Primeira surfista da Índia está mudando a percepção de seu país sobre o oceano
Ishita Malaviya é a primeira surfista profissional da Índia a competir em torneios internacionais
Apesar da abundância de área costeira, longos trechos de praia e ondas em ambos os lados do país, a Índia é tradicionalmente uma nação tímida para o surfe. Na última década, porém, a maré começou a mudar gradualmente.
Ishita Malaviya, a primeira surfista profissional da Índia e uma das pioneiras do esporte em seu país, lembra-se de ter pesquisado “surfar na Índia” no Google em 2007, mas nada apareceu.
Quando ela se iniciou no esporte na universidade, seguindo o conselho de um estudante alemão de intercâmbio, Malaviya estima que havia apenas 13 surfistas profissionais na Índia, uma gota no oceano em meio ao que era então uma população de 1,2 bilhão.
Apaixonada pelo esporte desde o momento em que pegou sua primeira onda, ela e seu parceiro Tushar Pathiyan abriram a Shaka Surf Club enquanto estudavam na universidade em Manipal.
“Lembro-me de sorrir na minha primeira onda, todo o caminho até a costa e todo o caminho de volta para casa da praia”, diz Malaviya à CNN Sport.
No início, ela e Pathiyan compartilhavam uma prancha entre eles antes de começarem a consertar pranchas quebradas de surfistas viajantes que passavam pelo país.
De volta a sua casa em Mumbai, seus amigos e familiares tinham dúvidas sobre seu novo passatempo.
“As pessoas com quem crescemos, nosso círculo de amigos, ficavam tipo, ‘O que vocês estão fazendo? Vocês estão desperdiçando a vida, viraram vagabundos de praia. Eles pensaram que tínhamos perdido o rumo”, diz Malaviya.
“Não tínhamos dinheiro. Nossos pais disseram, ‘Você pode surfar, mas não espere que a gente compre uma prancha para vocês’”.
“Lugar maldito”
Malaviya terminou sua graduação em jornalismo e mudou-se para o litoral para concentrar seus esforços na expansão do Shaka Surf Club, que oferece aulas, aluguel de pranchas e acomodação para pessoas de todas as idades.
Ao longo dos anos, ela não só viu o esporte crescer na Índia (estimando que agora haja algumas centenas de pessoas surfando competitivamente) mas também testemunhou uma mudança na atitude em relação ao oceano, particularmente entre pessoas das comunidades de pescadores que começaram a surfar.
“Eles vêm de gerações de pessoas que olham para o oceano apenas como um lugar de trabalho duro, luta, renda. É algo muito transacional”, conta Malaviya.
“Esta é provavelmente a primeira geração de pescadores da Índia que vai ao oceano e realmente se diverte”.
A indiana aponta para o número de mortes por afogamento na Índia (perto de 33 mil no ano passado, de acordo com um relatório divulgado pelo governo) como um motivo pelo qual as pessoas relutam em considerar o mar um lugar de lazer.
“Há um medo imenso do oceano”, acrescenta Malaviya. “A maioria das pessoas não sabe nadar… A gente olhava e pensava que eles moravam no paraíso, mas eles olham para o oceano como se fosse esse lugar maldito, sabe?”
No Shaka Surf Club, localizado na vila de pescadores de Kodi Bengre, na costa oeste da Índia, o surfe e o skate são gratuitos para as crianças do povoado.
Os voluntários do clube também ensinam atividades como ioga, breakdance, arte ou teatro na escola local. A iniciativa começou quando os professores da escola, que falam a língua kannada, perceberam que os alunos que surfavam falavam melhor inglês do que seus colegas.
“Nós conversávamos com eles em linguagem de sinais e sorrisos e shakas”, diz Malaviya (“shaka” é um gesto de boa vontade entre os surfistas que significa “relaxe” ou “pega leve”).
“As crianças que estavam aprendendo a surfar aprenderam inglês só por falar com a gente”.
