Por que o samba faz todo mundo querer dançar?
Experimento mostra que a sincronia entre as batidas desencadeia fortes emoções e ativa áreas cerebrais associadas à atividade motora
Por que o samba faz todo mundo querer dançar? Por que o som da bateria hipnotiza o espectador e provoca tanto prazer?
Um experimento realizado por cientistas alemães e brasileiros do Instituto Max Planck de Ciências Humanas Cognitivas e do Cérebro (MPI CBS) e do Instituto D’OR de Pesquisa e Educação do Rio de Janeiro mostra que a sincronia entre as batidas dos tambores provoca uma emoção mais forte e, consequentemente, maior ativação de áreas cerebrais responsáveis pelo ritmo e movimento.
Por isso, os cientistas acreditam que as batidas do samba também podem ajudar a neurorreabilitação de pacientes que sofreram um acidente vascular cerebral (AVC).
A neurocientista e neuropsicóloga do MPI CBS e do Hospital Universitário de Leipzig, Annerose Engel, responsável pelo estudo, queria saber por que a percussão provoca tanta alegria e uma vontade irresistível de se mexer.
Para responder a essa e outras perguntas, como, por exemplo, o que acontece no cérebro quando somos levados pela batida dos tambores, a doutora Engel viajou para o Rio de Janeiro e contratou um renomado mestre de percussão de uma escola de samba carioca. Juntos, eles gravaram uma música com os nove instrumentos rítmicos de uma típica bateria de escola de samba.
Maior precisão e volume, maior vontade de dançar
A cientista criou então quatro versões de músicas nas quais a interação entre os grupos de instrumentos era manipulada, a partir do pulso firme e acentuado do tambor: a versão original e versões com atraso de 28, 55 e 83 milissegundos do tambor em relação aos demais instrumentos.
Os testes foram feitos com participantes que gostavam de samba. A maioria também sabia tocar ritmos do estilo musical em algum instrumento.
As diferentes versões foram ouvidas pela primeira vez por 12 voluntários com volume variável; alto (85 db) ou muito alto (95 db). Cada pessoa avaliou quão forte era o desejo de se mexer e quão agradável eles acharam a música.
Em um segundo experimento, outros 21 participantes ouviram a música enquanto sua atividade cerebral era medida com ressonância magnética funcional.
As seções cronometradas com mais precisão foram percebidas como mais agradáveis e animadas. Quanto mais alto os arranjos eram apresentados, mais forte era o desejo de se mover. O efeito máximo ocorreu quando instrumentos precisamente cronometrados foram tocados em volume alto.
Curiosamente, os participantes com melhores habilidades rítmicas foram mais sensíveis à manipulação da sincronia.
E como exatamente o padrão rítmico – ou “groove” – atua no cérebro?
Segundo o estudo, os instrumentos cronometrados com mais precisão ativaram com mais vigor uma rede de regiões cerebrais envolvidas no controle do movimento e da percepção do ritmo. Mais especificamente, a área motora suplementar, o córtex pré-motor esquerdo e o giro frontal esquerdo.
A música já é usada para o tratamento de acidente vascular cerebral ou outras doenças neurológicas. Em primeiro lugar, ajuda a motivar os pacientes a se moverem, mas o ritmo também pode ajudá-los a reaprender sequências de movimento e melhorar a atenção e muitas outras funções cognitivas.
“Essas descobertas podem até nos ajudar na neurorreabilitação”, afirma Engel.
Aparentemente, uma rede de áreas cerebrais associadas ao movimento de forma particularmente forte é ativada, o que muitas vezes é necessário para a reabilitação.
Música, como o samba, que tem um “fator groove” intenso, pode ser particularmente indicada para isso, explica a neuropsicóloga. Os pesquisadores supõem ainda que esses indícios também se aplicariam a outros estilos musicais ou até a músicas de dança ritual de outras culturas.
“A atividade na rede dessas regiões motoras pode formar a base neural para sentir a batida, especialmente o desejo pronunciado de se mover”, complementa Engel.
Samba pode ajudar na conexão social
A sincronia entre músicos é conhecida por gerar sentimentos de conexão social e, portanto, foi levantada a hipótese de que sentimentos semelhantes podem surgir nos ouvintes. De fato, uma ampla gama de emoções foi relatada, com alguns participantes do estudo tendo experiências muito intensas ao ouvir percussão de samba, em particular.
Os chamados “ouvintes profundos” mostraram atividade aumentada em uma área do cérebro chamada “cingulado subgenual”, especificamente durante o arranjo cronometrado com mais precisão.
Esta região tem papéis conhecidos no vínculo social, afiliação, comportamento pró-social e identificação de grupo, e também foi postulada para mediar emoções positivas exatamente nesse tipo de situação.
Além de tambores, também foram usados no experimento o repinique — tambor de duas cabeças de alto tom; surdos – bumbos de baixa frequência (três versões diferentes, primeira, segunda e terceira), caixas – tarolas, chocalhos – cuícas – tambores brasileiros de fricção de alta frequência, tamborins – tambores pequenos e agogôs.
O estudo foi publicado na revista Frontiers of Neuroscience.