Expansão da Copa tem raiz em apoio de países africanos a cartola brasileiro
Aliança entre Havelange e países da África deu início a movimento que levou o número de participantes na Copa do Mundo a dobrar


A Copa do Mundo de 2022, no Catar, marca o fim de uma era iniciada em 1998, quando o torneio passou a ter 32 seleções. A partir de 2026, quando o torneio ocorrerá nos Canadá, no México e nos Estados Unidos, o número de participantes chegará a 48.
O formato com 32 seleções inicialmente divididas em oito grupos de quatro times é o mais tradicional da Copa do Mundo, que teve a primeira ampliação no número de participantes no Mundial de 1982, na Espanha, quando o torneio saiu de 16 para 24 equipes.
O salto de 1982 começou a se desenhar anos antes, na Copa de 1970, quando a Federação Internacional de Futebol (Fifa) concedeu pela primeira vez à África ao menos uma vaga fixa no torneio, sem depender de repescagens, que acabou sendo conquistada por Marrocos.
Ao longo da década de 1960, diversos países africanos se descolonizaram e declararam independência, o que significou o ingresso de diversas federações do continente nos quadros da Fifa muitas vezes no mesmo ano em que ingressavam no grupo de estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU).
Tornados independentes com fronteiras artificiais criadas por europeus e tendo que lidar com conflitos e guerras internas derivadas dessas delimitações, muitos países da África viam no futebol a possibilidade de criar um sentimento de unidade nacional, segundo o historiador José Airton de Farias, do Instituto Federal do Ceará (IFCE).
“Muitos países pobres da África e da Ásia gastavam milhões com estádios e campos de futebol nessa tentativa de dar uma unidade a esses territórios”, afirma Airton de Farias, autor do livro “Uma História das Copas do Mundo: Futebol e Sociedade”, citando a Nigéria, que passou por uma guerra civil no final dos anos 1960, como exemplo.
Atento a isso estava João Havelange, então presidente da Confederação Brasileira de Desportes (CBD). Mirando a presidência da Fifa, o brasileiro fez campanha conquistando apoios na África pregando a ampliação da Copa do Mundo, visando agregar mais participantes de fora do eixo Europa-América do Sul no torneio.
No final dos anos 1960, Havelange fez pontes para excursões do Santos de Pelé à África, inclusive a locais onde ocorriam conflitos armados. E em crédito com o Rei após salvá-lo de problemas financeiros, o cartola fez dele o seu principal cabo eleitoral em visitas ao continente africano para buscar o apoio de dirigentes.
“No sistema de votação para a presidência da Fifa, cada federação tem um voto, e isso favoreceu ao arranjo político promovido por Havelange”, pontua o historiador Maurício Drumond, pesquisador do Laboratório de História do Esporte e do Lazer (Sport) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1958, oito seleções africanas, asiáticas e oceânicas participaram da etapa, contra 27 europeias. Já na etapa qualificatória para o Mundial de 1974, 39 equipes vinham da África, da Ásia e da Oceania – sendo 24 do continente africano, aonde Havelange focou a campanha –, contra 32 da Europa.
“Havelange entendeu muito bem o que estava acontecendo no mundo. Em sua candidatura, impulsionado pela Seleção Brasileira ter se tornado uma potência no futebol, ele conseguiu canalizar esses interesses políticos com o discurso do terceiro-mundismo, muito em voga naquele tempo”, diz Airton de Farias.
O terceiro-mundismo era uma corrente que pregava o apoio e a integração entre países em desenvolvimento não estritamente alinhados aos Estados Unidos e à União Soviética na Guerra Fria – caso de boa parte da África e de metade da Ásia.
Havelange foi aclamado presidente da Fifa em 1974, se tornando o primeiro e único não-europeu a ser eleito para o comando da entidade. Sob o mandato do brasileiro, foi oficializada não só a expansão do Mundial para 16 seleções, mas também para as atuais 32.
Quando o brasileiro chegou na Fifa, a Copa do Mundo tinha três vagas fixas destinadas para seleções de fora do eixo Europa-América do Sul. Quando ele saiu, em 1998, o número havia sido ampliado para 12.
O cartola deixou a presidência da Fifa dias antes do início do Mundial na França, mas seguiu na presidência de honra até 2013, quando deixou o posto em meio a revelações de escândalos de corrupção envolvendo pagamentos de propinas.