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    The Cure lava a alma dos fãs e encerra ótima edição do Primavera Sound SP

    Evento foi marcado pelo calor intenso e shows de Pet Shop Boys, Beck, Killers e Marisa Monte, que celebrou Rita Lee

    Banda The Cure se apresenta no último dia do Primavera Sound São Paulo
    Banda The Cure se apresenta no último dia do Primavera Sound São Paulo EMERSON SANTOS/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

    Alexandre Matiascolaboração para a CNN

    O coro uníssono que entoou o refrão da última música do The Cure, banda inglesa que encerrou a segunda versão paulistana do festival Primavera Sound neste fim de semana, foi um retrato da ótima edição do evento catalão em terras brasileiras. O público ainda comparecia em peso mesmo no final do domingo à noite e ampliava o refrão de “Boys Don’t Cry” que o vocalista Robert Smith – com sua voz ainda impecável, mesmo 40 anos depois – puxou no final de mais de duas horas de apresentação, fazendo o público encarar a longa volta pra casa do Autódromo de Interlagos com a alma lavada.

    O Cure dominou o público sem maiores dificuldades e confirmou sua importância como principal atração do festival fazendo vários de seus hits serem cantados a plenos pulmões – ao mesmo tempo em que convidava o público às suas viagens instrumentais em canções com quase dez minutos sem dispersar a atenção dos presentes, todos olhando fixos e sorridentes para o palco. Entre as poucas novidades no repertório da atual turnê pela América Latina, só a inclusão de “Charlotte Sometimes” (que só tocaram em três dos seis shows) e “Hot Hot Hot!!!” (que só foi tocada em São Paulo, talvez por conta da temperatura do evento). O resto das mais de duas horas de show contou com clássicos como “Pictures of You”, “Lovesong”, “Just Like Heaven”, “In Between Days”, “The Walk”, “Friday I’m in Love” e “Close to Me”. A banda estava em ponto de bala e Robert Smith claramente feliz com o show.

    Não foi o único show do tipo a ter esse tipo de resposta. A multidão cantando o refrão de “Domino Dancing” dos Pet Shop Boys, entrando em transe com Slowdive e se acabando no show dos Killers no sábado e o repetindo o refrão de “Loser” do Beck e cantando todas as músicas do Bad Religion no domingo também foram grandes momentos do fim de semana. As brasileiras melhor posicionadas na escalação – Marisa Monte e Marina Sena, que tocaram no fim da tarde do sábado e do domingo respectivamente – também tiveram esses momentos, embora a veterana carioca tivesse uma oferta muito maior de hits para o público cantar junto.

    Marisa ainda proporcionou um dos momentos mais emocionantes da edição ao quebrar a quarta parede de sua apresentação e interagir com o público, problema que afeta a maioria de seus shows, em que parece encastelada numa redoma. E o fez de forma apaixonada ao receber o muso e parceiro da saudosa Rita Lee, o guitarrista Roberto de Carvalho, para tocar duas músicas: “Doce Vampiro”, que acabou de regravar, e “Mania de Você”.

    A sintonia entre público e artistas, característica também da edição de 2022 do festival, marcou a versão deste ano que teve vários momentos de mútua interação e vocais em inglês cantados a plenos pulmões por um público brasileiro extasiado com a música. Embora tenha sofrido com o decréscimo de artistas contemporâneos (os maiores nomes da edição deste ano poderiam ter liderado um evento semelhante quinze ou vinte anos atrás), a conexão entre o palco e a audiência poderia ter desandado caso o festival não funcionasse tão bem – mesmo em condições adversas.

    Os quase 30 graus na hora em que o Cure encerrou sua apresentação – isso onze da noite de um domingo – foi uma pequena amostra do calor inclemente que rachou os cocurucos dos fãs e o rosto de boa parte dos artistas durante o sábado e domingo. As poucas nuvens no céu e as poucas áreas de sombra colocaram o público debaixo do sol forte em grande parte do festival, que abriu suas portas ao meio-dia nos dois dias, obrigando fãs das bandas brasileiras que abriram o festival, como Getúlio Abelha, Mateus Fazeno Rock, Sophia Chablau & Uma Enorme Perda de Tempo e Aiyé, a torrar debaixo de um calor de mais de 35 graus.

