Hello Kitty completa 50 anos: qual o segredo da longevidade da personagem?
Icônica personagem da Sanrio evoluiu de um simples design para uma embaixadora global, conquistando fãs de todas as idades ao longo de meio século
Ela pesa três maçãs e tem a altura de cinco maçãs. Gosta de assar biscoitos e sonha em ser pianista ou poetisa. E agora, apesar de sua aparência atemporal, ela completa 50 anos.
Esta sexta-feira (1º) marca meio século desde que a empresa japonesa de merchandising Sanrio criou a primeira versão de Kitty White, ou Hello Kitty, uma alegre garota felina (não uma gata, como sua criadora revelou controversamente) que vive com sua família nos subúrbios de Londres.
Nas cinco décadas desde sua estreia, ela se tornou embaixadora da Unicef, enviada especial do Ministério das Relações Exteriores do Japão e tema de restaurantes, cafés, dois parques de diversões e até mesmo um hospital maternidade. Como tal, Hello Kitty é também um colosso comercial que rendeu à sua criadora cerca de US$ 80 bilhões (mais de R$ 460 bilhões), colocando-a ao lado de Pokémon, Mickey Mouse e Ursinho Pooh como uma das franquias mais lucrativas da história.
Diferentemente de outros na lista, no entanto, a mercadoria não foi uma extensão lucrativa da popularidade da Hello Kitty nas telas, ela era sua razão de ser desde o início. Projetada para adornar itens infantis e de papelaria, ela foi desenhada pela primeira vez por Yuko Shimizu, uma das ilustradoras internas da Sanrio, em 1974.
A empresa queria designs que incorporassem o “kawaii”, termo japonês para fofura, e a criação felina da jovem de 24 anos foi inspirada em um gatinho que seu pai lhe dera de presente.
Hello Kitty fez sua estreia comercial no ano seguinte, aparecendo em uma linha de porta-moedas de vinil ao lado de vários outros novos personagens. Ela provou ser, de longe, o novo design mais popular da empresa. As vendas da Sanrio dispararam quase imediatamente, com sua imagem sendo colada em brinquedos, adesivos e muito mais.
Mas se o sucesso inicial do personagem pode ser atribuído ao design simples e memorável de Shimizu – composto por um rosto sem boca, nariz oval amarelo, bigodes e um laço – seu status de ícone da cultura pop se deve à ilustradora Yuko Yamaguchi.
Considerada a terceira designer da Hello Kitty (Shimizu deixou a Sanrio três anos após inventar o personagem e foi substituída por Setsuko Yonekubo, que supervisionou brevemente o design no final dos anos 1970), Yamaguchi tem dirigido a identidade visual do personagem por quase 45 anos.
Em entrevista à CNN na sede da Sanrio em Tóquio, ela lembrou que se juntou à empresa em uma época em que os produtos da Hello Kitty estavam em declínio de popularidade. Em 1979, a Sanrio decidiu revitalizar a marca, e Yamaguchi foi uma das várias ilustradoras encarregadas de criar e apresentar novas imagens.
Yamaguchi começou a se reunir com fãs da Hello Kitty, velhos e novos, para entender por que as vendas estavam em baixa. Ela também fez uma visita formativa de um ano a São Francisco em 1984, em meio a um crescente interesse dos EUA por ursos de pelúcia.
Após retornar ao Japão, Yamaguchi começou a criar novos desenhos e um elenco de amigos para Hello Kitty – incluindo o ursinho de pelúcia, Tiny Chum.
“Eu queria que Hello Kitty se tornasse mais enérgica”, disse ela. “E como ela era o rosto da Sanrio, e nasceu como um símbolo de amizade, eu queria fazer muitos amigos para ela.”
Enquanto as características principais da Hello Kitty permaneceram praticamente inalteradas, Yamaguchi (que anteriormente disse à revista Time que o personagem não tem boca “para que as pessoas que olham para ela possam projetar seus próprios sentimentos em seu rosto”) a colocou em diferentes cenários, ampliando seu apelo.
“Ela é boa nos esportes, e parece fofa e chique também”, explicou. “Eu a vejo como uma tela em branco que você pode transformar em todos os tipos de coisas. Não há muito que não combine com ela… Acho que quando todos falam com Hello Kitty, ela provavelmente responde de alguma forma.”
As vendas de produtos da Hello Kitty floresceram no Japão entre os anos 1980 e meados dos anos 1990. Grande parte da mercadoria anterior da empresa era voltada para meninas jovens, incluindo material escolar e itens de cuidados pessoais como escovas de dentes. Mas, mesmo então, a ilustradora Yamaguchi sabia que o personagem precisaria evoluir e crescer com seus fãs.
É uma percepção que a ilustradora remonta a uma carta que recebeu de uma fã em 1987: “Ela era uma grande fã da Hello Kitty, mas, na carta, escreveu que seus amigos e pais haviam lhe dito que era um personagem infantil, e que ela deveria ter superado isso. Mas ela não queria, então me pediu para fazer produtos para estudantes do ensino médio como ela.”
