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    “Vale ser honesto no Brasil?” Trilogia de Gilberto Braga tentou responder

    Novelas ”Vale Tudo” (1988), “O Dono do Mundo” (1991) e “Pátria Minha” (1994) despontaram no horário nobre com temas como corrupção e falta de ética

    Marcio Tumen Pinheiroda CNN , em São Paulo

    Nos idos dos anos 80, Gilberto Braga jantava com familiares quando uma cena marcou decisivamente sua carreira.

    O autor presenciou seu padrinho, um delegado de classe média, ser xingado de “medíocre e babaca”.

    O motivo? Ele ter servido anos em postos de fronteira em Foz do Iguaçu (Paraná) e Belém (Pará) e ter retornado ao Rio sem ao menos um apartamento na Avenida Vieira Souto, orla de Ipanema, um dos endereços mais nobres do Rio de Janeiro.

    “Tenho muito orgulho em saber que ele [meu padrinho] não foi corrupto. ‘Vale Tudo’ nasceu dessa discussão”, explicou Gilberto Braga, em depoimento ao Projeto Memória, da Globo. Braga morreu nesta terça (26), aos 75 anos.

    “Foi a única novela em que, antes de ter a história, eu já tinha a temática. Eu queria fazer uma novela sobre o seguinte assunto: ‘Vale a pena ser honesto num país onde todo mundo é desonesto?’, contou no livro “Autores – Histórias da Teledramaturgia”, (editora Globo).

    Em “Vale Tudo”, a pergunta sobre honestidade valia tanto para a heroína Raquel Accioli (Regina Duarte) – criticada por ser amante de um homem casado, Ivan Meireles (Antonio Fagundes) – como para a inescrupulosa Odete Roitman (Beatriz Segall), que fechava negociatas imobiliárias com candidatos a prefeito, mandava envenenar alimentos dos restaurantes da inimiga Raquel e subornava quem precisasse.

    A atriz Beatriz Segall, que interpretou Odete Roitman em “Vale Tudo”, durante entrevista na capital paulista / Foto: Thiago Teixeira/Estadão Conteúdo

    “Vale Tudo” tentou tirar do noticiário o monopólio do tema corrupção, mas o Brasil de 1988 não permitiu. No Congresso, o folhetim se deparava com outro campeão de audiência: a CPI da Corrupção.

    A Comissão foi criada para investigar denúncias de cobrança de propina para liberar verbas federais, com suspeitas sobre o secretário particular e ex-genro do então presidente José Sarney (MDB).

    O relatório final, apresentado em outubro de 1988, pediu o impeachment de Sarney e dos ministros Antônio Carlos Magalhães, das Comunicações, e Maílson da Nóbrega, da Fazenda. Mas tudo acabou arquivado.

    A trilogia de Gilberto Braga seguiu com “O Dono do Mundo” (1991) e seu impactante primeiro capítulo: o conceituado cirurgião Felipe Barreto (Antonio Fagundes) aposta uma caixa de champagne com seu secretário particular. O desafio era conseguir tirar a virgindade da noiva (Malu Mader) de um dos seus funcionários.

    E consegue, para revolta do público. A audiência caiu e o roteiro precisou ser modificado.

    Além da rejeição do público, “O Dono do Mundo” sofreu um baque na concorrência direta com “Carrossel” – exibida no SBT, após a Globo rejeitar os direitos de transmissão da mexicana Televisa.

    Nem depois disso Gilberto Braga pegou leve. Até o experimentado Tarcísio Meira sentiu.

    “Sempre que faço uma novela o público costuma me tratar nas ruas pelo nome do personagem que estou interpretando. Agem assim até quando não encarno o mocinho da trama. Só uma novela fugiu à regra: ‘Pátria Minha’”, disse o ator, que dava vida ao vilão Raul Pelegrini em entrevista à “Folha de S.Paulo”, em novembro de 1994.

    Beatriz Segall e Regina Duarte em cena de “Vale Tudo” / Reprodução/TV

    Em “Pátria Minha” (1994) – última obra da trilogia com foco na corrupção – o personagem de Tarcísio Meira tenta subornar uma estudante, Alice (Claudia Abreu), que testemunha um atropelamento causado diretamente pelo empresário. Ela recusa o dinheiro e a partir daí o roteiro se desenrola.

    Se a ficção deixa em aberto a resposta sobre valer a pena ser honesto no Brasil, os números de uma pesquisa dão o tom do desafio.

    O Brasil é o 15º mais desonesto do mundo, no ranking de 40 países, segundo pesquisa publicada pela revista Science em 2019.

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