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    Bisneta de Monteiro Lobato exclui passagens racistas em adaptação de clássico

    Segundo a autora, as conotações que se referiam à personagem Tia Nastácia foram alteradas, trazendo uma forma mais humana de retratar a personagem

    Anna Gabriela Costa, colaboração para a CNN Brasil

    Como viveriam Emília, Tia Nastácia, Dona Benta e outras personagens icônicas do escritor Monteiro Lobato se vivessem na atualidade? Para a bisneta do autor, Cleo Monteiro Lobato, o universo criado no Sítio do Picapau Amarelo seria mais inclusivo e consciente. A escritora está prestes a lançar uma adaptação do clássico centenário “A Menina do Narizinho Arrebitado”, onde trata com mais delicadeza a forma como a personagem Tia Nastácia fora retratada na obra, excluindo falas consideradas racistas. O livro “Narizinho Arrebitado” será lançado nesta sexta-feira (4). 

    Formada em História pela USP, Cleo Monteiro Lobato diz que passou a sentir a necessidade de apresentar as obras de seu bisavô para o público dos Estados Unidos, numa tentativa de desmistificar alguns conceitos criados pelos americanos em relação ao Brasil e aos brasileiros. Entretanto, deparou-se com algumas barreiras ao traduzir a obra para o Inglês, e decidiu criar uma versão adaptada também para o público no Brasil. 

    “Hoje em dia, se você é uma pessoa negra e vai ler o livro para seu filho, você se engasga.  Ao traduzir para o inglês me vi defrontada aos problemas culturais do Brasil, aí entendi o que é preconceito e racismo estrutural, foi fundamental para a minha compreensão, sendo branca, do que é o racismo”, esclarece Cleo. 

    Em um comparativo entre Brasil e Estados Unidos, país que vive há mais de 20 anos, Cleo alega que, apesar das diferenças intrínsecas, o momento que Brasil e os Estados Unidos estão vivendo é muito parecido. “Para mim não dava mais. As pessoas não podem simplesmente dizer que não são racistas, elas têm que se posicionar como antirracistas”.

    A escritora explica que a essência da obra não foi modificada, e acredita que 98% do material original foi mantido. Segundo a autora, as conotações que se referiam à personagem Tia Nastácia foram alteradas, trazendo uma forma mais humana de retratar a personagem, que é a cozinheira do sítio na obra original de seu bisavô.

    “Alterei algumas frases. Em vez de chamar a negra, a negra tem nome: Tia Nastácia. Em vez de dar risada com beiço, troquei. Se fosse um tratamento equivalente com a Dona Benta, eu deixava”, afirmou. “Acho que a minha versão é a versão que eu tinha dentro do meu coração. Com minha cabeça de criança a Tia Nastácia era amada, respeitada e acolhedora; eu mantive exatamente o que eu li, que acho que é o que Lobato escreveu”, complementou. 

    “Não vejo passagens racistas no livro do meu avô”

    A bisneta garante que Monteiro Lobato não era racista e destaca a evolução na sociedade como o principal fator para tais questionamentos. Segundo ela, porém, as obras do escritor retratavam pontos que eram comuns àquela época, com uma linguagem carinhosamente chamada pela autora como o “caipirês” do interior de São Paulo. 

    “A sociedade evoluiu, não vejo passagens racistas no livro do meu avô, acho incrível que tenha ocorrido essa evolução da sociedade. O termo sinhá, o bolinho de fubá eram do universo do interior paulista, o ‘caipirês’. O Monteiro Lobato que sei como bisavô, como avô, como pai, não era racista. Os valores que ele passou para filhos, netos e bisnetos não eram racistas”, disse. 

    A autora destacou também que o próprio Monteiro Lobato realizava adaptações de suas obras a cada nova edição. 

    “Tem a obra original para ler. Quem quiser ler a de 1920 pode ler! Ele modificava a obra dele, a cada nova edição ele modifica palavras, evoluía sem parar.  As pessoas que estão tão ofendidas, para mim, isso quer dizer que elas amam meu bisavô e amam os livros, que a obra do Monteiro Lobato está dentro do coração delas. Mas, a minha intenção é que Lobato seja lido pelas próximas gerações, daqui a 80 ou 100 anos, sem ser associado ao racismo estrutural no Brasil”. 

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    Adaptação com responsabilidade

    Para a escritora Sonia Travasso, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em literatura infantil e juvenil, existe um grupo que não admite que a obra seja modificada em nada e outros grupos que consideram que é interessante mudar uma ou outra palavra, especialmente aquelas que trazem uma ideia de racismo, o que, para a educadora, não significa que Lobato era racista, pois utilizava termos que eram naturalizados naquela época. 

    “Uma das editoras optou por colocar, quando há termos considerados estranhos ou termos de antigamente, como nota de rodapé, a Emília e a Narizinho conversando e comentando aquele termo, foi uma saída bem inteligente da Companhia das Letrinhas”, afirmou a educadora. 

    Sonia Travasso explica que, desde que a obra de Lobato caiu em domínio público, diversos escritores e editoras vêm fazendo alterações. “Muitos acham que vale a pena tirar estas palavras, para deixar o texto mais de acordo com debates e questionamentos muito presentes na sociedade de hoje. Essas questões esbarram muito na questão educacional, na mediação desta leitura que se faz na escola”, diz. 

    A educadora defende, entretanto, a importância em manter a essência da obra e dos personagens. “Eu acredito que é importante a gente escrever o texto como o autor escreve, na mediação da leitura na escola, e colocar em debate essas questões que por vezes aparecem na obra de Monteiro Lobato. Mas, não vejo problema em trocar alguns termos. Só acho que tem que tomar cuidado para não adulterar a obra”.

    Sonia usa como exemplo a boneca falante Emília. “A Emília, por exemplo, ela é atrevida, fala coisas erradas e agressivas às vezes, mas, se você tira tudo isso da Emília, ela deixa de ser a Emília, tem que tomar cuidado nas adaptações com o que tira, de forma que não adultere a obra. Acho importante que tenha um texto de apresentação, explicando que ali é um texto de adaptação, mostrar o que foi adaptado e porque foi adaptado desta forma, e que existe a forma original que as pessoas podem ter acesso também”, concluiu. 

    Clássico da literatura nacional ganhou uma nova adaptação
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    Foto: Ilustração/ Rafael Sam 

    Narizinho 100 anos 

    O evento “100 anos Narizinho” irá reunir diversos apaixonados pelo escritor Monteiro Lobato, com apresentação e adaptações de suas obras e traduções para exportar o legado mundo afora. O encontro acontece a partir dessa sexta-feira (4), onde ocorrerá o lançamento do livro “Narizinho Arrebitado”, de Cleo Monteiro Lobato.

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