Maria Cândido à CNN: filme de Clarice Lispector precisa do “sim” do espectador
Filme que se baseia no livro homônimo de Clarice Lispector chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (11)
No prefácio de “A Paixão Segundo G.H.”, publicado 60 anos atrás, Clarice Lispector diz que ficaria contente se seu livro fosse lido “apenas por pessoas de alma já formada”.
Em entrevista à CNN, Maria Fernanda Cândido, estrela do filme baseado no livro de Clarice que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (11), explicou o que acha que a autora quis dizer: “Ela ficaria contente se esse livro fosse lido por pessoas com uma certa sensibilidade”.
“Ela mesma diz nesse prefácio que precisou passar pelo oposto daquilo que ela pretendia alcançar para chegar aonde precisava. Quando você fala isso, você já está contando com um leitor sensível, que vai topar percorrer esse oposto com ela”, disse Maria Fernanda.
“E eu acho que o livro precisa desse ‘sim’ do leitor, assim como o filme precisa desse ‘sim’ também do espectador”, acrescentou.
Leitora de Clarice desde a época de escola, Maria Fernanda conta que leu “A Paixão Segundo G.H.” pela primeira vez em 2002, pouco antes de completar 30 anos, após receber o livro de presente do diretor do filme, Luiz Fernando Carvalho.
“Eu me lembro de ter ficado super impressionada com o livro e de ele ter mexido muito comigo. Foi um impacto forte. Nunca poderia imaginar que um dia ele se transformaria num filme, muito menos que eu iria fazer a personagem de G.H.”, falou.
Alguns anos depois do presente, Luiz Fernando Carvalho convidou a atriz para assumir o papel da protagonista em uma adaptação do livro para as telonas, mas apenas em 2018 a ideia saiu do papel.
“Fiquei muito lisonjeada, muito feliz, mas ao mesmo tempo me assustou um pouco porque eu comecei a pensar: como que esse livro seria filmado?”, falou.
“O que é que sobra?”
Como quase todas as personagens femininas de Clarice, G.H. tem uma densidade psicológica bem grande. Uma escultora parte da elite de Copacabana que, após o fim de uma paixão, decide organizar o quarto da empregada, que pediu demissão no dia anterior.
Ao entrar em um quartinho já arrumado, G.H. se depara com uma barata e esmaga o inseto. O encontro inesperado a leva a questionar sua própria condição humana, e a mulher narra pouco a pouco a perda da própria identidade.
Dar vida a uma personagem tão complexa foi “certamente um desafio, mas sobretudo um prazer enorme”, conforme explicou Maria Fernanda Cândido.
“A proposta do livro é essa despersonalização”, disse a atriz. “Essa caminhada que a personagem percorre, em que ela vai se libertando de todas essas máscaras que representam o próprio sistema em que a gente vive, os códigos sociais, a moral, a religião. Ela vai se fazendo disso tudo.”
“Essa é a questão do livro, né? Se você se desfaz das suas máscaras, o que é que sobra?”, completou Maria Fernanda.
A travessia
Mesmo que questione seus valores, G.H. decide não jogar fora todos eles, mas escolhe a quais se manter apegada.
“Nós somos reféns de tudo isso, porém ter essa consciência eu acho que é o grande exercício do livro”, disse Maria Fernanda Cândido.
A história da personagem é como uma travessia, e a “paixão” evocada no título do livro passa a assumir um sentido bíblico.
“É uma trajetória, é uma via crucis que ela precisa percorrer. Desse ponto em que ela se encontra, ela não tem mais como voltar atrás. Se você está num ponto em que não tem mais como voltar atrás, só te resta marchar adiante. É isso que ela faz, sem saber se vai chegar do outro lado”, explicou.
“A Paixão Segundo G.H.”
“A Paixão Segundo G.H.” é estrelado por Maria Fernanda Cândido e dirigido por Luiz Fernando Carvalho. Baseado na obra homônima de Clarice Lispector, o filme estreia nos cinemas brasileiros em 11 de abril.
Um dos cartazes do longa foi criado especialmente pela artista plástica Mariana Valente, neta de Clarice Lispector, e seu coletivo de colagens.