Reforçando a representação
Malaviya ganhou reconhecimento além das costas da Índia e no ano passado apareceu na lista da Forbes “30 com Menos de 30” da Ásia, ao lado da estrela do tênis Naomi Osaka e de Samantha Kerr, estrela do futebol do Chelsea.
“É muito surreal”, conta. “Levo uma vida nada glamorosa, moro em uma vila, uma vida muito simples e pacífica. Mas estou muito grata por fazer o que faço com a história que tenho”.
Sua história faz parte de “She Surf” (“Ela Surfa”, sem versão no Brasil), um livro de autoria da colega surfista Lauren Hill que celebra as surfistas de todo o mundo.
Para Hill, que viajou o mundo para contar as histórias das surfistas mais influentes, figuras como Malaviya merecem uma vaga no panteão literário do esporte.
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“A maioria das mulheres com quem fiz o perfil são gente que respeito, admiro e com quem construí algum tipo de relacionamento nos últimos anos”, disse Hill à CNN Sport.
“Na maioria das vezes são mulheres com quem surfei e admiro pela proficiência técnica. Quero vê-las reconhecidas como grandes atletas e contribuintes para a cultura que realmente são”.
Lauren Hill continua: “Ainda é muito raro as mulheres serem incluídas na mídia de surfe. Se você considerar o fato de que as mulheres representam cerca de 30% dos surfistas em lugares como os EUA, a representação não se parece em nada com 30% das imagens do surfe. Especialmente se você olhar as capas de revistas de surfe, ainda é incrivelmente raro ver uma mulher conseguir uma capa de uma revista importante”.
“Importância do jogo”
O surfe terá um salto histórico no próximo ano, ao fazer sua estreia olímpica em Chiba, na costa do Pacífico, no Japão.
Para surfistas competitivos, será uma chance de mostrar seu esporte em um cenário global. Mas desafios também virão.
“Não dá para garantir que terá surfe, não é assim que funciona”, diz Hill, que surfou competitivamente antes de iniciar a carreira de surfista livre, escrevendo e documentando a cultura do surf e sua intersecção com tópicos como feminismo e meio ambiente.
“O desafio do surfe, mas também sua beleza, é que você tem que acordar e responder aos acontecimentos no mundo vivo ao seu redor. Não é como quase todos os outros aspectos da vida moderna, onde você pode planejar em um infinito incerto”.
A introdução de piscinas de ondas que produzem ondas regulares e previsíveis longe do oceano têm feito parte de um esforço para tornar o surfe mais fácil de programar.
“Muitos surfistas diriam que algo fica de fora quando você tem uma versão perfeitamente mecanizada de um esporte (ou arte) que se baseia na espontaneidade e na selvageria do oceano”, observa Hill.
“É montar sobre as ondas … É uma disciplina diferente, o que também é interessante. Não acho que seja ruim, só acho que é uma expressão diferente”.
Como o esporte busca evoluir competitivamente, para pessoas como Hill o simples impulso de tirar proveito da natureza sempre será o maior atrativo do surfe.
“Isso me lembrou da importância absoluta das brincadeiras e como tendemos a perder esse sentido na vida adulta”, comenta.
“Isso só me ajuda a me lembrar de não me levar tão a sério. Quando a gente surfa, a gente vai certamente cair, se sentir humilde frente ao oceano; é uma força poderosa e é tão boa em nos colocar no nosso lugar em todas as fases de nossas vidas”.
A milhares de quilômetros da costa da Flórida, onde Hill aprendeu a surfar, a mesma alegria tomou conta de Malaviya quando ela pegou sua primeira onda, 13 anos atrás.
“Crescendo na Índia, há muita pressão sobre você geralmente porque a população é super competitiva. E então, sendo uma mulher, somos forçadas a crescer muito cedo. Por causa de toda essa pressão, para estudar e se sair bem na escola, essa ideia de brincar meio que desapareceu da minha vida”.
“Quando vim aqui e comecei a surfar, pela primeira vez em muito tempo, senti-me novamente como uma criança.”
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).