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    ‘Fiz 24 cirurgias para manter os meus sonhos’, diz maestro João Carlos Martins

    O maestro João Carlos Martins, que comemora 80 anos, voltou a tocar piano com a ajuda de luvas biônicas; confira a entrevista no Mundo Pós-Pandemia

    Paula Mariane, Da CNN, em São Paulo

     
    Em uma edição especial, o programa O Mundo Pós-Pandemia exibiu entrevista neste sábado (20) com o maestro João Carlos Martins, um dos maiores nomes da música erudita no Brasil. Durante os meses de isolamento, o ele tem dedicado sete horas diárias ao piano – instrumento que voltou a tocar com todos os dedos após 22 anos –, graças a luvas biônicas. 

    “A minha vida sempre foi baseada na disciplina de um atleta, e na alma de um poeta”. A frase, de autoria do maestro, foi usada pela âncora Daniela Lima para abrir o programa.  

    “No caso dele, a poesia se revela em notas musicais que encantam plateias em todo o mundo. Quando a vida trouxe limitações físicas, esse gênio do piano se reinventou para comandar uma orquestra”, acrescentou Daniela.

    Em meio à pandemia, o maestro completará 80 anos no dia 25 de junho. 

    A vida na pandemia

    Em meio às restrições impostas pela quarentena, João Carlos Martins volta a estudar piano na mesma intensidade de quando era mais jovem. “Depois que recebi essas luvas extensoras, estou tendo a oportunidade de estudar cerca de sete horas por dia, como quando eu tinha oito anos de idade.”

    Para o maestro, o período da pandemia tem lhe proporcionado grandes aprendizados, e isso traz inúmeros sentimentos à tona. “A morte de pessoas durante a pandemia traz, antes de tudo, o sentimento de solidariedade, de compaixão e de compartilhamento da dor para aquele que perdeu um ente querido.”

    “A música faz com que faça do meu dia a dia um aprendizado, e esse aprendizado acompanhado de sentimento de dor por causa dos acontecimentos”, declara. 

    Para os idosos

    Ao pensar nos desafios vividos pelos idosos durante a pandemia, o maestro fala sobre superação e esperança em dias melhores. No programa, ele também anunciou um novo projeto de vida, que colocará em prática pelas próximas duas décadas.

    “Aos 80 anos, eu estarei anunciando os meus projetos para os próximos 20 anos”, diz Martins, que fará aniversário na próxima quinta-feira. 

    A declaração pode assustar alguns. Contudo, ele relembra que a idade não é motivo para que os sonhos não possam ser vividos. E traz como referência a história do próprio pai, o pianista José Eduardo Martins.

    “Meu pai, aos 37 anos, teve um câncer violento. [Os médicos] tiraram ¾ do estomago dele.” Neste contexto, o maestro introduz o doutor Montenegro, modo como se refere ao médico que tratou de José.

    “Ele ouviu o Dr. Montenegro falando para minha mãe na antessala: o seu marido, com muita sorte, pode ter 6 meses de vida”.

    O maestro continua: “então, meu pai pediu para o doutor e minha mãe repetir a frase. O doutor, assustado porque ele tinha ouvido, disse que falou exatamente isso”.

    “Meu pai olhou para o doutor e para a minha mãe e disse: é porque vocês não me conhecem”, completou. Em 2002, José Eduardo Martins, pai do maestro, morreu aos 102 anos.

    João Carlos Martins
    João Carlos Martins no programa ‘O Mundo Pós-Pandemia – O desafio da superação’
    Foto: CNN Brasil

    Música como salvação

    João Carlos Martins ao falar de música, fala também sobre a salvação. Afinal, foi ela que o salvou, como ele mesmo diz. 

    “Para vocês terem uma ideia, eu fiz, na minha vida, 24 cirurgias para manter os meus sonhos.”

    E começa a contar essa trajetória. 

    “Aos 18 anos, [quando estava] jogando carta em casa com a família, eu percebi que tinha dificuldade para segurar as cartas. E naquela época, eu chegava a fazer 21 notas por segundo no piano.”

    Martins procurou um médico, que afirmou ao músico que aquilo era “apenas um problema psicológico” dele. Desde os 18 anos, o maestro convive com a distonia focal, uma doença que afeta os músculos do corpo. 

    “Distonia focal não era do conhecimento dos médicos do mundo inteiro. Sabiam, mas não eram especializados no sintoma, e até hoje não descobriram a cura.”

    Ele conta que teve que “transformar concerto em dia”. “Se o concerto era às 20h, eu dormia das 15h às 19h30”, relembra.

    “Essa facilidade fazia com que eu entrasse no palco como se fosse às 7h da manhã. Quando os sintomas da distonia focal apareciam, eu já tinha acabado o concerto”. Dessa forma, Martins passou a vida toda realizando apresentações no Brasil e no mundo. 

    Trajetória da esperança

    “Perder as mãos para o piano foi a pior coisa que aconteceu na minha vida. E perder as mãos para o piano foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, porque eu virei maestro.”

    “Cheguei a tocar com dedeiras de aço, cheguei a ter sangue nas teclas do piano”, recorda. 

    O maestro, que hoje leva uma mensagem de superação e força por onde passa – além da música, é claro –, também passou por momentos onde pensava não ter outra saída.  

    “Aos 28 anos, quando eu percebi que estava no fim, cheguei a entrar numa banheira para me suicidar.”

    “Aí eu já estava na banheira quando tocou o telefone. Meu problema era da mão direita e eu não ia atender o telefone.”

    Ele muda de ideia, no entanto. “Resolvi atender e era meu professor de piano. [Ele] chegou e falou: ‘João, estou sabendo do teu problema na mão direita, mas tem tanta coisa para a mão esquerda’”. 

    Martins passou um tempo conversando com o seu professor de piano no telefone. 

    “Joguei a gilete e nunca mais esse pensamento passou pela minha cabeça”, diz ele, após ter finalizado a chamada. 

    “Eu comecei a acreditar numa coisa chamada trajetória da esperança. A música não só salvou minha vida, mas a música explica que Deus existe”, conclui. 

    O Mundo Pós-Pandemia é exibido todos os sábados pela CNN Brasil. Clique aqui para saber o número da CNN em sua operadora de TV.