Como é jogar pela pior seleção de futebol do mundo, San Marino
Microestado europeu venceu a primeira partida oficial da história em setembro de 2024
Derrota de 2 a 1 para a Dinamarca. Queda diante da Finlândia por 2 a 1. Empate em 1 a 1 com a Letônia. Para a maioria das seleções, uma sequência de resultados como esses seria sinônimo de má fase. Momentos difíceis que os torcedores tentam esquecer e, provavelmente, um sinal de que a equipe já busca um novo treinador.
Porém, para a seleção de San Marino, esses são alguns dos melhores resultados da história da nação. Isso porque o país está acostumado a perder. E muito. Desde o primeiro jogo do microestado europeu, em 28 de março de 1986, dos 212 jogos que a seleção nacional disputou, perdeu 198, empatou 12 e venceu apenas dois.
A posição mais alta que La Serenissima já alcançou no ranking mundial da FIFA foi a 118ª, em setembro de 1993, e desde então tem sido uma descida constante com algumas quedas abruptas. A última vez que o time não ocupou o último lugar do ranking foi há mais de três anos quando, por 35 dias, a equipe foi a 209º em vez da 210º. Estatisticamente, é a pior seleção nacional de futebol do mundo.
“Você tenta fazer o seu melhor onde puder, mas se o adversário estiver em um bom dia, ele pode fazer o que quiser com você.”, disse o zagueiro Dante Rossi à CNN.
San Marino, a república mais antiga do mundo
San Marino é um pequeno microestado dentro da Itália que abriga 33.600 pessoas. Se fosse uma cidade nos Estados Unidos, estaria entre as 1.400 maiores do país em termos de população.
É reconhecido por suas belas vistas, bolos tradicionais e por ser a república mais antiga em existência contínua no mundo. No entanto, não tem fama pela desenvoltura no futebol.
Uma vida dupla
Marcello Mularoni é um dos jogadores mais importantes de San Marino. Ele já atuou 45 vezes pelo país. Jogou em grandes partidas contra seleções como Inglaterra e Itália, e foi o capitão do time na partida mais recente (Moldávia 1 x 0 San Marino).
Mas tem um detalhe: na maior parte do tempo, Mularoni é consultor empresarial.
O meio-campista é semiprofissional, assim como quase todos os seus companheiros de seleção. O elenco de San Marino é composto por trabalhadores comuns: administradores, personal trainers, estudantes, um designer gráfico e um atleta profissional em tempo integral, Nicola Nanni, que pertence ao Torres, da terceira divisão da Itália.
“É estranho. Durante o dia você está concentrado no seu trabalho e depois tem que mudar para o treinamento.”, disse Mularoni à CNN. “Se você está cansado, ainda tem que treinar. Fazemos isso pela nossa paixão. Mas também pela grande oportunidade que temos de enfrentar jogadores como (Jude) Bellingham – nossos ídolos que vemos na TV – como se fossem caras normais ou amigos. É engraçado, mas temos que trabalhar. Jogamos muitos jogos durante o ano, o que significa que ficamos longe do trabalho, então é preciso mostrar respeito ao dono da empresa.”, completou.
De acordo com Rossi, essa vida dupla é uma das razões pelas quais San Marino tem enfrentado dificuldades ao longo dos anos.
“Temos muitas pessoas no time que trabalham ou estudam. Isso consome muito tempo e definitivamente muita concentração”, disse ele.
“Não somos profissionais que podem dedicar nosso tempo e ter bem-estar econômico para a vida toda com nossas mentes focadas apenas no futebol. Temos muitos problemas, temos família, temos muitas coisas para pensar além do futebol. Fica realmente complicado porque (outros times) estão 100% dedicados a isso.”, relatou o zagueiro.
Segundo Rossi, não é fácil perder de forma tão pesada e com tanta frequência. Entre 2006 e 2023, San Marino manteve o indesejável recorde de sofrer a maior derrota na história das eliminatórias para a Eurocopa: uma goleada de 13 a 0 diante da Alemanha.
