Como os filmes de terror ajudam Hollywood a se reerguer em tempos de crise
Ao se apoiar nas franquias antigas de sempre, as histórias de medo são o porto seguro da indústria cinematográfica. Não à toa, reboots de "Pânico", "Halloween" e "O Massacre da Serra Elétrica" continuam encantando o público
Lançado na última semana, o mais novo filme da franquia “Pânico” (“Scream”) é a prova de que o terror pode ser um bom motivo para o público voltar a frequentar as salas de cinema.
Os números expressivos comprovam. Em quatro dias de exibição, o quinto capítulo da franquia criada em 1996 arrecadou cerca de US$ 30 milhões nas bilheterias dos Estados Unidos, tomando o primeiro lugar ocupado há quatro semanas por “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa”.
Somando os resultados de outros países, “Pânico” (ou “Pânico 5”, como é chamado informalmente) já arrecadou US$ 51,8 milhões pelo mundo. Nada mal para uma produção que custou menos de US$ 24 milhões e foi lançada exclusivamente nos cinemas.
O Brasil contribuiu para esses valores surpreendentes. De 13 a 16 de janeiro, o filme arrecadou R$ 4,5 milhões, com 235 mil ingressos vendidos (valores divulgados pelo estúdio Paramount). Outros de seus feitos locais: maior bilheteria do dia de abertura para um filme de terror lançado em janeiro no país em todos os tempos, além de um faturamento 80% acima da bilheteria inicial do exemplar anterior da série, ”Pânico 4“, de 2011.
Pelo menos em se tratando de terror, apelar para a nostalgia pode ser um bom negócio. Ainda mais se a ideia for manter fidelidade a velhas histórias, trazendo a maior quantidade possível de elementos familiares ao público, uma prática conhecida como “fan service”.
O novo “Pânico” capricha nesse sentido, resgatando seu elenco original para mais uma jornada diante do assassino mascarado Ghostface, que volta a aterrorizar a pequena cidade californiana de Woodsboro após uma década adormecido.
[cnn_galeria active=”false” id_galeria=”650465″ title_galeria=”Vinte e cinco anos depois, “Pânico” volta às telas com elenco original”/]
Neve Campbell, Courteney Cox e David Arquette retornam aos papéis que os consagraram há 25 anos, quando o primeiro “Pânico” foi celebrado como o filme que revitalizou o “slasher”, subgênero marcado por assassinos seriais que matam aleatoriamente.
Dirigido pela dupla Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, “Pânico 5” segue à risca seu estilo bem-humorado e autorreferente, brincando com aspectos metalinguísticos e colocando na berlinda o seu próprio público-alvo – o jovem fã de cultura pop que se mobiliza passionalmente nas redes sociais.
Muitos desses fãs clássicos temiam sobre a qualidade do primeiro filme da série sem a participação de seu criador e diretor, Wes Craven, morto em 2015. Após a estreia, a opinião geral é positivamente equilibrada. No site agregador de críticas Rotten Tomatoes, “Pânico” aparece melhor aprovado pelo público (nota média 83) do que pela imprensa especializada (75).
“Pânico sempre se mostrou como uma crítica do meio no qual se insere, totalmente consciente de si e criticando assiduamente a juventude da época, seus maneirismos, fraquezas e dependências”, afirma Makson Lima, que comanda o canal especializado “Mas Que Horror” no YouTube e aprova o direcionamento do novo filme: “Que roteiro afiado! O mestre Wes Craven, definitivamente, curtiu isso, seja lá onde estiver”.
Niia Silveira, que também cria conteúdo sobre terror no canal “Trash Modernizado”, acredita que o sucesso de “Pânico” pode ser estimulante para Hollywood. “Com uma nova leva de fãs interessada, ‘Pânico 5’ poderá gerar um boom de slashers voltados para o público jovem”, diz. “O próprio filme original já surtiu esse efeito, fazendo com que esse subgênero voltasse a ocupar os cinemas depois de seu período de ouro, nos anos 1980.”
