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    Ao revelar depressão, Nilmar rompeu barreira no futebol: “É um esporte muito machista”

    Ex-atacante com passagens de sucesso por Inter e Corinthians se aposentou aos 33 anos, após enfrentar depressão

    Beatriz ConsolinBruno Rodriguesda CNN

    Em agosto de 2017, após empate do Santos com o Cruzeiro por 1 a 1, pelo Campeonato Brasileiro, o então atacante santista Nilmar relatou aos médicos do clube ter sentido dormência no lado direito do corpo, com pouca mobilidade no braço.

    O jogador foi encaminhado para exames em um hospital, mas os resultados não mostraram nenhum tipo de problema. A manifestação de incômodo físico, na verdade, foi apenas o estopim de um outro problema que o atleta atravessava. Após consultar os psicólogos do Santos e revelar que, entre outras coisas, já não sentia o mesmo prazer em treinar e jogar, ele recebeu o diagnóstico que explicava a paralisia: Nilmar estava com depressão.

    O copo encheu, transbordou, deixei chegar no limite

    Nilmar, à CNN Brasil

    A princípio, o Santos preferia não tornar público o caso do jogador, mantendo-o integrado ao elenco. Partiu de Nilmar, porém, o desejo de externalizar a situação.

    “O que eu ouvia quando eu estava passando por isso era ‘Vamos proteger ele, vamos falar que ele está com uma lesão’, para não tornar isso público. E isso era pior para mim. Eu precisava tirar esse peso das minhas costas.”

    Depois de comunicar sua depressão, pediu ao Peixe que suspendesse seu contrato durante o tratamento.

    Contratado no segundo semestre de 2017, o atacante, havia assinado vínculo até o fim de 2018. Contudo, em meio ao tratamento, Nilmar pediu a rescisão, acertada em comum acordo com o Santos. Aos 33 anos e com passagens de sucesso por Internacional e Corinthians, o paranaense pendurava as chuteiras e, ao revelar sua luta contra a depressão, tornava-se um símbolo do debate sobre saúde mental no futebol. Um esporte cujo ambiente foi, durante muito tempo, avesso à discussão sobre o tema.

    O futebol, dos esportes, é um dos mais machistas que existe. Em outros esportes de alto rendimento também acontece isso, entendeu? A melhor ginasta do mundo, a americana (Simone Biles), abandonou uma competição por saúde mental, e isso ganhou um outro olhar até mesmo do público, de se preocupar e saber que somos seres humanos e estamos sujeitos a passar por isso. É legal que hoje a gente esteja falando sobre isso e possa estar colaborando


    Confira a entrevista exclusiva de Nilmar à CNN Brasil

    Durante a sua carreira, você lembra de ter falado ou ouvido sobre questões de saúde mental no vestiário em algum momento? Dentro do vestiário é muito difícil de os atletas falarem sobre, porque o futebol é um esporte muito machista, né? Claro que agora a gente está tendo um pouco mais de liberdade de falar sobre o assunto, mas não me lembro um momento em que a gente, dentro do vestiário, falou a respeito. Quando eu jogava era um tabu. A gente tem essa imagem de sermos os super-heróis, os ídolos e tal, jogar em grandes clubes, ser bem sucedido. Como é possível sentir algo que te coloque para baixo, sendo que ali é uma realização do sonho que você tem desde menino?

    Seus companheiros certamente passavam por problemas, mas guardavam para eles mesmos… Eu sou a prova viva, né? Fui um dos que guardei para mim, até mesmo para minha família. Não sabia o que eu estava sentindo e não assumia também que isso seria um problema mental, né? Até mesmo uma depressão. Pelo fato de a gente viver um pouco só também, com muitas viagens, mudança de ambiente, a gente acaba passando por momentos mais tristes durante a carreira, às vezes com uma lesão, e acaba não se ligando e notando que isso pode estar desencadeando algo lá na frente nesse sentido. Mas felizmente é um assunto que, hoje, os clubes estão dando mais atenção para isso. Por mais que em todos os clubes que eu tenha jogado tivesse psicóloga e tudo, era a psicóloga que nos procurava. Hoje isso está mudando.

    E como foi o seu processo de identificar e reconhecer que estava passando por um quadro de depressão? Eu sei que isso se iniciou lá no mundo árabe, quando eu estava no meu último ano [no Al-Nasr, dos Emirados Árabes Unidos]. Comecei a não ter mais vontade de treinar, mas achava que era algo profissional. Jogando em um futebol que não tem muita torcida, é normal o cara relaxar e não ter esse ânimo, essa vontade. Aí quando eu voltei para o Brasil, fui para o Santos. No dia a dia e nos treinamentos eu estava tendo muito desgaste físico, cansaço, e aquela motivação e empolgação de jogar eu estava perdendo. Mas isso eu guardei para mim, por achar poderia ser uma fase e que bastava me recondicionar. Depois de um jogo [contra o Cruzeiro], eu tive uma paralisia do lado direito do corpo e fui para o hospital. Fiz exames por um, dois dias, e não encontravam nada, nada, nada. Me bateu uma tristeza, aí procurei ajuda da psicóloga no Santos, e fui diagnosticado [com depressão]. O copo encheu, transbordou, deixei chegar nesse limite.

