A trajetória cinematográfica do modesto Luton Town, da quinta divisão à Premier League

O último final de semana certamente ficará na história dos torcedores do Luton Town, ao ver o clube conquistar o tão desejado acesso à Premier League — mas o caminho não foi fácil.

Em apenas duas décadas, a equipe viveu uma gangorra de mais baixos que altos — envolvendo desde a retomada do clube pela torcida até problemas financeiros —, indo ao ponto máximo conquistado no último final de semana: chegar na elite do futebol inglês.

O clube, que até dez anos atrás disputava a National League (a quinta divisão inglesa), protagonizou no último domingo (28) uma das partidas mais importantes de sua história de 138 anos.

Conhecido como “O Jogo Mais Valioso do Mundo”, o playoff de acesso à elite inglesa garante £ 170 milhões (cerca de R$ 1 bilhão) em direitos televisivos ao clube vencedor. Era esse o peso do confronto entre Luton Town e o Coventry City, que disputavam a última vaga na Premier League da próxima temporada.

Em uma partida que teve contornos épicos, as equipes empataram em 1 a 1 no tempo regulamentar. Nos pênaltis, o Luton superou o adversário por 6 a 5, retornou à elite inglesa após 31 anos e, de quebra, o momento ainda pode representar o ponto de virada na história do clube.

Pioneirismo na Inglaterra

O clube foi fundado em 11 de abril de 1885, na cidade de Luton, que atualmente conta com uma população de pouco mais de 200 mil habitantes.

O time surgiu em um período em que a cidade do sudeste britânico tinha pequenas equipes de bairro, sendo que os principais eram Luton Wanderers e o Luton Excelsior.

Os membros das duas equipes resolveram se fundir para criar uma única equipe que representasse a cidade e, por isso, foi adicionado o “Town” ao nome.

Cinco anos após sua fundação, o Luton Town já demonstrava sinais de modernidade. O clube foi o primeiro de sua região a se tornar profissional, contando desde cedo com jogadores que se dedicavam exclusivamente a jogar futebol.

Altos e baixos

Apesar da visão moderna durante os primeiros anos do clube, a linha progressista não se traduzia nos campos de futebol. Aos 138 anos, o Luton Town venceu apenas sete títulos — todos eles das divisões inferiores da Inglaterra. A glória máxima foi a conquista da Copa da Liga Inglesa de 1988, quando superou o Arsenal.

Nos campeonatos nacionais, o Luton sempre revezou entre a segunda e terceira divisão. O melhor momento do clube, no quesito estabilidade, foi quando conseguiu ficar dez anos seguidos na Primeira Divisão, na década de 1980.

Quando os torcedores pensavam que o time engrenaria de vez, após viver a melhor fase da história nos anos 80, veio o balde de água fria. Logo na virada da década, o time foi rebaixado no Campeonato Inglês e viveu uma de suas piores fases da história.

Na época, o clube ainda convivia com gestões duvidosas e uma dívida milionária. O Luton Town só não deixou de existir porque os torcedores criaram um consórcio para administrar a equipe, evitando a falência.

Mesmo com intervenção da apaixonada torcida, o clube sofreu três rebaixamentos no intervalo de dez temporadas — revezando principalmente nos níveis profissionais mais baixos da pirâmide inglesa.

O pior momento na história do Luton aconteceu na temporada 2008/09, quando sofreu um descenso para a Quinta Divisão — composta por times semiprofissionais do futebol britânico.

A reconstrução foi lenta. O Luton Town só voltou à Football League em 2013/14 e, desde então, fez campanhas consistentes: subiram na quarta divisão em 2017/18 e na terceira em 2018/19.

A boa fase chegou ao principal ponto na atual temporada, quando fez uma campanha surpreendente na Championship. O time somou 80 pontos e alcançou a terceira colocação na competição.

Nos playoffs, passou pelo tradicional Sunderland e o Coventry City para chegar na tão sonhada Premier League.

Desafios na Premier League

Apesar de estar com as contas turbinadas pelo dinheiro das transmissões esportivas para a próxima temporada, o Luton Town tem um desafio tão grande quanto o feito que acabou de realizar: permanecer na Premier League.

Para isso, o modesto clube precisa promover algumas mudanças antes mesmo do início da próxima temporada, principalmente no seu acanhado estádio.

O Kenilworth Road é um modesto estádio com capacidade para pouco mais de 10 mil torcedores. O campo foi construído em volta de uma área residencial no condado de Bedfordshire.

O local é tão inusitado que os torcedores visitantes precisam passar uma situação um tanto quanto cômica para entrar no estádio: a torcida de fora tem que passar pelo jardim das casas ao redor para entrar no estádio.

Luton Town have just won the Championship play-off final.

This is the entrance to our stadium.

Incredible to think this ground will be in the Premier League next season 🤯 pic.twitter.com/QPV3ocSYMN

— Luton Town FC (@LutonTown) May 27, 2023

Por isso, a diretoria do clube afirma que o Luton precisará gastar cerca de £ 10 milhões de libras (R$ 62 milhões) para reformar o estádio, seguindo as normas impostas pela Premier League. Entre as melhorias, ainda incluem a iluminação e setores das arquibancadas do Kenilworth.

História de cinema

Para se comparar à fábula do Luton Town, um jogador do próprio clube “zerou o jogo”, nas palavras dele mesmo, ao acompanhar o time desde os piores momentos da história até o topo do futebol inglês.

No último domingo, o meia congolês Pelly-Ruddock Mpanzu chegou ao ápice da epopeia que se entrelaça com o momento do Luton Town.

O jogador, que chegou ao clube em 2013, é o primeiro a ter disputado todas as divisões do futebol inglês com a camisa de uma mesma equipe.

Acho que zerei o futebol, posso me aposentar. Passei por altos e baixos, mas você tem de acreditar em si mesmo. Aqui estou eu

Pelly-Ruddock Mpanzu

Em entrevista à BBC Sport, o atleta de 29 anos relembrou o início de sua trajetória no clube e a diferença entre cada divisão da Inglaterra.

O jogador ainda recorda que, na sua primeira temporada, jogou diante de públicos que sequer passavam de 2 mil torcedores. Agora, na Premier League, jogará em palcos históricos e arquibancadas lotadas.

Mpanzu ainda é considerado pela torcida como o símbolo do renascimento do Luton. Após chegar ainda na era do semiprofissionalismo ao clube, agora soma mais de 350 partidas e convocações pela seleção congolesa.