Vale a pena temer de novo
Verdade seja dita, “Pânico” é apenas uma entre diversas franquias de terror revitalizadas nos últimos anos, seja na forma de histórias paralelas, prequels (filmes que contam histórias anteriores às originais), reboots (que reimaginam universos já existentes) ou continuações tardias.
Esses dois últimos casos se aplicam atualmente à franquia “Halloween”, que é considerada a gênese do “slasher” e rendeu mais de uma dezena de filmes desde 1978. A nova trilogia, que se encerrará em outubro, segue diretamente a história do clássico original, descartando todo o enredo que veio depois.
Ainda no terreno dos slashers, a franquia “O Massacre da Serra Elétrica” ganhará mais um reboot, com lançamento previsto para fevereiro na Netflix. Outra marca cultuada dos anos 1980, “Hellraiser” terá um renascimento nos formatos longa-metragem e série de TV, ambos com envolvimento do criador original, Clive Barker. Para 2022, também estão previstas “Evil Dead Rise”, série baseada no universo criado por Sam Raimi, além de uma “prequel” de “A Orfã” e uma versão renovada da trilogia “Olhos Famintos”.
Vale lembrar que o retorno aos mesmos assassinos seriais, monstros e entidades demoníacas de sempre não é exatamente um fenômeno recente. “Isso é algo que é corriqueiro e que sempre existiu. É um ciclo que volta sempre que existe a necessidade”, explica o jornalista e crítico de cinema Rodrigo Salem. “O terror é o porto seguro de Hollywood, digamos assim.”
O que não significa que toda tentativa de ressurreição resulte em sucesso garantido. “Pelo contrário. Nos dois últimos anos, várias dessas tentativas simplesmente não fizeram o menor barulho. Então, não é sempre algo certo”, diz Salem. Como exemplo, ele menciona a série de TV baseada na franquia “Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado”: produzida pela Amazon Studios, foi cancelada após uma única leva de episódios.
”Cada caso é um caso, honestamente. E o terror pode se gabar, pelo bem ou pelo mal, de ter todos os resultados possíveis e imagináveis”, pondera Makson Lima, que por sua vez lamenta o fim do seriado-remake “O Exorcista”, boa continuação direta do longa-metragem clássico de 1973. “A Disney comprou a Fox e a série foi cancelada, juntamente com um sem fim de possibilidades a uma agora impossível terceira temporada”, diz.
Talvez para não saturar o mercado, os estúdios tentam ser cautelosos no resgate de marcas e personagens emblemáticos. Porém, repetindo o maior clichê do gênero, antigas ameaças não demoram a voltar à cena. “Assim como sempre temos novos ‘O Massacre da Serra Elétrica’ e ‘Halloween’, pode apostar que não vão demorar muito para anunciar novos ‘A Hora do Pesadelo’ e ‘Sexta-Feira 13’”, diz Salem. “E isso não é algo novo.”
Saída para tempos de crise
O olhar para o passado é uma carta que a indústria de Hollywood guarda nas mangas em seus momentos difíceis. A situação atípica do fechamento dos cinemas causado pela pandemia de Covid-19 gerou nos estúdios a necessidade de uma espécie de “plano emergencial” informal, buscando franquias com apelo saudosista que já possuam um público cativo anterior e tenham potencial de angariar novos fãs.
“Em tempos de crise, os estúdios preferem investir em algo que acham que vai dar retorno garantido, ao invés de apostar em histórias inéditas, mais sérias ou que não tenham propriedades intelectuais já existentes”, afirma Rodrigo Salem. “Eles preferem investir no que é seguro, que sabem que dá dinheiro, com uma base de fãs que vai ser complementada por novos fãs que não viram os filmes originais.”
Estamos vivendo uma crise sem precedentes, não só pelo fato de a Covid ter fechado as salas, mas também porque os estúdios estão migrando para o streaming. É preciso apelar cada vez mais para ‘filmes-eventos’ para atrair o público aos cinemas.
