Banda de black metal que teve show cancelado no RS já teve integrante preso por assassinar colega
Mayhem, pioneiro grupo do estilo, enfrentou polêmicas no passado; após cancelamento em Porto Alegre por acusações de práticas neonazistas, grupo se apresentará em Brasília nesta quarta (22)
A banda norueguesa de black metal Mayhem, que teve cancelado um show no bar Opinião, em Porto Alegre, por acusações de práticas neonazistas, tem apresentação confirmada para esta quarta-feira (22), no Toinha Show Brasil, em Brasília.
A polêmica envolvendo a suposta prática neonazista se soma a outras controvérsias que atingiram a banda no seu passado.
Considerado um dos pioneiros do black metal, o Mayhem teve em sua formação, entre 1992 e 1993, o baixista Varg Vikernes, que foi preso naquele mesmo ano por assassinar o colega de banda e guitarrista Oystein Aarseth, conhecido como Euronymous.
Vikernes também foi acusado de participar de queimas de igrejas que aconteceram na Noruega naquela mesma época.
Sem nunca ter retornado à banda, o baixista se dedicou ao projeto musical Burzum, nos tempos de prisão, e também se tornou uma voz para o neonazismo – acusação que agora beira sobre os integrantes atuais do Mayhem.
Da formação da época do assassinato de Euronymous, permanecem na banda o vocalista Attila Csihar, de 51 anos, e o baterista Hellhammer (Jan Axel Blomberg), de 53 anos. O último acabou sendo o alvo do cancelamento do show na capital gaúcha.
Segundo o bar Opinião, para o cancelamento foi considerado “os movimentos nas redes sociais tanto pró quanto contra o evento, comentários suscitando manifestações no local e imediações do bar e o potencial risco à integridade física de todos os envolvidos”.
“Os ingressos serão devolvidos conforme a forma de pagamento”, acrescenta a casa.
A banda, no entanto, nega que tenha inspiração neonazista.
Procurada pela CNN, a assessoria do Mayhem declarou que o grupo é uma entidade apolítica, com milhares de fãs em todo o mundo, de todo tipo de origem, crenças, ideias ou preferências.
“Nem a banda, nem nenhum de seus membros toleram racismo, nazismo, homofobia ou qualquer outro ‘crime de ódio’ ou discriminação em geral”, explica.
Sobre o cancelamento da apresentação em Porto Alegre, a assessoria do Mayhem justifica “que houve a tentativa de pessoas de colocarem uma falsa ideia sobre a banda” e que “todos estão desapontados pelo acontecimento, ainda mais pelos fãs não poderem assisti-los”.
A acusação de neonazismo
As postagens citadas pelo Bar Opinião mostram imagens do baterista Hellhammer, com uma suástica no braço, bem como acusações e declarações dele sendo contrário à “mistura de raças”.
O @opiniao está trazendo para Porto Alegre a banda norueguesa acusada de ser nazista Mayhem. O baterista Hellhammer já se declarou contra a “mistura de raças”, apareceu já com suástica no braço e costumavam ensaiar em estúdio cheio de totenkopf nazis. E aí, Opinião? pic.twitter.com/x0tzi7FMkD
— judz (@nietzsche4speed) March 15, 2023
O deputado estadual Leonel Radde (PT-RS) entrou no caso e se colocou contra a vinda da banda, registrando um boletim de ocorrência.
“Não podemos permitir que o racismo seja normalizado em qualquer espaço, inclusive na cultura e no entretenimento. E como diz a célebre frase “se dez pessoas estão sentadas na mesa e um nazista se junta a elas e ninguém levanta, nós teremos onze nazistas”, cita .
Não podemos tolerar nenhum tipo de discurso racista em nossa sociedade. É por isso que me posiciono veementemente contra a vinda da banda Mayhem, que teve integrantes envolvidos em declarações racistas. Não podemos permitir que o racismo seja normalizado em qualquer espaço, (+) pic.twitter.com/5fE8oLqHtQ
— Leonel Radde (@LeonelRadde) March 16, 2023
Radde também questionou se o Toinha Brasil Show, de Brasília, manteria a apresentação marcada para esta quarta-feira (22). “É que, tipo assim, a banda que dizem que não é neonazista simplesmente queima uma estrela de Davi e se veste de Adolf Hitler… Mas claro, é tudo muito ‘artístico'”.
