Adiamento da Olimpíada impõe desafio logístico e traz incerteza para atletas
Mudança de jogos em Tóquio em razão de pandemia do coronavírus também representa grande impacto financeiro
Com a poeira ainda baixando após a decisão de adiar as Olimpíada de Tóquio para o próximo ano, os organizadores agora enfrentam um desafio inédito. Em três ocasiões no passado (todas por causa das guerras mundiais) os jogos foram cancelados, mas nunca alterados dessa maneira.
“Se eu tivesse uma hora de folga para com conversar você e você tivesse espaço para preencher seu bloco de notas, acho que nem assim daria para explicar a enormidade desse projeto”, disse no início da semana o presidente da World Athletics, Sebastian Coe, que liderou o projeto da Olimpíadas de 2012, para Becky Anderson, da CNN.
“Não há gestão de projetos que seja mais desafiadora na vida de qualquer cidade ou país, em circunstâncias normais, do que a realização dos jogos”.
Na quinta-feira, uma força-tarefa chamada “New Start Tokyo 2020” foi criada assim que a nova data da Olimpíada foi revelada. Então, o que estão fazendo agora os organizadores, atletas e demais partes interessadas?
Financiando a mudança
Não há dúvida de que o cancelamento dos jogos em meio ao surto de coronavírus — que o Comitê Olímpico Internacional (COI) insistiu que não traria problemas — resultaria em perdas financeiras catastróficas.
O adiamento também acarretará “um enorme custo adicional”, de acordo com Toshiro Muto, CEO da Tóquio 2020. Isso inclui a contratação de espaços, armazéns e funcionários daqui a um ano e o cumprimento dos milhares de contratos que foram assinados antes do evento.
Os organizadores disseram em dezembro que o custo para sediar a Olimpíada era de 1,35 trilhão de ienes (12,35 bilhões de dólares), e que patrocinadores, seguradoras e emissoras de televisão também comprometeram bilhões nos jogos. O pagamento por esses investimentos será agora suspenso.
“Todos sabemos do atraso na renda real que pode vir e os reembolsos que devem ser feitos para reservas”, contou Kenneth L. Shropshire, diretor da Wharton Sports Business Initiative na Universidade da Pensilvânia, que participou do comitê organizador da Olimpíada de 1984.
“Os hotéis também contavam com a receita, e recusaram outros tipos de reservas. É uma situação arrasadora. A ideia em geral é eventos como os jogos são feitos por governos. Não é um fundo mútuo, não se supõe que haja retorno sobre todas as coisas; quer-se apenas fazer algo ainda maior do que era imaginado”.
Aumento dos gastos à parte, também pode haver consequências políticas com o adiamento. Com as eleições gerais japonesas agendadas para outubro de 2021, o atual governo, que acolheu a Copa do Mundo de Rugby no Japão no ano passado, pode adiar o impacto positivo de sediar uma Olimpíada.
“O governo de Shinzo Abe fez uma grande jogada política baseada no esporte, que deveria dar um retorno positivo durante as eleições do próximo ano”, disse Simon Chadwick, professor de esporte eurasiano da EMLyon Business School, em Paris.
“No entanto, agora, o partido no poder pode não estar mais no governo para colher os impactos econômicos positivos que possam ser gerados ao sediar o megaevento. O país estava prevendo um aumento no PIB por sediar os jogos. Esse ganho viria de, por exemplo, gastos em hotéis, alimentação, visitas a atrações turísticas e assim por diante. Claramente, o adiamento atrasará o ganho, mas é provável que isso tenha ramificações para muitos no Japão”, explicou o professor Simon.
Como os atletas se qualificarão?
Os atletas que gastaram uma enorme energia física e emocional se preparando para as Olimpíadas agora são forçados a esperar mais um ano.
Contemplar uma temporada com menos eventos competitivos é uma coisa, mas, para os atletas olímpicos, há a questão adicional de como se qualificar novamente para o evento do próximo ano.
“Formar uma equipe olímpica e qualificar são coisas que estão em constante revisão”, disse Kenneth Shropshire, que atuou no conselho de vôlei dos EUA.
