Em versão mais provocativa, Messi incorpora Maradona para levar Argentina ao título
Depois da vitória nos pênaltis contra a Holanda, o astro argentino retornou ao local onde estava Van Gaal para cobrar o treinador e o auxiliar Edgar Davids
Finalizada a dramática disputa de pênaltis contra a Holanda, Lionel Messi é encarado pelo centroavante grandalhão Wout Weghorst no momento em que dava entrevista à imprensa argentina. Irritado, dispara: “Qué mirás bobo?, “Qué mirás? Andá para alla” (“Está olhando o que, bobo? Está olhando o que? Vai para lá”).
“Bobo”, na Argentina, é considerado um insulto grave, comumente utilizado em discussões mais acaloradas. Não é um xingamento infantil, como no Brasil. O jogador holandês alegou posteriormente que só queria a camisa de Messi, mas não convenceu o camisa 10 da Argentina.
No mesmo Holanda x Argentina, Van Gaal foi alvo da irritação de Messi. O craque marcou de pênalti e escolheu comemorar seu gol em frente ao banco holandês.
Parado, levou as duas mãos às orelhas, emulando a mais célebre comemoração de Riquelme, chamada de “Topo Gigio”, na Argentina, em alusão ao ratinho de orelhas enormes, personagem de um programa infantil de sucesso exibido na televisão italiana na década de 1960.
Depois da vitória nos pênaltis, o astro argentino retornou ao local onde estava Van Gaal para cobrar o treinador e o auxiliar Edgar Davids. O treinador holandês havia dito que Messi “não faz a diferença quando está sem a posse de bola” e que sequer relou na bola no duelo entre argentinos e holandeses na Copa de 2014, com vitória nos pênaltis para os sul-americanos.
Essa postura provocativa, as respostas com insultos, a dedicação em campo ao auxiliar os companheiros na marcação, a comemoração efusiva após cada vitória com os torcedores atrás do gol e a liderança que aprendeu a exercer de uns anos para cá em um longo processo não deixam dúvida: no Catar, Messi assumiu sua versão mais argentina e mais maradoniana. Ele está “Diegado”.
“O que faz é não guardar nada. Se algo o incomoda, ele não hesita em se manifestar”, diz ao Estadão o jornalista e escritor Ariel Senosiain, autor de Messi, o Gênio Incompleto, a última das biografias publicadas sobre o craque argentino.
Divisor de águas
Messi já havia evocado uma versão do ídolo Maradona na Copa América de 2019, vencida pelo Brasil, quando atuou como porta-voz da Argentina durante todo o torneio e esbravejou contra a arbitragem.
Chegou até a dizer que a competição estava “armada” para a seleção brasileira. “Me parece que sempre teve esse tipo de reação, mas conseguiu exteriorizar mais com o tempo”, afirma o escritor.
Mas foi no Mundial do Catar que o craque argentino se aproximou ainda mais de Maradona, morto em 2020, em campo e no comportamento. “Dissemos desde o início: Diego está nos empurrando do céu”, disse o atleta, que foi treinado por Maradona em 2010, na Copa do Mundo da África do Sul.
Ele marcou quatro vezes no Catar e superou Maradona em número de gols (10) e partidas (24). Se entrar em campo mais duas vezes no Catar, o que deve acontecer, já que a Argentina tem mais dois jogos no torneio, independentemente do resultado das semifinais, ele se tornará aos 35 anos o jogador com mais jogos em Copas pelo país.
Liderança
Mas Messi nem sempre foi assim. Tinha dificuldades para liderar a seleção de seu país. Há uma década, ou um pouco mais, no período em que não repetia na Argentina as atuações geniais com a camisa do Barcelona, se dizia no país vizinho que o jogador jamais seria idolatrado como Maradona.
Era chamado de “pecho frío”, expressão usada para definir um jogador que não joga com amor, que não tem brio. Essa pecha ele afastou em definitivo com a taça da Copa América conquistada no ano passado sobre o Brasil no Maracanã.
Aquela conquista encerrou um tabu de 28 anos sem títulos. Foi o primeiro troféu de expressão que Messi ergueu com a camisa alviceleste.
O processo para se transformar num jogador “sanguíneo” e passar a ser o principal líder de sua seleção foi longo. Messi tropeçava nas palavras, era tímido, introspectivo. Não gostava e não sabia como se expressar diante de seus colegas.
Na Copa da África do Sul, em 2010, o técnico Diego Maradona deu a braçadeira de capitão para Messi na tentativa de ensiná-lo a ser líder. Os jogadores formaram a roda no túnel antes do jogo. Todos queriam ouvi-lo, mas nada saiu da boca do então jovem de 23 anos.
Senosiain explicou em seu livro, com base em 68 entrevistas, que o comportamento de Messi tinha a ver com a sua criação futebolística no Barcelona. No clube espanhol, o atleta era ensinado a liderar com a bola nos pés. Sem gritos.
“Ele sempre foi um líder pelo futebol porque sempre era ele quem tomava as decisões para assumir o comando. É quem cobra a falta, pênalti, isso também é uma forma de liderar”, explica Senosiain.
A braçadeira de capitão ele carrega em definitivo há mais de uma década. Foi o então técnico Alejandro Sabella que lhe deu em 2011. Ele a tirou de Mascherano, que aceitou com tranquilidade a troca, para passar ao camisa 10.
No caminho até se tornar um capitão e ídolo incontestável em seu país, Messi amargou derrotas, viu o nascimento de seus três filhos e celebrou o título continental ano passado. As intempéries e glórias ajudaram a formar o atual Messi, mais vibrante.
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