O terceiro mundo que veste a camisa amarela
Diversidade racial e descolonização entre anos 1950 e 1970 contribuíram para popularização da seleção
As imagens pipocam nas redes sociais: as vitórias da Seleção Brasileira têm sido comemoradas em lugares pouco presentes no nosso imaginário, países que não são parceiros comerciais importantes, que mandaram poucos imigrantes para cá.
Mas tome festa no Haiti, Bangladesh, em territórios palestinos. Haja comemoração de indianos e de trabalhadores de outras nacionalidades que vão aos estádios do Catar –país onde vivem– com a camisa amarela.
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A mesma Canarinho que surge em imagens que retratam a infância de Mo, protagonista do ótimo seriado homônimo, criado por Mohammed Amer e Ramy Youssef, e que trata das desventuras de um jovem que, criança, foi obrigado a deixar o Kuwait e emigrar para os Estados Unidos. Na fuga, ele usava a camisa já então símbolo da criatividade e da alegria, sinônimo de vitória do oprimido sobre o opressor.
A simpatia pela nossa seleção surgiu há muitas décadas e tem a ver com algumas características bem específicas. Apesar das conquistas uruguaias em 1930 e 1950, a Seleção Brasileira foi a primeira do mundo subdesenvolvido a derrotar um país europeu numa final de Copa, a de 1958.
Uma conquista ocorrida lá na terra deles; antes, nenhuma equipe tinha conquistado o principal torneio do futebol fora de seu continente. O placar de 5 a 2 foi aplicado contra a Suécia por um time racialmente diverso. A taça do mundo era, enfim, nossa –e muita gente tratou de se ver dentro desse pronome possessivo– naquele tempo, praticamente não havia negros nas seleções europeias.
As declarações de independência de muitos países da África, Caribe e Ásia ocorreram no período dos nossos quase consecutivos três primeiros títulos mundiais –1958, 1962 e 1970–, o que só reforçou a identificação dos habitantes dos novos países do terceiro mundo: o Brasil dava sucessivas coças nos antigos colonizadores.
Só a partir da Copa de 1982 é que houve um aumento no número de participantes de uma Copa (de 16 para 24), A limitação restringia a participação de seleções africanas e asiáticas que então apresentavam futebol ainda muito frágil. No fim das contas, sobrava o Brasil para torcer.
E, claro, havia Pelé, “Pelé, Pelé, Pelé, o deus de todos os estádios”, como dizia o locutor Waldir Amaral (1926-1997). O rapaz negro que, em 1958, aos 17 anos, faria gols decisivos e pavimentaria sua carreira pra lá de vitoriosa. Pelé era um rei, um rei preto que substituía a realeza branca que, ao longo de séculos, usou a força, matou e saqueou ao se impor em terras alheias.
Questionada por muitos brasileiros por seu uso nas manifestações contra Dilma Rousseff (PT) e nos atos bolsonaristas, a camisa da seleção é muito maior do que seu uso político-partidário, é um dos nossos grandes ativos. Nesta sexta, voltará a reunir em torno dela uma torcida imensa, que representa um país ainda maior que o nosso, um Brasil amplo, antirracista, festeiro, musical e solidário.
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