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    Silvio Santos inventou formatos, quadros e bordões durante 60 anos no ar

    Forjado em era amadora e de experimentação, comunicador foi apresentador versátil e marcou transformações da televisão brasileira

    Adriana Del Récolaboração para a CNN

    Um dos apresentadores mais longevos da TV brasileira, Silvio Santos foi acompanhado por diversas gerações nos quase 60 anos em que esteve no ar aos domingos.  

    Quem cresceu assistindo ao Dono do Baú tem sua memória afetiva povoada por clássicos como Topa Tudo Por Dinheiro, Porta da Esperança, Qual é A Música?, Show de Calouros, o infantil Domingo no Parque, as pegadinhas, os aviõezinhos de dinheiro, entre tantos outros.

     

    Professor de televisão e autor dos livros “Silvio Santos – A Trajetória do Mito” e “Comunicadores S.A.”, Fernando Morgado avalia que Silvio foi o maior apresentador da televisão mundial. Entre as razões para isso, estavam justamente a longevidade e a versatilidade do apresentador.  

    “Sua figura se encaixava em diversos tipos de atração: de entrevistas a gincanas com crianças, passando por sorteios e reality shows. Isso permitiu que ele acompanhasse e, muitas vezes ditasse, as transformações sofridas pela TV ao longo das décadas”, diz Morgado. 

    O que diferenciava Silvio de seus contemporâneos? “Chacrinha e Flávio Cavalcanti comandaram programas com formatos mais específicos, muito atrelados ao período histórico no qual foram produzidos.”

    Como Silvio Santos apresentou todo o tipo de programa ao longo da carreira, a influência dele se espraiou por diferentes gêneros televisivos, constata Morgado. O professor cita o Show do Milhão, por exemplo, que serviu de referência para muitos dos game shows que vieram depois, assim como Casa dos Artistas, que inspirou outros realities de confinamento.  

    “Além disso, inúmeros apresentadores já tentaram copiar os bordões, a forma de conversar com os convidados, o estilo de locução e até os trejeitos e a risada de Silvio. Tais tentativas, contudo, nunca vingaram porque o estilo de Silvio Santos se revela no todo, e não em partes isoladas”, observa Morgado.  

    “Cabe lembrar que, além de animador, Silvio também era produtor e patrocinador dos seus próprios programas. Tal condição permitia que ele interferisse em todos os aspectos, do figurino à iluminação, passando por maquiagem, posicionamento das câmeras etc.”, completa.  

    A imagem de quem saiu do nada

    A pesquisadora de TV e doutora em comunicação Clarice Greco destaca também o estilo único que Silvio Santos tinha como apresentador. O formato de programa de auditório é centrado na figura do apresentador, do indivíduo, diferentemente das novelas, por exemplo. Com isso, ele – o apresentador — ganha uma grande importância.  

    “Silvio Santos tinha a peculiaridade do indivíduo e também da trajetória de vida. Isso era uma de suas grandes marcas, que fazia com que as pessoas gostassem, admirassem ele. Os fãs do Silvio Santos se viam nele, o self-made man, o homem que saiu do nada, construiu tudo sozinho. Isso fazia com que qualquer pessoa simples olhasse para a tela e visse uma representação de uma classe operária”, pondera Clarice, autora dos livros “Qualidade na TV” e “Virou Cult”.  

    Mesmo quem não assistia ao apresentador na telinha sabia quem ele era, o que representava, conhecia seus bordões, seus trejeitos, sua risada bem característica, reconhecia quando os comediantes o imitavam.

    Clarice observa que existia um repertório cultural compartilhado por várias gerações. “São muitas gerações que compartilhavam dessa admiração pelo Silvio ou, no mínimo, conheciam ele. Então, isso marca uma era.”   

    A relação com a plateia

    Um de seus famosos bordões era “minhas colegas de trabalho“, que ele usava constantemente para se referir às mulheres que lotavam seu auditório. Aliás, elas, as mulheres, eram as únicas que tinham permissão para estar na ali plateia, uma das particularidades de seu programa.

