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    “Carvão”, que estreia nesta quinta (3), mostra metáfora da hipocrisia social brasileira

    Em entrevista à CNN, diretora Carolina Markowicz diz que o roteiro mudou ao longo de sete anos para refletir a situação nacional

    Jean de Almeida em cena de "Carvão"
    Jean de Almeida em cena de "Carvão" Divulgação

    Isabella Fariada CNN

    São Paulo

    Com a tela preta, escuta-se uma música do Padre Marcelo Rossi. A letra fala sobre Deus e sobre como Ele irá proteger seus fiéis em noites difíceis. Um ótimo começo para um filme que tratará da religião como uma fachada da hipocrisia que, por vezes, invade grupos mais tradicionalistas.

    “Eu cresci no interior, então, pra mim, é muito fascinante essa questão conservadora da performance social versus a verdade, de fato”.

    Carolina Markowicz, diretora de “Carvão”, já fez seis curtas-metragem, ganhando prêmios, inclusive, no Festival de Cannes. Esse, porém, é seu primeiro longa.

    Segundo ela, não foi um trabalho rápido de fazer, o roteiro demorou cerca de sete anos para chegar a sua versão final.

    “Demora bastante para fazer um longa, captar, levantar o filme. O roteiro foi mudando, e seguiu em direção ao que a gente está vivendo aqui no país”, conta a diretora do filme, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (3), depois de passar pela 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

    No caso, o Brasil é retratado através do interior do estado de São Paulo.

    Nas imediações da cidade de Joanópolis, vive uma família de quatro pessoas. Eles possuem uma carvoaria e, quando o movimento está ruim, se sustentam cozinhando e vendendo marmitas. O maior problema é o patriarca. Sem se mover ou falar, o idoso acaba se tornando um estorvo para parte da família que precisa cuidar dele a todo momento, inclusive manejando o cilindro de oxigênio ao qual ele está ligado, 24 horas por dia.

    Em uma manhã, porém, uma enfermeira chega à casa dessa família e faz uma proposta bem recusável: abrir um espaço na casa e abrigar um estrangeiro misterioso em troca de uma grande quantia de dinheiro.

    Sem muito pensar, uma vaga na casa é aberta pelos membros da família, o estrangeiro a ocupa e muda toda a estrutura social da casa.

    A ambientação no filme é essencial para o desenvolvimento da história. Se trata de um lugar isolado, no meio do campo, com uma casa pequena, mas cheia de cômodos; portas e janelas ficam fechadas e os membros da família tentam atrair eventuais visitantes, que chegam sem avisar, para o quintal.

    “O interior tem esses espaços menos habitados e menos gentrificados. Faria mais sentido alguém se esconder nessa região”, diz Carolina. “As grandes cidades são mais pulverizadas ideologicamente e em termos de locação. A história poderia acontecer em uma metrópole, mas não seria algo tão fácil”, explicou a cineasta.

    Dito isso, Carolina prefere mostrar do que dizer, mas não significa que as exemplificações que ela traz no filme sejam fáceis de entender.

    Nas entrelinhas, está o absurdo. Algo totalmente destituído de sentido, que é contrário ao bom senso.

    “Eu queria trazer de volta o absurdo”, diz. “Hoje em dia ele é muito naturalizado no Brasil”, complementa.

    Carolina cita o debate presidencial onde, segundo ela, apareceu um padre de festa junina.

    “Me pergunto, de onde surgiu isso?”, disse Carolina.

    Para a diretora, haver uma política de armas para combater a violência, por exemplo, é falacioso, mas colocado para a sociedade como se fizesse sentido.

    “Há uma inversão de valores que é chancelada pela política atual”, comenta a cineasta.

    Valores que, no filme, são completamente abalados por Miguel (César Bordón), que chega, somente, para expôr todos os segredos e mentiras que rondam uma família, aparentemente, estabilizada.

    Maeve Jinkings, que interpreta a mulher da casa, Irene, faz um trabalho formidável trazendo uma personagem que, apesar de forte, segue no escuro, seja pela incerteza financeira ou pelo afastamento do marido, Jairo (Rômulo Braga), cada vez mais inclinado a escapadelas durante à noite.

    O destaque do filme, porém, fica com Jean de Almeida, que interpreta o único filho da casal. O personagem não é poupado de nada. Além de servir como alívio cômico, ele representa o espectador, que assiste a tudo de forma passiva, rindo algumas vezes, questionando outros personagens, mas, no clímax do filme, apenas observa o que acontece bem na sua frente.

    “Eu aprecio a sutileza em algumas histórias”, diz Carolina, “não precisa ser tudo explicativo ou explícito, inclusive, nem eu sei onde certos aspectos da história acabam”.

    Algumas pessoas já perguntaram à diretora o que ela pensava sobre o final do filme, que acaba em uma incógnita. Ela não responde.

    “Cada um pode entender uma coisa. Eu gosto dessa ideia do filme estar na cabeça de quem assiste”.