Inspirada pelas tendências que viu no distrito da moda de Harajuku em Tóquio na época, Yamaguchi começou a incorporar o estilo contemporâneo em seus designs, na esperança de atrair fãs mais velhos.
Em 1999, a Sanrio disse ao New York Times que o personagem estava aparecendo em 12.000 novas linhas de produtos por ano, abrangendo quase todas as categorias imagináveis, de roupas a jogos de tabuleiro, cartões de felicitações a lancheiras. A empresa também começou a usar Hello Kitty em itens mais adultos, como eletrônicos e eletrodomésticos, à medida que ficava claro que a nostalgia estava se tornando um grande ponto de venda.
Como resultado, alguns dos maiores fãs da Hello Kitty hoje são aqueles que cresceram com ela nos anos 1980 e 90. Entre eles está Asako Kanda, que começou a colecionar produtos Sanrio na terceira série e agora possui mais de 10.000 itens adornados com o rosto inexpressivo da personagem.
“Minha mãe me deu papelaria e material escolar da Hello Kitty, como estojos e pranchetas de plástico. Quando os vi, achei tão fofos, e rapidamente se tornaram meus favoritos. Foi aí que começou”, disse ela, mostrando à CNN uma sala dedicada à Hello Kitty em sua casa em Tóquio.
“Uma vez que comecei a comprar coisas para mim mesma, pude obter itens para a cozinha, banheiro e outras necessidades diárias. Eu queria tudo com Hello Kitty a partir daquele ponto”, acrescentou ela.
Após mais de 36 anos de coleção, Kanda ainda compra cerca de dois itens da Hello Kitty todos os meses. A Sanrio lança novos produtos semanalmente, e ela os examina em busca de qualquer coisa que seja “memorável ou fofa”.
“À medida que a vida avança, há momentos em que você enfrenta experiências desagradáveis ou tristes”, disse ela, “Durante esses momentos, olhar para os produtos da Hello Kitty me trouxe conforto e consolo.”
À medida que a economia do Japão estagnou nos anos 1990, a Sanrio expandiu sua presença internacional. Nos primeiros anos da Hello Kitty, a empresa havia vendido produtos de porta em porta nos EUA, antes de estabelecer a primeira filial no exterior de sua loja de varejo, Gift Gate, em San Jose, em 1976.
Mas após uma explosão de interesse ocidental na cultura japonesa – de “Dragon Ball Z” a Tamagotchis e Beyblade – ela capturou a imaginação dos consumidores americanos por volta da virada do milênio, segundo Atsuo Nakayama, um sociólogo japonês especializado na indústria do entretenimento.
“Logo após o 11 de setembro, o mundo estava mudando”, ele disse à CNN. “E acho que a cultura japonesa “kawaii” era uma alternativa adequada para a América, de alguma forma.”
Grande parte do sucesso comercial da Hello Kitty foi alcançado através de licenciamento. Ela gerou livros, videogames e séries de TV animadas, como a duradoura “Hello Kitty and Friends”, que ajudou a desenvolver ainda mais seu personagem. Embora, apesar de ter sido criada em Londres, ela tenah recebido um sotaque norte-americano nas versões dubladas em inglês.
Ela também fez parte de acordos com grandes marcas de consumo e luxo, e apareceu em um avião da EVA Air, guitarras Fender Stratocaster e joias Swarovski.
E enquanto o declínio da fortuna da Sanrio no início dos anos 2010 despertou temores de que a relevância cultural da Hello Kitty estivesse diminuindo, o preço das ações da empresa disparou nos últimos dois anos. Agora está mais de 10 vezes acima de sua baixa da era Covid.
Segundo Atsuo, a nostalgia é mais uma vez uma força motriz fundamental, tanto no Japão quanto no exterior. “Hello Kitty está em ascensão novamente na América, e acho que isso é porque a primeira geração agora se tornou pai e passou [seus interesses] para seus filhos”, disse Atsuo. “[Sua popularidade] subiu e desceu muitas vezes assim, e cria uma oportunidade regular para as pessoas que foram cativadas pela Hello Kitty se lembrarem dela e quererem colecioná-la novamente.”
Os recentes sucessos da Sanrio também se devem, em parte, à sua diversificação para além da Hello Kitty. O personagem agora representa apenas cerca de 30% do lucro bruto da Sanrio em vendas de produtos e licenciamento, abaixo dos 76% de uma década atrás, de acordo com o Wall Street Journal.
Criações recentes como Gudetama (uma gema de ovo preguiçosa) e Aggressive Retsuko (um panda-vermelho introvertido que ama death metal) apareceram em suas próprias séries da Netflix.
No entanto, mesmo com a mudança do modelo de negócios da Sanrio, Yamaguchi acredita que Hello Kitty perdurará. “Claro, existem muitos personagens no mundo que existem há mais tempo que Hello Kitty”, disse a ilustradora, acrescentando: “Espero que ela continue trabalhando duro para que possa celebrar seu 100º aniversário daqui a 50 anos.”
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