Confederação e nadadoras criam canais para envio de denúncias de abuso
A intencão também é conscientizar o público sobre os episódios de assédio que ocorrem na natação
A CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) possui, no momento, 11.191 nadadores registrados por federações de seus estados. São 6.686 do sexo masculino e 4.505 do sexo feminino, sendo 4.722 apenas das categorias Infantil e Juvenil.
No final do mês de setembro, o órgão criou um e-mail exclusivo para receber relatos de assédio sexual contra atletas: assedio@cbda.org.br. A única pessoa que tem acesso às denúncias enviadas é a ex-nadadora da seleção brasileira e vice-presidente do Comitê de Ética, Mariana Brochado.
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Segundo Brochado, desde setembro, apenas uma denúncia foi relatada e encaminhada.
“A gente entrou com processo ético dentro da Confederação, teve depoimento da vítima, de testemunhas. A gente já fez a denúncia, já intimou o acusado. Não vai virar só estatística aqui dentro da CBDA”, afirma. De acordo com a dirigente, as devidas providências serão tomadas.
A ideia de ter nadadoras como escuta ativa para vítimas de abusos é um caminho que ajuda a dar coragem para quem busca denunciar. Desde 31 de agosto, o Comitê Feminino da Natação Brasileira criou uma conta no Instagram (@comitefemininonatacao) para apoiar e incentivar nadadoras e profissionais envolvidas no esporte.
A iniciativa conta com mais de 180 nadadoras e ex-nadadoras de todo o país. A intencão também é conscientizar o público sobre os episódios de assédio que ocorrem na natação. Elas já receberam mais de de 50 relatos anônimos.
“Infelizmente, os abusos são naturalizados. E a gente não se sente segura em falar sobre isso com uma figura masculina, que é o que, de fato, acontece. Por isso, colocamos posts de relatos reais anônimos de casos de abusos e assédio com frases que elas escutam e assédio físico também”, diz Vitória Póvoa, uma das nadadoras à frente do movimento.
Em dezembro de 2018, quando tinha acabado de fazer 18 anos, ela revela ter sido assediada pelo assistente do seu técnico, na época, em Palmas, capital do Tocantins. “Eu estava saindo de um treino na piscina, às 9 horas da manhã, e esse cara falou para mim que eu era muito gostosa e que tinha muito cara de safada e que o sonho dele era ficar comigo.
Depois disso, ele tentou me beijar. Eu denunciei, falei para o clube, aí de início falaram que iam investigar e foram aparecendo outros casos e ele foi demitido. Mas, no começo, eles duvidaram de mim, o que mostra a importância de nos apoiarmos e acreditarmos na fala de uma mulher”, conta.
Para a promotora de Justiça, Gabriela Manssur, que trabalha, há 20 anos, na defesa e promoção dos direitos das mulheres, é importante que essas garotas busquem justiça e não só uma condenação, mas a justiça que é devolver à vítima de violência, a dignidade que lhe foi tirada.
“Em qualquer ato de violência contra a mulher, principalmente nos casos de abuso sexual que são comprovadamente os que deixam as maiores sequelas, muitas vezes consequencias irreparaveis na vida e na alma dessas mulheres, é importante que elas busquem justiça, denunciem e peçam apoio. Também tenham todo acolhimento necessário dos pais, dos amigos, das pessoas do ambiente de trabalho, de estudo e da sociedade brasileira”, disse.
“Porque hoje são elas, amanhã, pode ser qualquer uma de nós. Podem ser nossas filhas, nossas netas, nossas amigas e nós temos que prevenir essa violência. E uma das formas de prevenção é mostrar que a justiça é forte, que a justiça é séria e que a lei é aplicada a qualquer pessoa”, concluiu a promotora.
Segundo a psicóloga Betânia Farias, um dos principais danos em casos de abusos de técnicos contra suas alunas é o da quebra de confiança que antes havia.
“Houve uma confiança que foi violada, houve uma traição. E o resultado disso não é que o abusado, a pessoa que foi abusada, escolhe em quem não vai mais confiar. Passa a operar dentro dela uma desconfiança nos relacionamentos, uma desconfiança nas pessoas, uma desconfiança nelas próprias, na própria capacidade uma dificuldade com a auto-estima. Então, ela vai gerando uma série de outras questões que vão afetando a vida da pessoa, logo após o abuso, mas, às vezes, ao longo de uma vida inteira.”, explica.