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    Estreando no mesmo dia, “Não! Não Olhe!” e “Marte Um” exaltam o cinema negro

    Sucessos de bilheteria e crítica, respectivamente, os longas trazem novas narrativas e protagonismo à população negra, à sua maneira e fugindo de estereótipos

    Elenco de Marte Um no 50º Festival de Cinema de Gramado
    Elenco de Marte Um no 50º Festival de Cinema de Gramado Edison Vara/Agência Pressphoto

    Letícia Britoda CNN

    São Paulo

    Estreia nessa quinta-feira (25) “Não! Não Olhe!”, longa-metragem de Jordan Peele, diretor de “Corra!” (2017), “Nós” (2019), e o primeiro homem negro a ganhar um Oscar de melhor roteiro, em 2018.

    Coincidentemente, também estreia hoje “Marte Um”, filme do mineiro Gabriel Martins, que venceu os prêmios de melhor roteiro, melhor trilha musical, melhor longa (júri popular) e o prêmio especial no 50º Festival de Cinema de Gramado, que aconteceu no último sábado.

    Além das datas de estreia, os longas reservam mais uma peculiaridade entre si: são filmes idealizados, roteirizados, dirigidos e protagonizados por pessoas negras. Mas em relação a esse tema, no entanto, não há uma mera coincidência. O cinema pensado e estrelado por negros vem ocupando espaços importantes a nível mundial.

    É muito forte a gente pensar que no mesmo dia vai ter um filme brasileiro que potencializa muito esse lugar, e um filme americano de um diretor que afirma sua racialidade na tela”, diz o diretor de “Marte Um”, Gabriel Martins, em entrevista exclusiva à CNN. E a negritude em tela pode ser uma chave para uma mudança em como a população negra é vista e retratada – dentro e fora dos cinemas.

    Isso porque tanto em “Marte Um” quanto em “Não! Não Olhe!”, pessoas negras são protagonistas e são personagens complexos: não são figurantes nem os primeiros a morrer. São personagens com nome, sobrenome, ideias e trajetórias próprias. E isso altera um ponto principal na luta contra o racismo e o preconceito: o fim dos estereótipos e de uma ideia de subalternização.

    “É importante a gente falar sobre como o entretenimento foi responsável por propagar estereótipos. A gente tem um passado com isso que também culminou no afastamento das pessoas negras no mercado de entretenimento como criadores”, diz Alê Santos, escritor, roteirista e finalista do prêmio Jabuti, de 2020, pela obra “Rastros de Resistência”.E hoje quando a gente vê um novo diretor negro, uma nova narrativa, a gente tá humanizando as figuras negras, e não só como personagens, mas também como criadores.

    No final das contas a sociedade toda ganha. Ganha novas histórias, ganha novas novos heróis para se imaginar, ganha novas narrativas para se discutir, narrativas que são produtivas para a sociedade toda.

    Alê Santos, escritor e roteirista

    Se em “Corra!” o personagem do ator Daniel Kaluuya vive o terror de ter de conhecer a família da namorada branca, em “Não! Não Olhe!”, o mesmo Kaluuya, junto à personagem da atriz Kiki Palmer, são donos de um famoso rancho na Califórnia e precisam lidar com eventos estranhos sobrenaturais. Já em “Marte Um”, Gabriel Martins vai além e propõe a uma família negra e periférica que ouse a sonhar. Na trama, Deivinho (interpretado por Cícero Lucas) é um garoto craque no futebol, mas que sonha mais alto: ele quer ser astrofísico e participar na missão Marte Um, que planeja colonizar o Planeta Vermelho em 2030.

    E as histórias de suspense de Peele se encontram nesse mesmo lugar das de Martins: elas levam pessoas negras e a cultura negra a cenários incomuns, sejam eles uma nave espacial ou o posto do próximo grande astrofísico do Brasil – lugares totalmente inimagináveis e negados à população negra até pouco tempo.

    Quando a gente tem novos criadores de novas narrativas, novos personagens negros nesse espaço Imaginário, a gente também tá moldando o futuro do país”, acrescenta Alê Santos. “A gente está inspirando pessoas a imaginar que elas também podem ser super cientistas. A gente está normalizando e fazendo a sociedade entender que é normal uma mulher preta ser uma pessoa que conseguiu fazer o sequenciamento do genoma da Covid-19, por exemplo”.

    Quando a gente propaga histórias de fora da realidade com essas figuras poderosas, a gente ajuda a normalizar na cabeça de todo mundo que uma pessoa negra não tem limites, ela pode ser o que ela quiser, ela pode ter a produção que ela quiser produzir

    Alê Santos, escritor e roteirista

    E pensar dessa maneira, além de contribuir para o fim do racismo e de uma dinâmica de inferiorização, propõe uma ideia de sociedade em que é possível viver quaisquer aventuras, sonhar e alcançar, independentemente de gênero, raça ou orientação sexual.

    Essa é a chave, para mim, dessa renovação que o cinema brasileiro está passando e precisa passar. É a gente complexificar os personagens, a gente ampliar as visões possíveis que a gente pode ter de grupos que fazem parte do Brasil. A gente quer contar histórias de pessoas que são como os personagens do Marte Um: que são famílias comuns, inclusive renovar essa forma de existir enquanto negritude em tela

    Gabriel Martins, diretor e roteirista de Marte Um