Busto do compositor Aldir Blanc é inaugurado no Rio
"Tudo o que envolve ele tem muita poesia" diz Mello Menezes, autor da obra em homenagem ao autor de canções clássicas como “O Bêbado e a Equilibrista” e “O Mestre-Sala dos Mares”
Aldir Blanc está de volta e definitivamente à Zona Norte, a cigana que leu sua sorte. Entretanto, não dá para dizer que o bardo da Muda um dia deixou a região do Rio de Janeiro de onde partiu inspiração para sua mitologia, sua Vila Isabel, idealizada em uma das obras mais vastas da música brasileira – é como se sua alma tivesse sempre por ali, e agora há uma prova física disso, para ninguém ter dúvida.
Há exatos três anos, vítima da covid-19, ele deixou este plano para ir conhecer a Lua de perto – não mais pelo reflexo dela na caixa d’água. Agora, por obra de amigos e da prefeitura do Rio, um busto o deixa imortalizado em uma das esquinas em que viveu, bebeu, cantou e poetizou um mundo novo.
A imagem foi inaugurada nesta quinta-feira (4) no mais novo logradouro do Rio de Janeiro, a Alameda Aldir Blanc, na Avenida Maracanã, entre as ruas Garibaldi e Marechal Trompowski.
O prefeito Eduardo Paes, amigos-parceiros como Moacyr Luz e o autor da obra, Mello Menezes, participaram da cerimônia, cuja segunda parte será no domingo (07), com roda de samba comandada pelo músico Tiago Prata – claro, só com as canções de Aldir Blanc. Os parceiros que lá estiveram hoje voltarão, uma tropa de peso.
“E é aí, no domingo, que a estátua vai sorrir”, diz à CNN o artista Mello Menezes, 58 anos de amizade, capas de disco e muitos copos ao lado de Blanc.
A primeira frase deste texto é uma citação à canção “Só Dói Quando Eu Rio”, de Aldir e Moacyr Luz, que também está imortalizada na Alameda. Versos desta foram incorporados ao que o jornalista Luís Pimentel preparou para ser colocado no espaço – você o lê no final desta reportagem.
Da obra imensurável do poeta, a viúva Mary Blanc pinçou outro verso que adorna o busto: “tudo o que é triste eu torno sublime”, da canção “Provavelmente em Búzios”. A música foi composta em 1993 em parceria com Cristóvão Bastos, mas gravada apenas em 2021 por Dori Caymmi.
“Foram 58 anos de convivência e, agora, trouxe ele de volta, mesmo que simbolicamente. Aldir era modesto, reservado, era avesso a sair de casa, mas ia comigo depois de uns copos. Agora está na rua”, brinca o amigo Mello Menezes.
O artista resume o amigo: “tudo o que envolve Aldir tem muita poesia”. “Com cada parceiro ele tinha um clima, uma tirada diferente. Acompanhei todos, João Bosco, Paulo Emílio, Moacyr Luz, até o Alexandre Nero. Vi, com o Maurício Tapajós ele vencer algumas batalhas pelos direitos autorais. E perder para um vírus indigno. Mas ele está aí, pra sempre”, reflete Mello Menezes.
Leia o texto do jornalista Luis Pimentel:
“Aldir passou por aqui. Morou logo ali. Bebeu num bar que a gente vê daqui e seguiu um bloco que dobrou aquela esquina. Agora, olha ele aí: depois de alvorecer e anoitecer tantas ruas, depois de cantar sonhos nas avenidas, é nome de logradouro carioca.
Cronista e poeta maior das calçadas, crises, declives e acidades da cidade, árvore generosa que a música brasileira plantou no Rio e dela colheu centenas de canções, dezenas de parceiros, milhares de amigos e admiradores. Entre o Estácio, Vila Isabel, a Tijuca e a Muda correram, sempre margeando o Rio Maracanã, as veias vigorosas de Aldir Blanc:
“Há quem não se importe, mas Zona Norte é feito cigana lendo a minha sorte”
A infância da Maia Lacerda pongou no bonde e, de sandálias de dedo, desceu na Rua dos Artistas, onde calçou sapatos. Morou numa casa com quintal cheio de árvores frutíferas – pertinho da flauta do mestre Benedito Lacerda. O quintal servia para reunir amigos e parentes em torno das panelas e dos pratos, do radinho de pilha, contando o jogo do Vasco. A poesia desabrochando ali, à sombra das goiabeiras, laranjeiras, bananeiras, mangueiras, dos pés de abiu, sapoti, limões-bravos. Tudo isso muito antes de Aldir Blanc se tornar um dos maiores compositores da MPB, publicar crônicas imortais em jornais e revistas, em livros que ilustram estantes com o melhor da literatura carioca, ganhar tantas batalhas pela valorização e dignidade dos artistas e perder a guerra para um vírus indigno.
Parodiando outro grande poeta, os vírus e os indignos passarão; Aldir passarinho, voando livre em sua alameda.”