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    “Luto é a palavra e o sentimento do ano”, diz Carpinejar em reflexão sobre 2021

    Após lançar "Depois é Nunca" sobre o luto, em especial o causado pela pandemia de Covid-19, o poeta revela um novo olhar sobre a morte

    O poeta Fabrício Carpinejar comenta suas reflexões durante a pandemia
    O poeta Fabrício Carpinejar comenta suas reflexões durante a pandemia Diego Lopes

    Luana Franzãoda CNN*

    São Paulo

    Fabrício Carpinejar ganhou reconhecimento a partir da sua habilidade com a escrita. Poemas, contos, artigos e diversos tipos de textos cativaram o público e venderam mais de 750 mil cópias de seus 48 livros publicados.

    A pandemia, no entanto, teve seu impacto no autor, que percebeu a sua abundância de palavras minguar. “Eu mudei drasticamente, a minha voz mudou, eu sou muito mais espaçado. Penso, sinto mais, respiro mais, eu lembro mais. Fico mais tempo em silêncio do que eu ficava antes”, disse em entrevista à CNN, que conversou com o escritor sobre sua mais recente obra, “Depois é Nunca”, lançada em outubro e onde ele se debruça sobre os sentimentos mais graves que tingiram os últimos meses, em especial o luto.

    “O luto é a palavra e o sentimento do ano. A despedida foi um marco de todo mundo. Se não foi uma despedida física, real, foi uma despedida de uma versão de si mesmo. Você morreu um pouco”.

    Carpinejar reflete sobre a necessidade imposta pela pandemia de reconhecer-se no momento presente, afinal é praticamente impossível fazer planos para o futuro com toda a certeza – em suas palavras, buscar incessantemente a vida de antes é inviável: é preciso enfrentar o desespero de que ela nunca será a mesma.

    Ao falar da morte, o poeta foi confrontado por um país que não discute a finitude da vida, ainda que tenha sido confrontado por ela diariamente desde março de 2020. “Estamos em um país que nega a dor e o sofrimento. Como se a morte tivesse sido um azar, uma fatalidade. Você tem uma vida subtraída do seu lar, e precisa sorrir impunemente, não pode ficar muito tempo com essa tristeza que já será um estorvo. Há uma pressa de apagar os vestígios de todo mundo que morreu, como se fosse um crime.”

    O autor escolheu o luto como sua inspiração ao observar a dor daqueles que buscavam dar sentido à vida após a perda, um cenário frequente no país devastado pela Covid-19. “Quando eu escrevi o ‘Depois é Nunca’, eu não escrevi sobre quem partiu, eu escrevi sobre a morte, sobre o enlutado, quem ficou”, explicou.

    Para Carpinejar, uma das formas de encarar a tragédia brasileira é buscar compreender o que aconteceu. “Se reconhecermos que as pessoas que morreram, morreram por uma falta de prevenção coletiva, por uma vacinação tardia, você tem motivos razoáveis para entender a morte. Mas, se boicotarmos tudo o que testemunhamos, vai continuar negando e fugindo dela”, avaliou.

    “A morte é um tabu. Tanto que é um tabu, que ela passou a ter a rivalidade com o emprego. O grande dilema do brasileiro foi: manter o emprego ou morrer – só nós para conseguirmos criar essa encruzilhada.”

    Para o poeta, o país trata a morte como uma sombra, que deve ser protelada até onde se puder. “É um amparo cultural. Se o presidente diz que não é perigoso, você se vale desse pré-requisito. Se você não tem as condições ou as informações corretas para conseguir decidir, você decide por impulso”, declarou.

    Carpinejar também crê que a pandemia expôs a dificuldade do brasileiro em compreender a situação e organizar-se para combatê-la. “Pela primeira vez, não existe mais o conceito fechado de saúde individual. A sua saúde é a saúde pública. O jeito que você se cuida vai interferir no outro.”