O 7 de setembro “inesquecível”
O dia 7 de setembro de 2006 permanece uma data sombria para qualquer pessoa que acompanha San Marino. Dois meses antes, a Alemanha havia sido derrotada pela Itália no último minuto de uma semifinal de Copa do Mundo, em Dortmund.
Acreditando que San Marino era essencialmente italiana, a seleção alemã se vingou. O goleiro alemão Jens Lehmann teve até que ser convencido pelos jogadores de San Marino a não bater um pênalti já que, perdendo por 12 a 0, eles já haviam encarado humilhação suficiente.
Rossi não jogou naquela partida, mas esteve presente em outro dia infame na história do futebol da nação, uma derrota de 10 a 0 para a Inglaterra em novembro de 2021.
“Aquele jogo foi o mais difícil que tivemos que enfrentar, pessoalmente e coletivamente falando.”, recordou Rossi. “Foi doloroso. Nós sofremos depois daquele jogo. Sofremos muito. Mas, bem, acontece. Isso é futebol. Somos San Marino, sempre temos que sofrer!”, filosofou.
As derrotas duras são tão frequentes que Rossi aprendeu a tirar pontos positivos sempre que pode, incluindo de outro jogo contra a Inglaterra naquele ano.
“Em 2021, jogamos em Wembley contra a Inglaterra e perdemos por 5 a 0. É obviamente um placar grande, mas para nós, em Wembley, foi quase bom. Talvez não bom, mas definitivamente aceitável.”
Dante Rossi, zagueiro de San Marino
O zagueiro tem uma visão filosófica sobre o que significa jogar por um time que venceu apenas uma de suas primeiras 210 partidas: vitória por 1 a 0 sobre Liechtenstein em um amistoso em 2004.”É muito difícil entender isso porque o futebol é um esporte onde a coisa mais importante e, às vezes a única coisa, é vencer e se tornar campeão.”, explicou ele. “Mas eu não acho que seja um extremo ou outro. Todo mundo tem que olhar para sua própria realidade e o que pode fazer com ela, até mesmo as pequenas coisas.”, emendou.
O copo “meio cheio”
Os torcedores de San Marino também aprenderam a manter o otimismo, mesmo que possam se dar ao luxo de serem um pouco mais autodepreciativos. O perfil de torcedores SanMarino_FA conquistou 178 mil seguidores – mais de cinco vezes o número de habitantes do país – no X com um relato humorístico sobre como é torcer pela equipe.
“É uma baita jornada!”, disse rindo o administrador, que usa o pseudônimo Martino Bastianelli, em entrevista à CNN. “Eu sempre penso: ‘Talvez hoje seja o dia.’ Mas então eles começam a jogar.”, ironizou.
Ainda mais irreverente é o principal grupo de torcedores da seleção nacional, a Brigata Mai 1 Gioia. Em português, “Brigada Nunca Uma Alegria”.
“Somos doidos porque torcemos por San Marino.”, disse Christian Santini, membro da Brigata desde 2018, à CNN. “Torcemos por um time que nunca ganha.”, declarou.
“Eu não sou de San Marino.”, continuou ele. “Moro perto da costa oeste da Itália. Levo quase três horas para chegar a San Marino. Nós (a Brigata) temos um bávaro que dirige de Munique até San Marino. Temos pessoas da Áustria, dois irlandeses, um francês. Essas são pessoas doidas. Simples assim.”, afirmou.
O zagueiro Rossi acrescentou: “Pode ser um pouco de humor, mas conhecemos as pessoas da Brigata e sabemos que elas têm muito respeito por nós. Sabemos que provavelmente criaram o nome como uma piada, mas há mais do que isso. Sempre agradecemos a eles porque nos seguem para qualquer lugar.”, reconheceu.
Esse sentimento é compartilhado por Bastianelli. “É legal ter essa abordagem humorística de: ‘Lá vamos nós de novo, vamos perder’”, disse ele à CNN. “Mas também é legal continuar acreditando, mesmo sabendo que você vai perder.”, completou.