    “Isso só fazia sentido ou só era mais ou menos aceitável por conta de alguma espécie de pacto que existia entre Silvio Santos e suas espectadoras, mas, se colocarem outro apresentador, não terá mais sentido nenhum fazer esse tipo de ‘segregação’ da plateia. Só funcionava porque passamos a aceitar que isso era típico de Silvio”, diz Clarice.  

    A pesquisadora de TV chegou a ir ao programa e viu a dinâmica que acontecia nos bastidores. Ela lembra que, na ocasião, todas as mulheres que estavam lá esperando para assisti-lo, além receber um lanchinho, um café da manhã, ganhavam também cabelo e maquiagem. “As pessoas que as orientavam falavam o tempo inteiro: ‘vão lá porque é um carinho que o Silvio Santos está fazendo para vocês’. E as mulheres ficavam muito animadas.” 

    O professor de televisão Fernando Morgado conta que o bordão foi cunhado pelo próprio Silvio Santos muitas décadas atrás. Por compartilhar grande parte do programa com a plateia, o apresentador considerava que as pessoas presentes no estúdio o ajudavam no trabalho de condução do programa. Por isso, as chamava de “colegas de trabalho”. 

    “O estilo de condução de Silvio Santos era muito particular e, de fato, valorizava a relação com a plateia. Silvio fazia seu show com o auditório e não apenas diante do auditório. A diferença parece pequena, mas não é. Silvio Santos comandava boa parte do programa no meio das ‘colegas de trabalho’, conversando com elas de igual para igual”, afirma Morgado.

    “Aliás, ele era um dos poucos apresentadores que fazia questão de, como se diz no jargão televisivo, esquentar a plateia, ou seja, prepará-la e relaxá-la antes da gravação”, acrescenta. 

    Entre a espontaneidade e a tática

    Silvio Santos se aproximava também de seu público nas brincadeiras que aconteciam no palco, ao estilo “gente como a gente”. Um dos momentos mais hilários do apresentador na TV foi em 1992, quando ele subiu num tanque d’água, sentou na tábua e acabou caindo dentro dele de terno e microfone. 

    O quanto isso era espontâneo e o quanto era tática? De acordo com Morgado, Silvio era um animador de auditório e, como tal, precisava combinar espontaneidade com técnica: “Uma coisa não pode ser dissociada da outra. Mas algo é certo: Silvio verdadeiramente se divertia no palco. Quando participei do seu programa em 2017, testemunhei a alegria que ele sentia em trabalhar diante das câmeras”. 

    Durante anos, Silvio Santos tentou encontrar seu sucessor. Gugu Liberato, que morreu em 2019, e Celso Portiolli chegaram a ser nomes cogitados, mas essas apostas não vingaram. Com a morte do apresentador, Patrícia Abravanel, uma de suas filhas, que já vinha sendo preparada para isso, deve ocupar o lugar do pai no entretenimento. 

    Insubstituível? 

    No entanto, segundo os especialistas em TV, Silvio Santos nunca será, de fato, substituído. Para Clarice Greco, é o fim de uma era. “Não haverá herdeiros como ele. É um formato muito antigo de programa que só combinava com ele. Se for para outra pessoa fazer, principalmente mais jovem, teria de modernizar”, afirma. 

    Fernando Morgado lembra que Silvio Santos surgiu na TV quando esse meio ainda era dominado pelo amadorismo e pela experimentação. Assim, todos eram obrigados a fazer de tudo um pouco. “Condições assim, tão difíceis, forjaram uma pessoa versátil, capaz de exercer, com sucesso, inúmeras funções ao mesmo tempo”, analisa.

    “Diante da contínua especialização do mercado de comunicação, torna-se difícil o surgimento de profissionais tão completos quanto Silvio. Sendo assim, não creio que exista alguém na TV atual capaz de substituí-lo por completo dentro ou fora do ar”, completa.

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