    “’Se eu quero destruir a minha vida, eu vou destruir.’ Você não pode mais ter esse pensamento, todo pensamento autodestrutivo é um pensamento de devastação coletiva”, completa.

    “A falta de consenso fez com que tivéssemos uma mortandade muito acima de todos os prognósticos. Não estávamos conectados para combater o vírus, havia quem jurava que tudo era uma invenção ou uma fake news”, expôs o intelectual sobre seu pensamento em relação às mortes causadas pela Covid-19.

    A discussão sobre as medidas de combate à pandemia, que ainda ocupa as redes sociais e mesas de jantar, não é uma tarefa fácil para Carpinejar. “É impossível o diálogo, no Brasil é levado para o plano pessoal. Você é incapaz de debater um tema, você sempre está debatendo a sua vida, e não tem como não brigar se você coloca a sua experiência como eixo de qualquer elaboração intelectual.”

    A vacinação, que no momento já imunizou 65,4% dos brasileiros com duas doses ou dose única contra o novo coronavírus, trouxe alguma esperança. A reabertura foi ameaçada pelo surgimento de uma nova variante, a Ômicron, que já registra casos no Brasil. A aparição e a sombra de tempos mais difíceis também são uma forma de luto, ao olhar de Carpinejar.

    “Nós não acreditamos no meio termo. Somos extremistas, ou seja, do confinamento para o Carnaval. Não vai acontecer isso, teremos que lidar com realidades intermediárias. Nós queremos nos livrar de tudo o que sofremos, sem níveis intermediários”, destacando que essa é mais uma das reações relacionadas à fuga do Brasil de seus óbitos.

    “Quem não ficou depressivo, acha que tem direito de um Carnaval, a uma virada de ano, a viagens, porque fez o sacrifício de ter ficado confinado. O confinamento foi uma prevenção, não foi uma renúncia. Você não fez mais do que a sua obrigação.”

    “Não nos colocamos na posição de quem perdeu parentes, e essas pessoas entendem a realidade intermediária. Elas sabem que nada será mais como antes, é uma arrogante inteireza”, afirmou.

    Para ele, escrever sobre como os olhos mudam depois da morte foi necessário.

    “A grande questão é que não tem como curar o luto, o luto é incurável. Você não esquece que existe uma ausência, pois toda a sua vida passa a ser reorganizada a partir dela. Você tem um baque, o que eu vou fazer agora? Como eu vou conseguir me comunicar a partir dessa cadeira vazia?”.

    Em constante contato com seus leitores nas redes sociais (Carpinejar já acumula mais de um milhão de seguidores no Instagram, e a contagem não para de crescer), ele ouviu uma infinidade de histórias de perda, e foi atravessado por todas elas. “Eu não quero me proteger dos sentimentos dos outros. Eu estou vulnerável, se tiver que sofrer junto, eu vou sofrer junto. Não vou me desligar egoisticamente, como se aquilo fosse material literário, não é.”

    A literatura foi uma das protagonistas da vida de Carpinejar durante o isolamento. Escrever, ouvir músicas, ler e meditar foram partes cruciais de manter a sanidade. “E terapia!”, acrescentou com um sorriso, falando sobre a importância de compartilhar as aflições.

    Desde março de 2020, ele publicou quatro trabalhos: “Colo, por favor!”, no início do isolamento social, “Coragem de Viver”, uma homenagem à mãe (que o poeta confessou ter tido medo de perder para o coronavírus), “Carpinejar”, uma coletânea de poemas, e “Depois é Nunca”.

    Após tantos desafogos, Carpinejar disse que “não consegue nem pensar em escrever”. “Eu escrevi tudo o que eu podia para domesticar o medo, disciplinar o medo.” As palavras, no entanto, devem acompanhá-lo até o fim dos tempos. “Todo mundo quer ser Highlander, o que eu tenho de mais valioso é minha mortalidade. Se eu posso morrer, meu tempo é valioso.”

    *Sob supervisão.