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    “Questão da terra é central para entender as desigualdades do Brasil”, diz Itamar Vieira Junior à CNN

    Autor do sucesso "Torto Arado" falou à CNN sobre o lançamento de seu novo livro "Salvar o Fogo" – segunda parte da trilogia que se passa na Bahia – e a relação de um povo com sua terra

    Fernanda Pinottida CNN , em São Paulo

    Muita coisa está diferente no lançamento do segundo livro da trilogia que se iniciou com o fenômeno “Torto Arado” – que vendeu mais de 700 mil exemplares desde 2019 –, mas a temática em “Salvar o Fogo”, lançado pela editora Todavia no final de abril, segue a mesma: a relação de um povo com a terra na qual eles vivem e através da qual garantem sua sobrevivência.

    Desta vez, Itamar Vieira Junior nos apresenta a uma família que mora às margens do rio Paraguaçu, no recôncavo baiano, à sombra de um mosteiro. E é uma surpresa bem-vinda quando personagens de “Torto Arado” reaparecem nas páginas.

    Servidor licenciado do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o escritor nos descreve um Brasil que ele conheceu de perto ao longo dos 17 anos de carreira, e que parece continuar lidando com as mesmas questões que já existiam séculos atrás.

    Entre os eventos de lançamento do livro novo no Brasil e os compromissos internacionais, Vieira Junior, que agora se dedica de maneira integral à literatura, falou à CNN sobre as expectativas que antecediam seu novo livro, a influência de seu trabalho como geógrafo na escrita e a experiência de levar o interior da Bahia para o outro lado do mundo. O escritor é baiano de Salvador.

    Tive o privilégio de conhecer o Brasil em profundidade

    Até o fim de maio, o autor faz uma série de encontros nas capitais brasileiras para lançar o livro novo, que vendeu 37 mil cópias apenas na pré-venda. Bem diferente da pequena tiragem com lançamento em Salvador de “Torto Arado” em 2019.

    Itamar conta que ficou um pouco receoso depois do sucesso alcançado com o livro que ganhou os prêmios LeYa, Jabuti e Oceanos, – “Será que as pessoas vão criar essa expectativa de que sempre seja um Torto Arado?” – mas que conseguiu se distanciar do sentimento para escrever.

    Formado em geografia e depois de quase duas décadas atuando como servidor do Incra, ele tirou licença para se dedicar exclusivamente à escrita, mas acumulou as experiências do trabalho para inspirar seus livros.

    “Literatura é algo que é feito de muita observação, memória e imaginação”, falou. “Eu tive o privilégio de trabalhar e de conhecer o Brasil em profundidade, além dos livros que a gente lê. Poder conhecer o Brasil de fato, a partir dos seus muitos lugares, das suas muitas histórias. E acho que esse trabalho foi fundamental para que eu escrevesse sobre essa realidade.”

    Tendo em vista as recentes ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que intensificou sua atuação no novo governo, e a constante disputa pela terra em seus livros, cujas histórias mostram pessoas poderosas tentando roubar territórios de uma parcela vulnerável da população, Itamar diz: “Me parece que a questão da terra é uma questão central para se entender as desigualdades do Brasil”.

    “É necessário política pública, e quando a política pública não chega, resta aos movimentos sociais reivindicarem isso. Acho que todos os avanços civilizatórios que tivemos nas últimas décadas se devem muito ao ambiente democrático, o ambiente da livre manifestação onde as pessoas podem reivindicar os seus direitos.”

    Capa de “Salvar o Fogo”, de Itamar Vieira Junior. / Divulgação

    Embora ele diz não acreditar que a literatura precisa ter algum tipo de função, por se tratar de arte, o autor também pontua que através dela nós conseguimos nos colocar no lugar do outro, e entender a importância de movimentos que são distantes da nossa realidade.

    “Nenhuma sociedade será mais democrática e menos desigual se a gente não tiver a capacidade de compreender sua diversidade. E a literatura pode permitir a gente compreender um pouco, adentrar um pouco a diversidade do nosso meio, do nosso tempo, da nossa sociedade”, falou.

    Levar a Bahia para o outro lado do mundo

    Em abril, Vieira Junior estava no Japão para o evento de lançamento da edição em japonês de “Torto Arado” – que já foi traduzido em mais de 20 países.

    Ao perguntar se ele se surpreende que uma história do interior da Bahia possa fazer sucesso do outro lado do mundo, ele diz que se surpreende como autor, mas não como leitor.

    “Quando eu lembro das obras da literatura universal que eu li e que me fizeram gostar de literatura e querer escrever, e me permitiram experimentar coisas novas, eu penso que são obras de diferentes lugares do mundo, mas que ainda assim guardavam um pouco de algo que é universal”, falou.

    “A questão do território é algo muito humano, né? Qualquer sociedade, qualquer cultura, em qualquer país a questão territorial é base. Não existe ser humano sem o chão que ele pisa. Se a gente for pensar em grandes conflitos no mundo, a questão palestina, o que vem acontecendo agora entre a Rússia e Ucrânia, é disputa territorial.”

    Além da tradução para outras línguas, “Torto Arado” também deve ser adaptado para série na plataforma de streaming HBO Max. A direção será feita pelo cineasta Heitor Dhalia, e cinco mulheres negras foram contratadas para cuidar do roteiro: Luh Maza, Renata Di Carmo, Maria Shu, Viviane Ferreira e a roteirista assistente, Ceci Alves.

    Vieira Junior disse que tem as mesmas expectativas para a série de qualquer futuro espectador. “Eu conversei com eles, mas sem compromisso de participar ativamente do projeto.”

    “Meu barato é literatura, e se eu participasse desse projeto eu não ia conseguir escrever outras coisas. Vou assistir depois que estiver pronto”, falou.

    “Não sou religioso, mas sou supersticioso”

    Quanto ao próximo livro, que fecharia a trilogia imaginada pelo escritor, ele disse que já tem uma história na cabeça, mas não sabe quando a obra chega. O cenário também já está definido – “Vai ser na Bahia, não poderia ser em outro lugar”.

    Antes de escrever, Itamar não pretende revelar mais nenhum detalhe: “Eu não sou religioso, mas eu sou supersticioso.”

    Assim como as personagens de seu livro – que “Começaram a dizer que eram católicas, cristãs, para por fim lembrarem que também eram filhas de Cachoeira [BA], terra de santo e sabiam mexer com ebó e despacho” – ele cresceu em uma família muito religiosa, católica por parte de mãe e evangélica por parte de pai, mas os elementos místicos e de religiões afro-brasileiras também estavam sempre presentes no seu dia-a-dia.

    “Afinal, a gente vive na Bahia, então não seria diferente”, disse.

    Se hoje ele não se considera religioso, também não abandona seus “patuás”.

    “Eu ando com objetos que são de parte de minha família que já morreu. Tem um terço de minha avó que eu carrego para todo canto, embora não reze, eu carrego como amuleto. Também tem um chaveiro que meu pai me deu”, contou.

    A fé, para ele, se dá através dessa espécie de reverência aos ancestrais e antepassados – que, não por acaso, protagonizam os momentos mais místicos do livro.

    “É uma espécie de gratidão pela vida, por estar aqui”, falou. “Tudo que eu faço na vida, de alguma maneira, meus pés não caminham só. Meus passos vêm de longe.”

    “Salvar o Fogo” pode ser encontrado para venda no site da editora Todavia por R$ 76,90.

     

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