“Agora é preciso acrescentar algo mais na equação: para aqueles esportes com atletas já qualificados, existe alguma isenção ou eles têm um caminho de qualificação mais curtos? Ou vai ser assim, nada aconteceu e vamos fazer a qualificação novamente? Acho que deve haver algum tipo de declaração definitiva para isso. Para os atletas, o que aprendi é: apenas nos dê certeza de como nos classificamos e participaremos”.
A situação ficou particularmente difícil para os atletas mais velhos que esperavam se aposentar após os jogos deste ano, ou para os atletas que desafiavam as expectativas de qualificação. Além do aspecto esportivo, competir nas Olimpíadas pode trazer benefícios financeiros.
“Esses atletas passaram a vida se preparando para 2020, para o verão de 2020. E agora dizem: ‘Volte em um ano, vamos ver o que acontece’”, disse Richard Sheehan, professor de finanças da Mendoza College of Business da Universidade de Notre Dame, especializada na economia do esporte.
“É uma pergunta tremendamente difícil de responder e eu não acho que haverá uma abordagem única para todos”.
Conflitos no calendário
A Olimpíada se junta à UEFA Euro — evento internacional do futebol europeu — em 2021, em um calendário esportivo já lotado. Os campeonatos mundiais de natação no Japão devem ocorrer no final de julho de 2021 e os campeonatos mundiais de atletismo no Oregon, EUA, estão agendados para o início de agosto — na mesma época em que a Olimpíada agora acontecerá.
Ambas competições concordaram que estão preparadas para encontrar datas alternativas. Coe, que se refere à mudança dos jogos como uma “matriz monstruosamente complicada”, disse que reagendar o campeonato mundial de atletismo para 2022 é uma alternativa possível.
No rugby, a Copa do Mundo Feminina está programada para ocorrer entre setembro e outubro, e as novas datas olímpicas podem dar a várias jogadoras a difícil decisão de escolher entre competir pelo ouro do Rugby Sevens ou pelo título da 15a Copa do Mundo.
Depois, há a questão da programação de transmissão. A NBC, por exemplo, se apoia fortemente na Olimpíada para sua receita. A emissora também perderá um meio de promover seu novo serviço de streaming, Peacock, neste ano.
No entanto, para empresas como a NBC, o adiamento é claramente preferível ao cancelamento e, quando se trata de espaço publicitário, pode haver benefícios em adiar para 2021.
“Seria muito, muito desafiador fazer qualquer coisa útil (neste ano)”, desabafa Richard Sheehan. “Quando você assiste televisão agora, os anúncios geralmente foram comprados um ou dois meses antes e estão totalmente fora de lugar. Ninguém está comprando carros usados ou procurando serviços jurídicos agora. Com a Olimpíada, se ela fosse realizada este ano, os anunciantes precisariam executar uma manobra muito mais estreita do que seria apropriado. Para o próximo ano, acho que a situação será completamente diferente “.
Mais telespectadores?
O professor Richard Sheehan acrescenta que a relutância em viajar como resultado do coronavírus pode levar menos pessoas a visitar Tóquio — e fazer com que muita gente veja os jogos em casa.
“As viagens pelo mundo devem aumentar até lá, mas, mesmo assim, haverá uma tremenda redução, dependendo do fato de existir ou não uma vacina em breve”, relata.
“A data de renovação para a Olimpíada é provavelmente o mais cedo possível assim que uma vacina esteja disponível. Mas isso reduzirá drasticamente a quantidade de viagens ao Japão. O outro lado é que acho que você terá mais olhos voltados para os Jogos Olímpicos, e uma audiência maior na televisão do que seria de esperar”.
Embora os Jogos estejam mudando para 2021, eles manterão o título de Tóquio 2020. Talvez seja uma decisão deliberada — um meio de lançar luz positiva em um ano que será lembrado pela pandemia e seu impacto devastador.
“Cada uma das Olimpíadas teve seu próprio sabor”, diz Richard Sheehan. “Os japoneses têm uma tremenda possibilidade aqui de mudar as coisas e dizer: ‘Ei, 2020, temos esperança’ … É assim que eles podem destacar essa situação e criar um momento muito especial”.