Rodrigo Salem, jornalista e crítico de cinema
Considerados indispensáveis, carregados de hype nas redes sociais e com apelo irresistível entre plateias de todas as idades, os chamados “filmes-eventos” da temporada 2021/2022 dividem-se em categorias: sequências de filmes de super-heróis celebrados, como o já citado “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa”; continuações de franquias cultuadas do século passado, como o próprio ”Pânico” e os recentes “Matrix Resurrections” e “Ghostbusters: Mais Além”, além de “Top Gun: Maverick” (com lançamento nos cinemas marcado para maio); e os reboots completos de histórias já contadas, como “Duna” e “The Batman” (previsto para março).
No caso do terror, o reboot é um recurso típico ao qual os aficionados não se opõem e que, em certos casos, são tão bem aceitos quanto os produtos originais. Foi o caso de “Brinquedo Assassino”, série criada em 1988 que teve sua origem reescrita em um filme de 2019.
“A franquia original é uma das mais redondas e bem feitas. Seria preciso um remake? Talvez não”, diz Niia Silveira. “Mas a nova versão foi importante para inserir o boneco em um contexto que fizesse mais sentido nos dias de hoje.”
Já em 2021, o mesmo “Brinquedo Assassino” ignorou seu reboot e gerou outra história para uma série de TV disponível no serviço de streaming Star Plus, “Chucky”, que foi renovada para uma segunda temporada.
“A ideia de se contar novamente, e de outro modo, uma história que já foi contada, não irá apagar a versão original. Ela ainda estará disponível para os fãs mais saudosos“, diz Niia. “Mas, com isso, cria-se a possibilidade de que novas pessoas conheçam aquela história.”
“Manter legados vivos é muito difícil, porque isso pode incitar ou não a curiosidade da nova audiência em entender a origem do ponto”, questiona Makson Lima, que ressalta a importância da coexistência entre diversas versões de uma mesma história. ”No terror, as coisas não se anulam e ainda conseguem criar camadas únicas”, diz.
Barato, popular e irresistível
O apelo imortal e global do terror está ligado principalmente a características muito favoráveis relacionadas ao custo de produção dos filmes. Mesmo com a necessidade de efeitos especiais para garantir o apelo assustador, as despesas em geral são normalmente baixas se comparadas a outros gêneros.
“O terror é muito barato de se fazer e tem sempre uma recepção calorosa do público, além de ser muito mais fácil de vender para outros países”, diz Rodrigo Salem, citando a América do Sul, o Leste Europeu e a Ásia como consumidores vorazes de filmes assustadores.
A abundância de histórias, antigas ou novas, somadas a um custo reduzido de produção se traduzem em uma matemática favorável a um gênero de interesse cada vez mais intenso entre plateias jovens e globalizadas. “Filmes de terror já saem quase pagos da produção, porque são vendidos muito facilmente”, explica o jornalista. ”Quando um estúdio faz um filme desses, já está vendido para um território e pagou parte da produção.”
Como exemplo, ele cita a Bloomhouse, empresa de produção que foi responsável por trabalhos recentes dos badalados diretores Jordan Peele e M. Night Shyamalan, além da franquia “Atividade Paranormal” e da nova trilogia “Halloween”. “Eles gastam no máximo US$ 15 milhões para fazer filmes e produzem bilheterias cinco vezes maiores do que isso”, diz.
Independente da estratégia do estúdio ou do apelo com um tipo específico de fãs, há uma característica atraente no terror que não pode ser explicada com números e dados: é sua capacidade de refletir em seus filmes os anseios de cada época em que são produzidos.
Mesmo que muitos contem versões das mesmas histórias, a crescente popularidade do gênero confirma sua eficiência em refletir sombriamente o momento em que vivemos.
“O terror é um retrato total de seu tempo. Abraça o datado e tem orgulho de servir como crítica, velada ou não, daquela fatia de acontecimentos históricos”, decreta Makson Lima.
“É um gênero cíclico”, conclui Niia Silveira. “Que se renova e se adapta, ao longo do tempo, e de acordo com as necessidades e conceitos de seu período.”