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    Em busca do tri, Palmeiras relembra o ‘Pai da Bola’, símbolo da conquista de 1951

    Para historiadores, Waldemar Fiume, morto há 25 anos e ídolo da conquista da Copa Rio de 70 anos atrás, personifica a concepção de Academia do clube e a palestrinidade

    Marco Justo Lossocolaboração para a CNN

    Referência técnica, conduta de atleta exemplar, respeito, liderança, emblemático, herói taciturno, líder carismático… São tantas as definições de Waldemar Fiume que enquadrá-lo em uma classe apenas não é suficiente. Talvez a que mais represente seu legado para o Palmeiras e para o futebol brasileiro é a alcunha de “O Pai da Bola”.

    No dia da final da Libertadores entre Palmeiras e Flamengo, em Montevidéu, a CNN traz a história de um ídolo de cada clube para falar do futebol historicamente vitorioso dos finalistas. (Leia a de Cláudio Coutinho, do Flamengo, aqui)

    Fiume defendeu o Palmeiras por 17 anos, de 1941 a 1958, participando da transformação do Palestra Itália em Palmeiras, em 1942. Fez parte do esquadrão que levantou a Copa Rio de 1951, vencendo Juventus de Turim e Vasco na mesma competição, e considerada o Mundial de 1951 pelo clube. Recebeu o apelido de “O Pai da Bola” do jornalista Thomaz Mazzoni, da Gazeta Esportiva, segundo a oralidade passada pelos antigos torcedores e memorialistas.

    A qualidade do seu jogo e sua capacidade tática para atuar em diversas posições estão entre as maiores da história do esporte. O atestado da grandeza: Fiume está imortalizado com um busto de bronze no Parque Antártica ao lado de outras lendas alviverdes, como Ademir da Guia, Junqueira e Oberdan Cattani.

    “Waldemar Fiume, não só pra mim, mas da ótica do historiador e do sentimento do palestrino do passado, é uma referência. É o arquétipo do ídolo”, afirma Fernando Razzo Galuppo, historiador e um dos mais importantes memorialistas do Palmeiras.

    Para Galuppo, Fiume, que faleceu em 6 de novembro de 1996, há 25 anos, deixou um legado na esteira de outros ídolos do passado do Palestra Itália. Assim como Bianco Spartaco Gambini, líder da equipe nos anos 1920, capitão, tal qual Fiume, que ajudou a definir um sentido de longevidade, de lealdade no clube.

    Motivos para que Fiume seja considerado um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro sobram. A trajetória com a camisa verde foi encerrada há 63 anos, em um clássico contra o São Paulo, em 17 de setembro de 1958.

    Historicamente, Fiume é o 3º jogador que mais vezes entrou em campo pelo Palmeiras/Palestra Itália.

    Waldemar Fiume é uma referência. É o arquétipo do ídolo

    Fernando Razzo Galuppo, historiador e um dos mais importantes memorialistas do Palmeiras

    Quando pendurou as chuteiras, era o detentor do recorde de maior número de partidas pelo clube, com 620 atuações. Bem mais tarde, foi ultrapassado por Ademir da Guia (902); e Leão (621). Em seguida, logo atrás de Fiume, vem Dudu, o craque das décadas de 1960 e 1970 (não o atual atacante), com 615 jogos.

    Além disso, Fiume é o 2º maior vencedor em toda história alviverde. Esteve em campo em 352 vitórias da equipe – o mais vitorioso até o surgimento da “Academia”, quando foi ultrapassado por Ademir da Guia (513 vitórias).

    Futebol da Academia e Palestrinidade

    Seria Fiume um símbolo precursor da Academia, a continuidade de uma estirpe de craques elegantes, técnicos e polivalentes? Ou o significado inicial da formação da idolatria no Palmeiras?

    “Fiume representa o Palmeiras na sua origem. Da formação de uma idolatria, na potência máxima de um jogador de futebol. Ganhar esse epíteto de ‘Pai da Bola’ mostra que ele tinha uma perfeição no que fazia”, opina Diógenes Sousa, historiador e doutorando em História Urbana de São Paulo na PUC.

    “Ele atuou em várias posições e atuou muito bem. E jogou sempre no Palmeiras. Fiume é o símbolo da Academia que chegaria na próxima década.  Da seriedade, da referência. O ‘Pai’ (da Bola) tem de dar o exemplo, né?”, completa Diógenes.

    Já Galuppo acredita que Fiume é a continuidade de um estilo de jogo consagrado pelo Palmeiras que já era Academia lá nos anos 1920.

    “O termo Academia, tipo de jogo do início dos anos 20, foi incorporado na figura do Bianco (Gambini). A Academia – estilo do Palestra desde o início – era oposto ao estilo brasileiro, o chamado dribbling game, composto pelo jogo do improviso, do drible, da jogada individual”, reforça Galuppo.

