Estudo indica viés racial em transmissões de futebol na TV nos EUA e Europa
Empresa de pesquisa RunRepeat analisou 2 mil declarações feitas por comentaristas em 80 partidas televisionadas na Premier League, La Liga, Serie A e Ligue 1
Existe um viés racial “evidente” na maneira como os comentaristas de futebol se referem a jogadores de diferentes cores de pele, de acordo com um estudo publicado nesta terça-feira (30).
Mais de 2.000 declarações feitas por comentaristas em 80 partidas televisionadas na Premier League (Inglaterra), La Liga (Espanha), Serie A (Itália) e Ligue 1 (França) foram analisadas pela empresa de pesquisa dinamarquesa RunRepeat no estudo realizado em associação com a Associação de Futebolistas Profissionais (PFA, em inglês).
Ao fazer comentários sobre inteligência, 62,6% dos elogios foram direcionados a jogadores com tom de pele mais claro, enquanto 63,33% das críticas foram direcionados a jogadores com tom de pele mais escuro.
E quando se fala em ética no trabalho, 60,40% dos elogios são direcionados a jogadores com tom de pele mais claro, enquanto os comentaristas têm 6,59 vezes mais chances de falar de força quando se referem a jogadores com tom de pele mais escuro e 3,38 vezes mais chances de falar sobre rapidez.
“Para lidar com o impacto real do racismo estrutural, precisamos reconhecer e lidar com o preconceito racial”, afirmou Jason Lee, executivo Executivo para Igualdade da PFA, em comunicado. “Este estudo mostra um viés evidente na forma como descrevemos os atributos dos jogadores de futebol com base na cor da pele.”
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“Os comentaristas ajudam a moldar a percepção que temos de cada jogador, aprofundando qualquer preconceito racial o espectador já tenha. É importante considerar o alcance dessas percepções e como elas afetam os jogadores de futebol mesmo após o término de sua carreira.
“Se um jogador tem aspirações de se tornar técnico/dirigente, não parece injusto que aqueles que os comentaristas costumam chamar de inteligentes recebem uma vantagem injusta, quando essas opiniões parecem resultar de preconceito racial?”
Diferenças gritantes
O estudo do RunRepeat teve como base a análise de 20 partidas de cada uma das quatro ligas durante a temporada 2019/20, registrando 2.074 declarações em inglês sobre 643 jogadores nas transmissões de Sky Sports, BT Sport, FreeSports, beIN Sports, TSN, NBCSN e ESPN, de acordo com o jornal britânico The Guardian.
Usando o vasto banco de dados do jogo Football Manager, o tom de pele dos jogadores foi classificado de 1 a 20, com 433 jogadores entre 1 e 11 classificados como “mais claros” e 210 jogadores de 12 a 20 como “mais escuros”.
O estudo constatou que as diferenças nas declarações eram “mais severas quando os comentaristas discutiam características físicas ou habilidades atléticas – como velocidade e força”.
O renomado comentarista britânico Clive Tyldesley acredita que a publicação do estudo ajudará seus colegas a pensar duas vezes antes de fazer certas declarações no ar.
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“Os comentaristas têm a responsabilidade de usar o idioma adequadamente, mas – e este é o único ‘mas’ que eu acrescentaria – não hesitaria em chamar Adama Traore de um jogador forte. Ele também tem outras características, incluindo valor [de grupo] e eficiência”, disse Tyldesley disse ao jornal Daily Mail, referindo-se ao atacante do Wolverhampton.
“N’Golo Kante não é rápido ou forte, então você diz o que você vê”, acrescentou Tyldesley, ao falar do meio-campista do Chelsea.
“Eu aceitaria conselhos para me tornar um comunicador melhor, mas rejeitaria qualquer sugestão se fosse feita a acusação de estereotipar jogadores de futebol com base em sua cor de pele. Não consigo pensar em nenhum elemento da cor de pele de um jogador que afetaria seu desempenho.”
“Traore é um jogador diferente de Kante, de Virgil Van Dijk, de Raheem Sterling, de Tammy Abraham”, disse Tyldesley, referindo-se ao zagueiro do Liverpool, ao atacante do Manchester City e ao atacante do Chelsea, respectivamente.
“Todos se destacam em suas próprias posições, mas existem poucos denominadores comuns na maneira como jogam, portanto não é necessário fazer uma pesquisa para mostrar que não apenas os estereótipos estão moralmente errados, mas também são imprecisos.”
A Sky Sports já realiza sessões com seus apresentadores, repórteres e comentaristas nas quais é discutida a importância do idioma usado para descrever atletas de diferentes origens.
Em conjunto com o PFA e o Kick It Out – uma campanha conta o racismo no futebol britânico – também foram realizadas sessões extras para a Sky Sports com relação ao uso do idioma ao discutir especificamente quaisquer histórias e questões relacionadas ao movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).
Um porta-voz da NBC Sports disse à CNN: “Sempre enfatizamos comentários equilibrados em nossa cobertura de jogos e estúdios”.
Um porta-voz da BT Sport disse que a organização não viu os detalhes do relatório, mas apontou para uma declaração divulgada em relação ao movimento Black Lives Matter, no qual a organização se comprometeu a “implementar sensibilidade cultural obrigatória e treinamento contra o racismo para todos funcionários”.
FreeSports, beIN Sports, TSN e ESPN não responderam imediatamente ao pedido de comentário da CNN.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original, em inglês)