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    Filme vencedor em Gramado, o cyberpunk nordestino “Carro Rei” estreia nos cinemas

    Abordando a relação "homem-máquina", longa brasileiro com Matheus Nachtergaele fala sobre transhumanismo - com direito à cena de sexo entre o carro e um dos personagens

    Isabella Fariada CNN

    Imaginar o futuro da humanidade enquanto tenta compreender o presente foi a empreitada da vez de Renata Pinheiro. Pernambucana e presente no cinema do seu estado desde o fomento dele, a diretora quis contar uma história que ressoa com muita gente no Brasil, principalmente com quem mora em grandes centros urbanos.

    “As cidades são desenhadas para os carros e não para os transeuntes”, diz Renata em conversa com a CNN. “Vemos jardins virando estacionamentos, cinemas virando estacionamentos, tudo é muito feito para isso”.

    A cineasta, portanto, resolveu contar a história de Uno, um menino que, ao nascer no banco de trás de um táxi, adquire o poder de falar com carros. Com a ajuda do tio mecânico Zé Macaco (Matheus Nacthergaele), ele transforma seu veículo favorito em uma criatura capaz de ouvir, falar e até se apaixonar. Juntos, eles pretendem salvar a companhia de táxis do pai de Uno, que sofre com novas leis voltadas para carros mais velhos.

    Com uma bela fotografia, ecoando as raízes de direção de arte de Renata, “Carro Rei” fala sobre transhumanismo, mas também aborda a questão do meio ambiente, intrinsicamente ligada aos danos ecológicos gerados diretamente pela produção e utilização de carros, principalmente no mundo subdesenvolvido.

    Apesar de conduzir bem o gênero, faturando prêmios no Festival de Gramado e de Roterdã, a diretora nunca pensou em fazer uma ficção científica propriamente dita, mas disse que o processo foi natural.

    “Não é à toa que o realismo fantástico é um gênero latinoamericano por essência”, fala. “Nossa terra é de uma cultura indígena e miscigenada, são muitas camadas no nosso continente”

    Apesar disso, não faltam comparações de “Carro Rei” com “Titane”, filme francês da diretora Julia Ducornau, de 2019, que venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2021. Ambos compartilham o tema do transhumanismo, além de uma cena em que o carro faz sexo com um dos personagens.

    Artista não-binárie Jules* Elting integra o elenco de “Carro Rei” / Divulgação

    “Preciso conhecer ela (Julia Ducornau) um dia pra saber o que aconteceu, porque o tema do transhumanismo é o mesmo. Há também o fato de alguns personagens potencializarem o corpo através de artifícios, como anabolizantes e placas de metal, é, de fato, muita coincidência”, diz.

    Trazendo o tema da ficção científica fora do eixo Rio-São Paulo, Renata continua contribuindo para o cinema pernambucano a cada projeto que realiza.

    “Gosto de revelar os ‘brasis’ que não são muito levados para as telas. Gosto de revelar personagens mais loucos ainda que um Zé Macaco que estão por aí”.

    Matheus e o macaco

    O uso de partes de automóveis, provenientes de ferro-velhos, sendo incorporadas ao corpo humano é um dos aspectos mais interessantes de “Carro Rei” e é com Matheus Nacthergaele que o transhumanismo do longa atinge seu pico.

    O ator interpreta Zé Macaco, um mecânico que se revela um gênio incompreendido. Vítima de humilhações constantes das pessoas da cidade e da própria família, o mecânico se isola e, ao mesmo tempo que começa a trabalhar mais fundo ainda nos automóveis de sua oficina, vai se relegando ao estado mais primitivo da humanidade.

    “Na ideia original, Zé Macaco tinha esse nome por ser o cara da borracharia, que troca os pneus”, diz o ator Matheus Nachtergaele. “Mas em um filme cujo protagonista é um carro que fala, achei que deveria levar esse apelido até as últimas consequências.”

    O papel é digno de dó, segundo Matheus. Zé Macaco é um homem deformado, talvez por se parecer com o símio, mas, para Matheus, tal deformidade pode ser fruto de um problema social.

    “Ele talvez seja desnutrido, maltratado, coisas muito comuns no sertão”, diz o ator.

    “E esse sertão não é só o nordestino, basta sairmos de qualquer zona metropolitana para encontrarmos mazelas sociais”.

    Como imaginado pela diretora, outro aspecto sociopolítico do filme é a relação homem-máquina que mais bestializa as pessoas do que as humaniza. Matheus endossa a ideia e vai além:

    “A fábula é contada através do carro, mas é possível falarmos do celular também. Hoje, ele é o lugar da diversão, da informação, da fake news, do sexo, do afeto… E cada vez menos as pessoas se encontram sem a interferência da máquina”.

    Assista ao trailer de “Carro Rei”:

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