Gostaria de saber se o Toinha Brasil Show, de Brasília DF receberá mesmo a Mayhem no dia 22 de março. É que, tipo assim, a banda que dizem que não é neonazista simplesmente queima uma estrela de Davi e se veste de Adolf Hitler… Mas claro, é tudo muito “artístico”. 😉
(+) pic.twitter.com/S3JdbBaX0Q— Leonel Radde (@LeonelRadde) March 18, 2023
Com relação ao show em Brasília, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e o Ministério Público Federal (MPF) pediram, na última sexta-feira (17), a revogação da licença ou do alvará referente à apresentação do grupo.
Em sua justificativa, o MP diz que há “evidências de que integrantes e ex-integrantes da banda estão envolvidos com apologias neonazistas, suicídio, canibalismo e assassinato, além de diversos tipos de violências e discriminações, incluindo queima de igrejas, referências à extrema violência, incitação à mutilação, declarações racistas e antissemitas, entre outros”.
Até o momento da publicação deste texto, no entanto, a apresentação na capital federal estava confirmada, com a venda de ingressos disponível no site da casa de show.
O surgimento do black metal
O black metal é um subgênero do heavy metal que tem como uma de suas vertentes a abordagem de temas anticristãos, satânicos e pagãos. As canções normalmente têm um andamento rápido e apresentam vocais estridentes, guitarras fortemente distorcidas e estruturas musicais não convencionais.
A sonoridade surgiu no começo dos anos 1980, na chamada “primeira onda” do estilo, quando a banda inglesa Venom lançou seu segundo álbum, intitulado “Black Metal”.
A música era semelhante ao heavy metal tradicional, mas as letras do Venom tinham temas anticristãos e satânicos. Bandas como Bathory e Hellhammer também se destacaram como primeiras influências da sonoridade.
Os músicos da primeira onda também adotaram pseudônimos e pinturas corporais, com uso das cores branco e preto, que continuaram sendo usadas pelas gerações posteriores.
No início dos anos 1990, bandas norueguesas como Mayhem, Darkthrone e Immortal formaram a segunda onda do black metal, influenciando distintamente o tom niilista e misantrópico que o gênero assumiu.
As primeiras bandas de black metal usaram slogans malignos e imagens satânicas para chocar, mas a cena black metal norueguesa nos anos 90 transformou parte desses temas em realidade.
Varg Vikernes: assassinato e queima de igreja
O exemplo mais proeminente dessas práticas é Varg Vikernes, ex-baixista do Mayhem, que foi uma peça-chave tanto para o gênero musical quanto para movimento neonazista.
Em 1992, Vikernes iniciou uma campanha de queima de igrejas na Noruega, supostamente começando com a Igreja Fantove Stave do século 12 nos arredores da cidade de Bergen, de acordo com o jornal “Los Angeles Times”.
O baixista se gabou de queimar igrejas com outros membros da cena, dizendo que queria se “vingar” dos cristãos e trazer a Noruega de volta às suas raízes pagãs, segundo informações da época da revista “Rolling Stone”.
Vikernes passou 15 anos na prisão pelo incêndio criminoso e ainda por causa do assassinato de seu colega de banda Euronymous em 1993.
Após a segunda onda, o estilo se ramificou em ainda mais subgêneros, como o black metal atmosférico e o black metal melódico, com cenas em todo o mundo. Alguns subgêneros do black metal representam ideologias odiosas, como a promoção do nazismo e visões semelhantes.
Mas, embora existam subcategorias de black metal que expressam visões racistas ou neonazistas, essas visões extremistas não são representativas de todo o gênero ou da comunidade.
(*Com informações da CNN Internacional e de Beatriz Gabriele)