé – A Importância do Futebol’ (2014); e ainda títulos internacionais como ‘Learning Soccer With Pelé’ (1978).

    O cartunista Mauricio de Sousa o homenageou criando o personagem Pelezinho em suas histórias em quadrinhos. Sem contar nas canções inspiradas nele, como ‘O Rei Pelé’, de Jackson do Pandeiro e Sebastião Batista, e ‘Love Love Love’, de Caetano Veloso.