    Foi um desafio para a produtora T4F, que assumiu a produção da versão paulistana do festival de Barcelona este ano, realizado logo após o trágico fiasco que foram os shows cariocas de da turnê de Taylor Swift no Brasil. O calor absurdo da ocasião – que culminou com a morte de uma fã e centenas de pessoas no ambulatório – misturou-se com a proibição que a empresa estabeleceu sobre o público levar água e alto preço dos produtos, inclusive de água, durante o evento.

    A edição do Primavera Sound São Paulo deste ano foi uma resposta que a própria empresa deu ao desastre carioca. Além de não impedir que o público entrasse com suas próprias garrafas de água, outras tantas foram fartamente distribuídas durante o evento, principalmente para quem estava próximo aos palcos e não queria sair dali para ficar perto do ídolo. Além de distribuir água, o festival também criou pontos de hidratação – divulgados nos telões entre os shows – e até providenciou protetor solar para o público encarar o sol. Mas mesmo com esses bem vindos paliativos (pena que precisou que alguém morresse para que esses parâmetros mudassem), a falta de locais com sombra e a localização de dois palcos que colocavam os artistas para tocar olhando para o sol reforçaram o calor intenso como a principal marca desse Primavera.

    Outro ponto positivo foi a arquitetura do evento. Ao contrário de outros grandes eventos de música realizados no mesmo Autódromo de Interlagos, o Primavera Sound paulistano não criou corredores que funcionavam como gargalos para o público atravessar estandes de patrocinadores entre um palco e outro, criando situações insuportáveis para multidões. O trânsito entre os três palcos principais e a tenda de DJs era livre e todo o evento foi realizado como num grande parque, com palcos, lojas de patrocinadores e área de alimentação sempre em pontos abertos em que era possível ver o horizonte do evento. A proximidade entre alguns palcos acabou fazendo o som de alguns shows se sobreporem e quem quisesse ficar mais atrás quase sempre ouvia o ruído residual de um palco mais próximo. As filas também foram escassas, à exceção do domingo, em que o público teve que esperar mais para conseguir bebidas.

    Mesmo com tudo funcionando, o artístico do festival também ficou devendo, principalmente ao compararmos com a edição do ano passado, que teve Travis Scott, Jessie Ware, Lorde, Mitski, Phoebe Bridgers, Caroline Polachek, Arca, Japanese Breakfast, Mitski e Charlie XCX. Até os artistas veteranos – como Björk, Arctic Monkeys, Interpol, Beach House e Father John Misty – estavam divulgando álbuns novos, ao contrário do Cure, Beck, Killers, Bad Religion, Slowdive ou Hives. O evento até teve sua dose de contemporaneidade, com bons shows de Soccer Mommy, Black Midi, Carly Rae Jepsen, Blessed Madonna, Roisín Murphy e El Mató a Un Policía Motorizado, mas ficou devendo mais artistas contemporâneos como principais nomes de cada um dos dias.

    Também fez falta o auditório do festival, tradicional espaço no festival de Barcelona em que é possível assistir a shows menores em um local fechado para uma audiência sentada. Na edição de 2022, o palco reuniu Hermeto Pascoal, Tim Bernardes, Senor Coconut, Amaro Freitas, Julia Mestre, Josyara, Giovani Cidreira e José González, em apresentações que poderiam acontecer nos palcos maiores, mas com menor impacto. Na edição deste ano, que ajuda a ampliar a ideia de diversidade (também sonora) no evento, esse palco sequer existiu.

    Apesar dessas considerações em relação à faixa etária dos artistas – que inevitavelmente impactou no público, que tinha quase 40 anos (uma mudança radical em relação aos vinte e poucos da edição passada) -, o Primavera Sound São Paulo funcionou muito bem e se consolida como um dos melhores eventos ao vivo do Brasil atualmente.