Sérgio Kauffmann, de “Garota do Momento”, celebra destaque negro: “Legado”
À CNN, ator fala sobre as mudanças na teledramaturgia brasileira, que agora começa a ser protagonizada por potências negras
O ator Ségio Kauffmann, que dá vida a Sérgio Amorim em “Garota do Momento”, reflete em entrevista à CNN sobre a importância da teledramaturgia brasileira ser protagonizada por artistas negros.
“Por muito tempo, a TV foi estruturada em torno de histórias que reforçavam a subalternidade das vivências negras. Esse padrão viciado e desconfortável consolidou o lugar que nos foi imposto nas narrativas televisivas”, conta.
Hoje, segundo o artista, a transformação começa a aparecer — e de forma otimista. “Essa conquista é o resultado do legado inquestionável de muitas pessoas que, ao longo de suas vidas, mostraram como poderíamos imaginar algo diferente. Muitos desses pioneiros já não estão aqui para testemunhar este feito histórico: três protagonistas negras simultaneamente”, celebra.
“Mais que isso, temos novelas cujas histórias orbitam em torno de ideias, culturas, filosofias e cosmovisões negras. Além das protagonistas, vemos elencos compostos por uma diversidade de corpos negros e personagens em posições de liderança, rompendo com o espaço limitado que nos foi atribuído pela branquitude. Ainda há muito a ser feito, mas me sinto profundamente feliz por vivenciar esse momento de mudança e ser parte desse movimento”, acrescenta.
Sócio e diretor da TV Ondas do Mar na obra de Alessandra Poggi, Sérgio divide boa parte das cenas ao lado de Eduardo Sterblitch, que interpreta o apresentador Alfredo. Mais do que parceiros de trabalho, eles entregam ao público uma grande amizade, marcada pela cumplicidade e inquietude. “É aquele clássico: coxia boa, trabalho bom”, garante Kuffmann.
“Desde que soube que faria dupla com Eduardo Sterblitch, fiquei muito animado. Sou apaixonado pelos processos dos atores, e foi bonito perceber que o processo do Edu não é algo solitário. Pelo contrário, ele te envolve, te busca, cria uma atmosfera de parceria genuína para que a história seja bem contada”, diz.
Para se inserir no contexto histórico da década que ambienta o folhetim, o ator fez um mergulho em gravações de álbuns da época. “Faço da música minha porta de entrada. Investigo compositores, letras, arranjos, os conjuntos e músicos envolvidos, e passo horas navegando pela plataforma digital da Biblioteca Nacional, que sempre me revela reportagens incríveis do período. Através da música, acabo também compreendendo melhor a dinâmica da rádio e da TV naquele tempo”, revela.
Nos palcos, Sérgio Kauffmann celebra Leci Brandão
Paralelamente ao trabalho das telinhas, Sérgio está em cartaz com o musical “Na Palma da Mão”, com direção de Luiz Antonio Pilar, que celebra e conta a história de Leci Brandão — considerada uma das maiores compositoras brasileiras, com uma trajetória marcada a partir de sua luta por direitos humanos e a igualdade racial.
“Na peça, mergulhamos em suas criações e lutas, mas também exploramos a intimidade de sua relação com sua mãe, uma figura central em sua vida. Contamos essa história a partir desse vínculo poderoso com sua mais velha e também com sua profunda religiosidade”, explica.
“Interpreto Exu, figura que se mistura com outras, como Zé do Caroço, personagem icônico de uma das músicas mais conhecidas de Leci. Celebramos não apenas sua imensa contribuição para a música brasileira, mas também para as lutas diárias por justiça social”.
Conexões ancestrais
Indo além da grandeza da homenageada, Kauffmann explica que, desde o início, o grupo sabia que estava prestes a realizar algo especial — uma vez que o comprometimento, respeito e fé de Leci transportava o elenco para o lugar de origem.
“Falávamos, por meio de sua história, também sobre nossas histórias, nossas vivências e ancestralidade. Em um improviso, que se tornou a primeira cena da peça, eu cantei para Exu, a partir de uma memória que tive do terreiro da minha avó, na Vila da Penha. Naquele momento, tive a certeza de que estava conectando pontos, de que não era por acaso estar ali. Foi um processo profundamente espiritual, ‘coisa de Orixá’, como diz a própria Leci”, relembra.
“Exu, aquele que tudo come, que engoliu as histórias do mundo, está ali para narrar a trajetória de Leci. Para rir daquilo que só ele sabe, para dar um nó no tempo e desviar qualquer previsibilidade dessa narrativa. Interpretá-lo é um presente enorme para um ator, e faço isso com o máximo respeito, porque sei de onde vim e o que isso significa”, conclui.