China exibe “Clube da Luta” com final editado para autoridades vencerem
Explosão de prédios do sistema financeiro foi trocada por aviso de que "a polícia rapidamente descobriu o plano e prendeu todos"; censura cinematográfica tem longa história no país
Mais de duas décadas após o lançamento, o “Clube da Luta” recebeu um final muito diferente na China – e desta vez, as autoridades vencem.
Os fãs chineses do clássico cult de David Fincher ficaram furiosos no fim de semana, quando notaram que uma versão do filme disponível na popular plataforma de streaming chinesa Tencent Video remove completamente o final icônico.
O desfecho de “Clube da Luta” chocou o público quando o filme chegou aos cinemas, em 1999. Em uma grande reviravolta, o narrador, interpretado por Edward Norton, percebe que o personagem Tyler Durden, feito por Brad Pitt, é seu alter ego imaginário e o mata.
Na cena final, o narrador e a namorada, interpretada por Helena Bonham Carter, assistem bombas explodirem um aglomerado de arranha-céus – tudo parte do que foi originalmente apresentado ao público como o plano de Durden para destruir o consumismo apagando registros bancários e de dívidas.
Essa quantidade de anarquia – e a incapacidade do governo de pará-la – não parece ter sido aprovada pelas regras de censura notoriamente rígidas da China.
Na versão disponível no Tencent Video, à qual a CNN pode visualizar na plataforma, toda a cena com as explosões foi cortada. No lugar, foi colocada uma legenda explicando ao público que as autoridades chegaram bem a tempo de salvar o dia.
“Através da pista fornecida por Tyler, a polícia rapidamente descobriu o plano e prendeu todos os criminosos, impedindo com sucesso a explosão das bombas”, diz a legenda. “Após o julgamento, Tyler foi enviado para um asilo de lunáticos, recebendo tratamento psicológico. Ele teve alta do hospital em 2012”.
O novo final enfureceu alguns espectadores. Não ficou claro quando esta versão do filme apareceu no Tencent Video, mas as capturas de tela do filme editado ganharam força na China no fim de semana, já que várias pessoas deixaram comentários reclamando da alteração drástica.
“Isso é muito ridículo”, escreveu uma pessoa na página da Tencent Video para o filme. Outro chamou a mudança de “um pilar da vergonha na história cinematográfica”.
“Ninguém quer pagar para assistir a um clássico que foi tão arruinado a tal ponto”, escreveu outra pessoa no Douban, um site de críticas de filmes.
A Tencent se recusou a comentar sobre a edição. A CNN também entrou em contato com a Cyberspace Administration of China, o regulador da Internet que supervisiona as plataformas de streaming, bem como a China Film Administration, mas nenhuma das agências governamentais responderam aos pedidos de comentário.
Embora não esteja claro como ou quando a edição foi feita, não é incomum que filmes estrangeiros passem por pesada censura antes de encontrar uma transmissão legítima na China. E as empresas chinesas que detêm os direitos de filmes internacionais no país costumam se autocensurar para apaziguar os reguladores antes dos lançamentos gerais.
De acordo com a versão do filme disponível na Tencent Video, a editora chinesa de “Clube da Luta” é a Pacific Audio & Video Co., uma empresa sediada na cidade de Guangzhou. Ela é afiliada à Rádio e Televisão estatal de Guangdong.
Uma funcionária da Pacific Audio & Video disse à CNN que ela não poderia comentar sobre o lançamento do filme em streaming. Ela disse, no entanto, que a empresa não possui mais os direitos do filme em DVD no país, que obteve há mais de uma década.
Esta não é a primeira vez que o público chinês pode assistir o “Clube da Luta” legitimamente no país. O filme foi exibido no Festival Internacional de Cinema de Xangai, em 2006 – um evento em que Norton e outras estrelas de Hollywood participaram – de acordo com relatos da mídia chinesa na época.
Esse mesmo festival exibiu o filme novamente em 2017. O China Film Archive, em Pequim, também realizou exibições, segundo a mídia chinesa.
A CNN não participou desses eventos e, portanto, não pode verificar se essas exibições foram editadas.
No entanto, um dos comentários no site Douban descrevia a experiência ao assistir o filme no Festival Internacional de Cinema de Xangai em 2017, contando sobre o “final muito esperado”, incluindo os edifícios em colapso.
Censura cinematográfica tem longa história na China
Desde o início dos anos 1990, as autoridades permitem que apenas algumas dezenas de filmes estrangeiros sejam exibidos no país a cada ano – apenas nove dos 26 vencedores do Oscar de melhor filme foram exibidos publicamente na China entre 1994 e 2019, por exemplo.
Filmes ou programas com temas controversos – como aqueles que supostamente retratam a China sob uma luz ruim, que trazem assuntos tabus como o Massacre de Tiananmen de 1989 (Massacre da Praça da Paz Celestial) ou apresentam histórias LGBTQ – são mantidos totalmente fora do alcance. E como a China não possui um sistema de classificação de filmes, qualquer conteúdo aprovado pelos reguladores chineses é fortemente editado para remover certas cenas, como sexo explícito ou violência.
Quando a cinebiografia de Freddie Mercury, vencedora do Oscar, “Bohemian Rhapsody” foi lançada na China em 2019, por exemplo, qualquer menção à sexualidade do cantor do Queen – assim como seu diagnóstico de AIDS – foi cortada.
E a série de drama e fantasia, o grande sucesso americano “Game of Thrones”, que construiu sua popularidade em sexo gráfico e violência, foi censurado tão fortemente no Tencent Video que alguns espectadores reclamaram dizendo que ele foi transformado em um “documentário sobre castelo medieval europeu”.
* Equipe do escritório da CNN em Pequim contribuiu para esta reportagem