    Por que tomou a decisão de tornar pública a sua depressão? Foi difícil, eu sempre falo… A minha carreira foi tão meteórica no início, de ir logo para a Seleção Brasileira e tudo mais. E o encerramento dela também não foi da maneira esperada, né? Eu tinha mais um ano de contrato ainda com o Santos. E fui eu que procurei a rescisão, porque o clube ainda queria que eu retornasse, para me ajudar. Eu que pedi para encerrar o contrato, queria cuidar de mim, tomar um tempo.

    Comecei a não ter mais vontade de treinar, mas achava que era algo profissional. No dia a dia e nos treinamentos eu estava tendo muito desgaste físico, cansaço, e aquela motivação e empolgação de jogar eu estava perdendo

    Nilmar

    Quando você revelou publicamente o caso, de que forma os jogadores receberam a notícia? Todos foram bem solidários nesse sentido, e muitos jogadores com quem eu tinha jogado junto me ligaram, mandaram mensagem. Grandes ídolos que também passaram por esse momento, mas não tornaram isso público. E era com essas pessoas que eu gostava de conversar. Com os atletas eu tinha vergonha de falar, sabe. Era uma coisa muito estranha: ‘Ah, não quero atender. Não quero falar’. Foram seis, oito meses assim… Eu recebia mensagem, respondia, mas não queria atender e conversar por telefone. Foram poucas pessoas com quem falei. Até mesmo com amigos meus de infância, com a família. Achavam estranho eu estar passando por aquilo. Tinha muita ligação ou conversa do tipo: ‘Vamos, força! Tu é forte!’, sabe? Só me fazia mal. Queriam me dar força e apoio, só que não era palavra de apoio que iria resolver, né? Era ajuda de um profissional.

    Logo depois de rescindir seu contrato com o Santos, você optou pela aposentadoria, aos 33 anos. Como chegou a essa decisão? Eu sentei com a minha família, esposa, filhos, e vi que aquilo que eu tinha vivido era muito mais do que eu esperava viver. E para retornar a jogar profissionalmente, seria um sacríficio me recondicionar novamente. Fiz quatro cirurgias de joelho, estando em um país em que a logística não ajuda, muita viagem longa. E aí, eu sempre digo, tomei a única decisão nos 20 anos em que eu joguei futebol que foi totalmente minha, sem envolver ninguém. Sei que fui contrário a 99% das pessoas ao meu redor, porque todo mundo gostaria que eu voltasse. Mas foi uma escolha de vida. Tenho saudade do futebol até hoje, e essa saudade vai ser eterna.

    Algum treinador com quem você trabalhou costumava dar atenção à parte psicológica ou eles também não discutiam isso na época? Hmm, especificamente sobre isso não… Durante toda a minha carreira, um técnico com quem eu tive muito diálogo foi o Tite. Ele era muito bom em gestão de grupo, essa parte mais humana. E o Muricy. Curiosamente foram os dois treinadores que me ligaram e mandaram mensagem [quando eu revelei o quadro de depressão]. Muricy foi meu primeiro treinador como profissional, um paizão. E o Tite, que nos melhores momentos da minha carreira estive com ele.

    Nilmar conquistou cinco Gauchões e uma Sul-Americana pelo Internacional, clube que o revelou
    Nilmar conquistou cinco Gauchões e uma Sul-Americana pelo Internacional, clube que o revelou / Divulgação/Internacional

    Como você esse o tema sendo abordado no futebol hoje em dia? O assunto foi se tornando um pouco mais natural, graças também a vocês [jornalistas], que falam mais sobre. O futebol, dos esportes, é um dos mais machistas que existe. Em outros esportes de alto rendimento também acontece isso, entendeu? A melhor ginasta do mundo, a americana [Simone Biles], abandonou uma competição por saúde mental, e isso ganhou um outro olhar até mesmo do público, de se preocupar e saber que somos seres humanos e estamos sujeitos a passar por isso. A gente está muito longe de naturalizar um pouco mais o assunto, mas acredito que o mais importante é falar a respeito e os próprios clubes também, né, saberem a importância de ter um atleta mentalmente bem. Antigamente, infelizmente, era uma das últimas coisas com as quais se preocupavam.

    De que forma acredita que a sua atitude, de revelar em 2017 que estava com depressão, contribuiu para que o tema passasse a ser mais discutido? As pessoas sempre falam, né? Hoje eu sei que ajuda, foi importante falar sobre o assunto, mas eu ter falado sobre isso na época era para eu tirar uma responsabilidade de mim mesmo, um peso nas minhas costas. Quando se tornou público, minha primeira entrevista sobre o assunto foi depois de um ano. Eu mesmo não tinha vergonha, mas não tinha segurança para falar sobre isso. Hoje falo com naturalidade, estou mais maduro. E é legal que hoje a gente esteja falando sobre isso e possa estar colaborando.

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