    O Palestra Itália aplicava na época um jogo de cadência, de passes curtos, de elegância, jogo europeu, italiano. E Fiume é o sucessor da escola de jogo de Gambini, depois sucedido por Ademir da Guia. “Três figuras que representam o estilo acadêmico, a polivalência”, conclui o memorialista.

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    O Palestra como escola de jogo tem um conceito muito definido na sua história. Fiume, Dudu (anos 1970), Ademir, Cesar Sampaio (1990), o 5 e o 10. Tem um encaixe, um denominador comum. Um eixo de equilibro defensivo (5) e um eixo ofensivo (10).

    “Padrão da Academia. Para que as virtudes dos jogadores mais técnicos consigam se potencializar”, explica Galuppo.

    Fiume foi expulso apenas em uma partida, contra a Portuguesa. Padrão de conduta, não reclamava de juiz e de companheiros de time.

    “Ele representa, como ninguém, a palestrinidade. A aura da Academia. Servir como referência, dar continuidade a um estilo de jogo no Palmeiras, encarar equipes da Europa. Muito talento para personificar isso tudo. Essa aura histórica do clube é por conta do Fiume e das próprias Academias”, aponta Diógenes.

    Busto logo após despedida

    Fiume está entre os poucos jogadores do futebol brasileiro a receber uma homenagem tão próxima à sua despedida oficial dos gramados. Além dele, apenas Neco, que jogou no Corinthians dos anos 1910 a 1930, recebeu a homenagem ainda jogando.

    Em outubro de 1958, em uma cerimônia no estádio Palestra Itália, um mês após sua despedida, Fiume entrou em campo antes de Palmeiras e XV de Piracicaba para se despedir da torcida. Deu a volta olímpica ao lado dos jogadores juvenis e foi aplaudido quando passou pela fila dos dois times adversários daquela tarde.

    Ao assistir ao duelo da tribuna, Fiume não sabia o que estava reservado para depois da partida. Quando o jogo acabou, ele foi convidado a comparecer aos jardins do estádio. Estava descendo as escadas ao lado da mulher e do filho (à época com 10 anos), já com a bola do jogo, e se deparou com seu busto. Era a estátua do Pai da Bola.

    Busto de Waldemar Fiume no Parque Antártica: honraria para poucos ídolos / Divulgação/Palmeiras

    Uma controvérsia sobre o busto é que a homenagem quase foi retirada das dependências do clube.

    “Ele decidiu parar, pendurar a chuteira e recebeu a homenagem. Busto do lado do Junqueira. Mas depois que ele jogou pelo Bragantino, no ano seguinte, numa equipe que era praticamente uma filial do Palmeiras, com Milton Buzetto, entre outros, muitos queriam retirar o busto de Fiume do clube. Mas as vozes foram abafadas e ninguém voltou a cogitar o assunto”, explica Galuppo.

    Personagem de rádio e Acadêmico, sempre

    Fiume começou como atacante, recuou e, na decisão do Paulista de 1947, assumiu a posição de meio campista de fato. E se tornou um grande jogador. Anotou 27 gols com a camisa alviverde. Além de participar do histórico título de 1951, Fiume conquistou o Rio-São Paulo também de 1951, o Torneio Campeões do Rio-São Paulo de 1947 e os Paulistas de 1942, 1944, 1947 e 1950.

    Surgiu na Várzea do Glicério, filho de pai italiano, Francesco, e mãe brasileira, Estephânia. Retrato de uma época em que o futebol mostrava seus craques em inúmeros campos da várzea paulistana.

    “No Palestra, ele jogou com Mazolla. Meu pai era corintiano e fazia referências ao Fiume. Era um curinga. Centro médio que jogava com a cabeça erguida. Comparo ele ao Falcão (Inter e seleção de 1982), ao Roberto Belangero, no Corinthians, ao Dino Sani, no São Paulo”, descreve o jornalista Celso Unzelte, autor do Almanaque do Palmeiras, ao lado de Mário Sérgio Venditti.

    A popularidade de Fiume era tão grande que, mesmo depois de se retirar dos gramados, virou até personagem de programa humorístico de rádio pós-jogo, famoso em São Paulo entre os anos 1960 e 1980.

    “No Show de Rádio, programa conduzido por Estevam Sangirardi, os personagens eram torcedores dos clubes. Os do Palmeiras eram a Noninha e o Comendador Fumagali. E eles tinham um cachorro, que era chamado de “Wardemar” Fiume, o que mostra como Fiume, ainda nos anos 80, era popular”, explica Unzelte, que lembra também do bode “Baltazar”, no mesmo programa, em homenagem ao atacante do Corinthians.

    Função cerebral, atleta que “enxergava” o campo, Fiume era o tipo de jogador confiável. Nenhum técnico pensava em mexer na posição dele. Não tinha problemas para renovar seu contrato. Jogava em uma posição exposta e era muito disciplinado. Era o responsável pela cadência do time, mesmo quando alguns elencos já não tinham mais essa cadência. Representante genuíno do jogo acadêmico.

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