Apesar do tom brincalhão, Santini explicou que a Brigata também tem uma apreciação genuína pelos jogadores.
“Se eu quiser ver uma partida de futebol profissional, moro a dois quilômetros de um time da Série A, o Empoli”, disse ele. “Aqui na Toscana, também tenho a Fiorentina e o Pisa. Então, por que viajar três horas e ir até San Marino para assistir a um jogo de futebol? Nós os apoiamos pelo motivo único de que eles são como nós. São pessoas que trabalham duro durante a semana. Mas também nos fazem sonhar.”, declarou.
Há 38 anos, desde o primeiro jogo do país em meados dos anos 80, pessoas como Santini e Bastianelli sonham em ver San Marino vencer uma partida competitiva. Muitos provavelmente já aceitaram que isso nunca aconteceria.
Mas então, no dia 5 de setembro de 2024, esse sonho se tornou realidade.
A vitória, finalmente
Quando La Serenissima se preparava para um jogo da Liga das Nações contra Liechtenstein – o time que havia vencido em um amistoso 20 anos antes – o meio-campista Mularoni sentiu algo diferente da expectativa usual de derrota.
“Antes do jogo contra Liechtenstein, eu conseguia ver nos olhos dos meus companheiros de equipe que eles acreditavam.”, disse ele. “Estávamos pensando: ‘Sim, hoje é o dia.’”.
As oportunidades de jogar contra times de nível similar não surgem com muita frequência, explicou Mularoni.
“Há cerca de quatro anos, enfrentamos Gibraltar e Liechtenstein, e houve pressão do tipo ‘Uau, temos que vencer’.”, disse ele. “Mas desta vez, contra Liechtenstein, não tínhamos esse tipo de pensamento. Era como, ‘Podemos vencer’, não ‘Temos que vencer.’”, afirmou.
No entanto, a equipe sabia que precisava estar no seu melhor. “Sabíamos que, para ganhar o jogo, ou para ter uma chance de ganhá-lo, teríamos que fazer tudo perfeitamente.”, disse Rossi. “Não havia outra maneira – se cometêssemos erros, perderíamos.”.
O jogo em si estava longe de ser um clássico. Um gol no início do segundo tempo, marcado por Nicko Sensoli, de apenas 19 anos – que ainda não havia nascido quando San Marino venceu pela última vez – foi suficiente. A qualidade do jogo e do espetáculo era a última coisa na mente de Rossi.
“Foi uma emoção que nunca vou esquecer pelo resto da minha vida. Quando o árbitro apitou para encerrar o jogo, tudo parou, como em um filme. Eu não conseguia ouvir nada. Foi incrível. Aquela descarga de adrenalina em que você não sabe o que fazer consigo mesmo. Acho que abracei meus companheiros, fui até o treinador, procurei minha filha nas arquibancadas e simplesmente aproveitei.”
Dante Rossi, zagueiro de San Marino
De volta ao vestiário, Rossi viu não apenas o que significava para seus companheiros de equipe, mas também para o povo de San Marino.
“Emoção, lágrimas, alegria, abraços, fotos, mensagens e milhares de mensagens!”, disse ele. “Eu não uso redes sociais, mas no WhatsApp, recebi ligações e mensagens de todos os meus colegas.”.
A experiência de Mularoni foi muito semelhante. “No dia seguinte, quando cheguei ao trabalho, todos estavam me parabenizando”, disse ele.
“Sinto muito orgulho da comissão técnica e dos meus companheiros. Não apenas dos que estavam em campo ou no banco naquele dia, mas também de todos com quem já treinei durante meus anos na seleção.”.
Na 176ª tentativa, San Marino havia vencido um jogo competitivo. Tudo o que resta, brincou Mularoni, é que o grupo de torcedores reconheça o feito.
“A Brigata Mai 1 Gioia – ‘Nunca Uma Alegria’… Eles deveriam mudar o nome!”, brincou.